quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Várias visões sobre a mesma realidade

O conceito de acto administrativo é-nos dado pelo art. º120 do CPA, segundo o qual “consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”
Esta definição legal de acto administrativo é muita controvertida pela doutrina, uns adoptando um conceito mais amplo do que se deve entender por acto administrativo e outros uma concepção mais estrita de acto administrativo. Há quem entenda, que só são actos administrativos os actos jurídicos ou também as operações materiais, outros salientam que são os actos organicamente administrativos, e há quem inclua ainda os materialmente administrativos. Destacamos algumas definições lançadas pela doutrina: Segundo o professor Freitas do Amaral o “acto administrativo é o acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por uma entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta”. Por sua vez Marcelo Caetano defende o acto administrativo definitivo e executório que é a “conduta voluntária de um órgão da administração no exercício de um poder público que para prossecução de um interesse a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando solução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”. Este entendimento foi muito sufragado na doutrina, na jurisprudência e foi mesmo acolhido pela lei, mas foi posta em causa pelo legislador constituinte, através da revisão constitucional de 1989. Outra posição é a do professor Vieira de Andrade que defende um conceito estrito, segundo este professor o acto administrativo implica uma decisão reguladora de autoridade própria do poder administrativo, pois “já não é necessária a sua ampliação para propiciar ao particular uma protecção judicial, visto que os cidadãos têm sempre direito a uma tutela judicial efectiva por via da acção administrativa comum”. Por fim o professor Vasco Pereira da Silva defende uma noção “ampla e aberta de acto administrativo, que compreende toda e qualquer decisão destinada à produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Assim sendo o professor inclui “tanto as decisões de carácter regulador como as actuações de conteúdo mais marcadamente material, os actos de procedimento como as decisões finais, as actuações internas bem como as externas”
Aceitando uma concepção mais ampla de acto administrativo, não se pode todavia dar-se uma expansibilidade ilimitada, ou seja não se pode esgotar o universo das condutas unilaterais não normativas da administração. Deve distinguir-se sempre as simples actuações administrativas do acto administrativo.
No nosso contencioso administrativo a impugnação de actos administrativos vem regulada nos arts.º 50 a 65 do CPTA. Esta impugnação está relacionada, embora com muitas diferenças, com o antigo recurso de anulação. Algumas dessas diferenças serão sem dúvida a passagem de um contencioso de mera anulação, um processo sem partes, mas com os sujeitos processuais envolvidos na busca pelo interesse público e não em defesa dos seus direitos subjectivos, para um contencioso de plena jurisdição onde agora se busca a promoção de um processo de partes como meio de protecção individual (ou colectiva) dos seus direitos subjectivos.
Quanto aos pressupostos específicos desta modalidade de acção especial são três, a determinação do acto impugnável, a legitimidade e a oportunidade. Vamo-nos cingir ao requisito de o acto ser impugnável, visto ser este o objecto desta exposição.
Desde já avançamos que não é fácil circunscrever o “acto administrativo impugnável”, dada a sua constante evolução, como refere Vasco Pereira da Silva, tendo em conta a interligação (histórica) existente entre os modelos de Estado, a concepção de Administração Pública, o conceito de acto administrativo e a complexidade da administração que se traduz numa multiplicidade e diversidade de actos administrativos, os quais conjugam dimensões agressivas, prestadoras e infra-estruturais.
Para o professor devem ser mesmo de rejeitar as noções restritivas de acto administrativo, quer seja ao nível substantivo, quer seja ao nível processual. Segundo o mesmo os actos impugnáveis serão “os actos administrativos que, em razão da sua situação, sejam susceptíveis de provocar uma lesão ou de afectar imediatamente posições subjectivas de particulares”. “Os actos administrativos impugnáveis são na actualidade uma realidade de contornos muito amplos, que compreende não apenas as decisões administrativas finais e perfeitas” (veja-se o artigo 54 CPTA) ”criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares, que tanto podem ser actos intermédios, como decisões preliminares, ou simples actos de execução” (veja-se o artº51nº1 e 2 CPTA)
De reafirmar ainda que com a reforma administrativa há o abandono da exigência para a impugnabilidade do acto administrativo da sua definitividade horizontal (o acto que pusesse termo ao procedimento administrativo), veja-se os artsº 51 nº1 e 2, e da sua definitividade vertical (constituísse a última palavra da administração, por dele não caber recurso hierárquico necessário), art.º 51 nº1.
Quanto a uma das partes da frase objecto de análise, na que se refere a ser “mais vasto”, sem dúvida que o será face à letra do artigo 120 do CPA versus o artigo 51 n.º2 CPTA, no que toca ao alargamento do novo contencioso em relação à exigibilidade da qualidade administrativa do seu autor. Pois no CPTA o que está em causa serão, quer os actos de “autoridade”, quer os actos da “função” administrativa, ou seja as relações jurídicas administrativas na sua totalidade.
Quanto à outra parte da frase, do conceito de acto administrativo impugnável ser mais restrito, não parece corresponder à verdade. Mas primeiro entendamos o que quer dizer Vieira de Andrade, para este professor seria mais restrito dado que apenas abrange as “decisões administrativas com eficácia externa”. Mas não parece ser esta a posição que aderimos, nem parece ser a posição do legislador.
Relativamente à eficácia externa do acto, esta pode mesmo nem existir para que se proceda à impugnação, veja-se o art.º 54 do CPTA, o qual expressamente diz, “impugnação de acto administrativo ineficaz”. Pensamos, que o que está predominantemente em causa será que o acto seja lesivo ou que seja capaz de causar uma lesão ou prejudicar de forma imediata posições subjectivas dos particulares. Consideramos que esta acção de impugnação é predominantemente subjectivista, pois tem por função e natureza principal a protecção dos particulares.
Em suma consideramos que face a uma panóplia de possíveis construções sobre o acto administrativo e nomeadamente quanto ao acto administrativo impugnável, a concepção mais ampla do Professor Vasco Pereira da Silva tendo por trave mestra a violação de direito dos particulares é a que melhor se articula face ao regime do CPTA e face à norma constitucional do art.º268 nº4.

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