quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A amplitude do conceito de acto administrativo impugnável

Para que se possa proceder a uma comparação entre os conceitos de acto administrativo e de acto administrativo impugnável é útil efectuar previamente uma breve análise acerca da evolução da concepção de acto administrativo.
De facto a noção de acto administrativo não se manteve inalterada ao longo da evolução do direito administrativo, pelo contrário, é possível reconhecer as suas diversas modificações associando-as aos diversos modelos de Estado , às diferentes concepções de Administração Pública e ao papel que a esta cumpre desempenhar.

Assim, e sintetizando, ao modelo de Estado Liberal está ligada a ideia de uma administração agressiva, que actua através do acto de autoridade. É de referir a concepção de Otto Mayer que considerava o acto administrativo como sendo uma “ manifestação da Administração autoritária “, equiparando -o a uma sentença.
O Estado Social, por sua vez, é integrado por uma noção de Administração Prestadora, cujos actos administrativos atribuem benefícios ou direitos aos particulares, há uma perspectiva de um certo favorecimento inerente à noção de Administração Pública.
Por fim o Estado Pós-Social traz consigo a noção de uma Administração Infra- Estrutural, tal como é denominada pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, e que acarreta uma ideia de colaboração que se reflecte quer nas relações entre entidades públicas e privadas ,quer na própria eficácia do acto administrativo. Existe uma colaboração entre entidades publicas e privadas, e são equiparados a actos administrativos mesmo aqueles que não emanam de autoridades administrativas, nomeadamente por particulares que colaboram com a Administração.


Uma vez que o acto administrativo e o processo administrativo se encontram obviamente ligados a opção mais ampla ou mais restrita na abordagem do primeiro vai influenciar a concepção do segundo.
Assim existem divergências na doutrina quanto à qualificação do acto administrativo, nomeadamente o Prof. Vieira de Andrade que considera uma noção material de acto administrativo, constante do artigo 120º do C.P.A que refere as decisões da Administração que “ visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”, o que deixa de fora as actuações de conteúdo material e instrumental.
O Prof. Vieira de Andrade considera que o conceito de acto administrativo impugnável é mais restrito e simultaneamente mais vasto do que o conceito de acto administrativo. Mais restrito na medida em que só são impugnáveis as decisões administrativas que tenham eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, tal como consta no artigo 51º nº1 do C.P.T.A. E ao mesmo tempo o conceito de acto administrativo impugnável é mais vasto apenas na dimensão orgânica, dado que não depende da qualidade administrativa do seu autor, incluindo decisões tomadas por entidades privadas no exercício de poderes publicos, como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública, tal como está plasmado no art 51º/2 do C.P.T.A.

Por sua vez, o Prof. Vasco Pereira da Silva refere um duplo alargamento da noção de acto administrativo, e considera que o C.P.A adoptou uma noção ampla e aberta de acto administrativo no seu art. 120º cabendo assim todas as decisões que visem a produção de “ efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. Assim engloba desde as actuações agressivas da administração como as que atribuem benefícios aos particulares, as decisões finais, os actos de procedimento, etc.
Esta maior amplitude do conceito de acto administrativo reflectiu-se também a nível do contencioso tornando se o conceito de acto administrativo impugnável igualmente mais amplo, englobando decisões administrativas finais, actos intermédios, preliminares e, inclusive, actos de execução. Serão actos administrativos impugnáveis, nas palavras do professor, todos os que de entre aqueles sejam passíveis de causar uma lesão a outrem.

A maior abertura do conceito em questão vai ao encontro do exposto no artigo 268 º /4 da C.R.P, que consagra um direito fundamental de impugnação dos actos administrativos que prejudiquem os particulares, garantindo assim a tutela integral e efectiva dos direitos destes.
O Prof. sufraga assim um alargamento da impugnabilidade dos actos administrativos, considerando no entanto que o critério da eficácia externa contido no art. 51/1 C.P.T.A não é mais amplo que o da susceptibilidade de lesão de direitos plasmado no mesmo artigo, sendo dois critérios distintos de impugnabilidade que dependem do meio processual que está em questão.
Assim parece não proceder a opinião do Prof. Vieira de Andrade quando refere que o conceito de acto administrativo impugnável é mais restrito do que o de acto administrativo, já quanto ao ser mais vasto na dimensão orgânica é de referir que o art.120º C.P.A menciona apenas os órgãos da administração e o art.51º/2 C.P.T.A alarga as possibilidades de impugnação das decisões de autoridades não integradas na Administração Pública e de privados que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo.

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