segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Acto administrativo: Uma questão de perspectiva

A diferença (e a sua amplitude) entre o conceito de acto administrativo e o conceito processual de acto administrativo impugnável depende, na sua base, da própria construção doutrinária que se tem em perspectiva.

De facto, na perspectiva doutrinária de Vieira de Andrade sobre o acto administrativo, a referida frase vale na sua totalidade. Para Vieira de Andrade o conceito de acto administrativo deve ser hoje entendido em sentido estrito, como uma decisão reguladora de autoridade própria do poder administrativo. A sua justificação para este entendimento estrito baseia-se na desnecessidade e inconveniência da ampliação da noção de acto administrativo para propiciar ao particular uma protecção judicial, já que a tutela judicial efectiva dos cidadãos já estaria assegurada por via da acção administrativa comum.

Outros autores, como o regente da presente cadeira, Vasco Pereira da Silva, defendem um conceito amplo de acto administrativo. Esta amplitude é justificada pela evolução histórica verificada nas formas de actuação administrativa. De facto, tanto as decisões de carácter regulador como as actuações de conteúdo mais marcadamente material, os actos de procedimento como as decisões finais, as actuações internas bem como as externas, são consideradas pela lei como actos administrativos.

Vieira de Andrade, na transcrita frase da sua obra “A Justiça Administrativa”, vem defender que o conceito processual de acto administrativo é, por um lado, mais vasto e, por outro, mais restrito do que o conceito de acto administrativo.

É “mais vasto apenas na dimensão orgânica, na medida em que não depende da tradicional qualidade administrativa do seu Autor: inclui, não só decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos, como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública”. De facto, no que toca a esta dimensão orgânica, o conceito de acto administrativo está limitado pela própria lei. Diz-se no artigo 120º do CPA que são actos administrativos as “decisões dos órgãos da Administração (…)”. Ora, isso implica existir, à partida, uma limitação orgânica ao conceito de acto administrativo que nem mesmo os autores defensores de uma noção ampla parecem tentar ultrapassar. Vasco Pereira da Silva fala, de facto, num alargamento da noção tradicional de acto administrativo, mas não defende mais do que uma equiparação aos actos administrativos das actuações que não provêm de autoridades administrativas, “seja porque emanam de entidades da Administração pública sob a forma privada, seja porque são emitidas por concessionários ou outros particulares que colaboram com a Administração no exercício da função administrativa”.

É “mais restrito, na medida em que só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”. Esta dimensão da afirmação de Vieira de Andrade também é verdadeira para a doutrina de Vasco Pereira da Silva, mas com diferente amplitude. Para o regente desta cadeira, “actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar, ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis”. No fundo, o que de diferente há em amplitude nas duas diferentes doutrinas resulta das diferentes noções de acto administrativo: uma estrita de Vieira de Andrade, outra ampla de Vasco Pereira da Silva, o que implica, na prática, que exista uma restrição mais alargada, pois abrange também aquilo que na noção ampla de acto administrativo se acrescenta.


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