sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Comentário à 1ª tarefa!

A frase em análise refere-se ao sistema do administrador-juiz, que se caracteriza pela decisão final dos litígios administrativos competir ao órgãos superiores da administração.
O contencioso administrativo tem origem na Revolução Francesa. Os tribunais comuns resolviam muitos conflitos resultantes da actividade administrativa, o que colocava problemas dado que eram órgãos de defesa de privilégios caducos e de oposição à criação de uma máquina administrativa estadual. Além do mais, estes tribunais dispunham simultaneamente de competência jurisdicional e administrativa. Este período foi marcado por três fases distintas. Na primeira fase, intitulada “pecado original”, existia uma “confusão” entre o poder administrativo e o judicial – a administração era o juiz e o juiz era o administrador. O princípio da separação de poderes servia para ocultar a verdadeira não separação entre a Administração e a justiça. Na senda desta concepção estiverem presentes a noção de Estado e da separação de poderes concebido por Montesquieu e a reacção contra a actuação dos tribunais no antigo regime;
O sistema do administrador-juiz pode ser decomposto em três períodos. No primeiro período, de 1789 a 1799, o julgamento dos litígios cabia ao próprio órgão da administração activa, gerando-se a indistinção entre quem julga e quem administra.
No período seguinte, de 1799 a 1872, “sistema de justiça reservada” criou-se o Conselho de Estado, que tinha por função julgar a Administração.
Por seu turno, o sistema de justiça delegada surge em 1872, por oposição ao sistema anterior onde os pareceres do Conselho de Estado necessitavam de homologação do Chefe de Estado. As decisões do Conselho de Estado passam a ser definitivas. Contudo este sistema caracterizava-se por ser “meio administrativo” “meio jurisdicionalizado” e tentava conciliar as exigências administrativas de supremacia da Administração com as exigências jurisdicionais de garantia dos direitos individuais.
No, entanto, a passagem do segundo período para o terceiro permitiu que o órgão fiscalizador obtivesse maior autonomia, mas tal não resultou na modificação do modelo administrador-juiz para o dos tribunais administrativos. Explica-se este fenómeno pelo facto de a delegação de poderes decisórios de julgamento no Conselho de Estado não denotar a sua alteração em tribunal, continuando este a ser um órgão com competência consultiva e de julgamento. As decisões deste órgão vão continuar a ser consideradas como “recursos de apelação” das decisões dos ministros, conforme o método do sistema administrador-juiz. Desta feita, o ministro como “juiz de primeira instância” e o órgão da administração consultivo como tribunal de recurso são indícios reveladores da ténue separação entre as funções de julgar e administrar. O Baptismo equivale à segunda fase e apresenta duas novidades: a criação do direito administrativo e a modificação de uma instituição que visava proteger a Administração do controlo dos tribunais num autêntico tribunal, que tinha como objectivo a garantia dos direitos dos particulares.
No que se refere à fase da Confirmação, nesta verifica-se a expressa consagração da natureza dos tribunais comuns e tribunais administrativos.
Com a Revolução Francesa verifica-se a sujeição ao governo de uma Administração centralizada, livre das ingerências de outros poderes. A frase em análise refere-se ao sistema do administrador-juiz, que se caracteriza pela decisão final dos litígios administrativos competir ao órgãos superiores da administração.
O contencioso administrativo tem origem na Revolução Francesa. Os tribunais comuns resolviam muitos conflitos resultantes da actividade administrativa, o que colocava problemas dado que eram órgãos de defesa de privilégios caducos e de oposição à criação de uma máquina administrativa estadual. Além do mais, estes tribunais dispunham simultaneamente de competência jurisdicional e administrativa. Este período foi marcado por três fases distintas. Na primeira fase, intitulada “pecado original”, existia uma “confusão” entre o poder administrativo e o judicial – a administração era o juiz e o juiz era o administrador. O princípio da separação de poderes servia para ocultar a verdadeira não separação entre a Administração e a justiça. Na senda desta concepção estiverem presentes a noção de Estado e da separação de poderes concebido por Montesquieu e a reacção contra a actuação dos tribunais no antigo regime;
O sistema do administrador-juiz pode ser decomposto em três períodos. No primeiro período, de 1789 a 1799, o julgamento dos litígios cabia ao próprio órgão da administração activa, gerando-se a indistinção entre quem julga e quem administra.
No período seguinte, de 1799 a 1872, “sistema de justiça reservada” criou-se o Conselho de Estado, que tinha por função julgar a Administração.
Por seu turno, o sistema de justiça delegada surge em 1872, por oposição ao sistema anterior onde os pareceres do Conselho de Estado necessitavam de homologação do Chefe de Estado. As decisões do Conselho de Estado passam a ser definitivas. Contudo este sistema caracterizava-se por ser “meio administrativo” “meio jurisdicionalizado” e tentava conciliar as exigências administrativas de supremacia da Administração com as exigências jurisdicionais de garantia dos direitos individuais.
No, entanto, a passagem do segundo período para o terceiro permitiu que o órgão fiscalizador obtivesse maior autonomia, mas tal não resultou na modificação do modelo administrador-juiz para o dos tribunais administrativos. Explica-se este fenómeno pelo facto de a delegação de poderes decisórios de julgamento no Conselho de Estado não denotar a sua alteração em tribunal, continuando este a ser um órgão com competência consultiva e de julgamento. As decisões deste órgão vão continuar a ser consideradas como “recursos de apelação” das decisões dos ministros, conforme o método do sistema administrador-juiz. Desta feita, o ministro como “juiz de primeira instância” e o órgão da administração consultivo como tribunal de recurso são indícios reveladores da ténue separação entre as funções de julgar e administrar. O Baptismo equivale à segunda fase e apresenta duas novidades: a criação do direito administrativo e a modificação de uma instituição que visava proteger a Administração do controlo dos tribunais num autêntico tribunal, que tinha como objectivo a garantia dos direitos dos particulares.
No que se refere à fase da Confirmação, nesta verifica-se a expressa consagração da natureza dos tribunais comuns e tribunais administrativos.
Com a Revolução Francesa verifica-se a sujeição ao governo de uma Administração centralizada, livre das ingerências de outros poderes.

Comentário à 2ª tarefa

O conceito processual de acto administrativo impgnável difere da amplitude de acto administrativo consoante se fale de quem practica o póprio acto ou em razão das suas consequeências jurídicas.
O Prof. Vieira de Andrade refere que a impugnação de actos administrativos permite controlar a legalidade dos mesmos sendo que, para efeitos de impugnação, o acto administrativo se traduz em todas as decisões administrativas, em termos materiais, cuja característica essencial é a de produzirem efeitos numa situação individual e concreta. Esta é a realidade que consta no art.º 120º CPA. Assim sendo, estamos perante um leque muito abrangente de actos. Abrangente é também o número de entidades que as pode practicar quer se trate das que fazem parte da Adminstração Directa do Estado quer de todas as outras as quais podem practicar actos materialmente administrativos.
Por outro lado, a questão da restrição de um conceito face ao outro explica-se pelo facto de, de toda a panóplia de actos adminstrativos, só poderem ser impugnados os dotados de eficácia externa, isto é, os actos que, pela sua natureza, possam lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. É o conceito previsto no art.º 51º CPTA.
À visão anterior, poderemos opôr a do Prof. Vasco Vieira da Silva o qual considera que o conceito de acto adminstrativo presente no art.º 120 CPA é alargado e abrange todas as decisões que produzam efeitos numa situação individual e concreta assemelhando-se, neste aspecto, à posição defendida pelo Prof. Vieira de Andrade. O acto administrativo impugnável abrange igualmente os actos practicados por entidades privadas às quais tenham sido atribuídos poderes públicos . Desta forma, o Prof. Vasco Vieira da Silva entende que são impugnáveis todos os actos susceptíveis de lesar os particulares conforme consta do art. º 268/4 CRP.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

4ª tarefa - Impugnação de normas

A impugnação de normas administrativas tem um tratamento próprio na legislação. Isto porque estão em causa regras gerais e abstractas que em princípio não seriam aptas a produzir lesões directas na esfera dos particulares.

A legalidade administrativa e a protecção dos administrados pôs desde logo em causa a ideia de abstracção que impediria a impugnabilidade directa dos regulamentos. A Constituição prevê este direito no artigo 268.º/5 quando dispõe que os particulares têm “direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”. Daqui decorre que é possível, numa acção administrativa especial (artigos 46.º/1 e 2, alíneas c) e d) e 72.ºss do CPTA), pedir a título principal a declaração de normas administrativas, entendidas em sentido amplo.

Cabe a qualquer pessoa que alegue ser prejudicado pela aplicação da norma, ou que possa vir a sê-lo, ao Ministério Público e aos actores populares (no âmbito do artigo 9.º do CPTA) a legitimidade activa destas acções.

O artigo 73.º/1, 3 e 4 do CPTA determina que as condições legais para a impugnação de normas variam consoante esteja em causa a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral ou apenas com efeitos circunscritos ao caso concreto.
Desta forma, quando se esteja perante um caso de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral podem ser parte activa nesta acção os particulares interessados desde que a aplicação da norma em apreciação tenha sido recusada em três casos concretos. Este pressuposto já não tem lugar quando seja o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento, quem intenta a acção.
Por outro lado, a declaração de ilegalidade da norma com efeitos restritos ao caso concreto (desaplicação da norma) pode ser pedida pelo lesado ou pelos titulares da acção popular (artigo 9.º/2 do CPTA) quando “os efeitos de uma norma se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação”.

A questão que se coloca é a de saber se não haverão casos em que seja importante para a protecção dos direitos do particular ou para o interesse público que seja proferida uma sentença com força obrigatória geral. No passado, a LPTA previa a possibilidade de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral de regulamentos que produzem efeitos sem necessidade de actos de aplicação, assim como a impugnação de directa de regulamentos administrativos sem que tenham sido desaplicados em três casos anteriores.
Daqui se conclui que a alteração do regime veio limitar a impugnabilidade de normas ao tentar aproximar-se do regime constitucional, facto que não se justifica uma vez que não se tratam de leis o objecto destas acções. Por outro lado, assegura-se a legitimidade governamental de discernimento para a prossecução do interesse público.


Feliz Natal

e

Bom Ano Novo

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Comentário à 3.ª tarefa

O modo de reacção adequado contra actos administrativos de conteúdo negativo é a dedução de um pedido de condenação à prática de um acto administrativo. [...] É neste contexto que se compreende e justifica a norma do n.º 4 do artigo 51.º, que deve ser lida em conjugação com o disposto nos artigos 66.º, n.º 2 e 67.º, n.º 1, alíneas b) e c). Na verdade, sempre que esteja em causa um acto expresso de indeferimento de uma pretensão, seja um acto de recusa de apreciação do requerimento, seja um acto de recusa da prolação de uma decisão material favorável, o meio de reacção jurisdicional próprio é a acção de condenação à prática de acto devido.

Mário Aroso de Almeida / Carlos Cadilha
Anotação ao artigo 51.º do CPTA


O art. 66.º do CPTA está previsto um meio processual introduzido no quadro da reforma do contencioso administrativo – condenação à prática de acto devido. Este meio processual surge na sequência da revisão constitucional de 1997 que, no âmbito da garantia da tutela judicial efectiva dos direitos dos particulares, inclui, no art. 264.º n.º 4 da Constituição “a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”. Tornou-se imperativo que fosse previsto, a partir desse momento, um meio adequado para concretizar este dispositivo constitucional.

Com este mecanismo processual, pretende-se tutelar – amplamente falando – as situações em que se verifica uma inércia por parte da Administração face a um requerimento apresentado por um particular. Essa tutela efectiva-se através da instauração de uma acção que tem por finalidade obter uma sentença que obrigue a Administração a adoptar o comportamento que esteja em falta. Cabe, no entanto, para uma análise rigorosa da acção, averiguar o que é, para este efeito, o acto devido. Acto devido é todo o acto que, no entendimento do particular, tenha de ser praticado no quadro de um procedimento administrativo (que se inicia com o requerimento do particular junto da Administração e termina com a prática de um acto administrativo que decide a pretensão formulada – encerrando o procedimento). Para este efeito considera-se em falta o acto devido sempre que tenha havido uma omissão ou uma recusa (neste último caso, ainda que a recusa decorra da prática de um acto administrativo que não satisfaça a pretensão do particular). Esta situação não tem de ocorrer no âmbito do exercício de poderes vinculados, sendo igualmente admissível no quadro do exercício de poderes discricionários, desde que se verifique, no caso concreto, a obrigatoriedade do dever de pronúncia. O art. 67.º n.º 1 CPTA vem elencar as situações em que o particular está em condições de avançar para este meio processual e tutelar a sua posição. Este normativo parece obrigar que o particular se dirija à Administração – em obediência ao princípio da provocação –, ou seja, que esta seja interpelada a decidir certa pretensão. Tal não é verdade, dado que é admissível que se faça uso de meio sempre que esteja em causa uma omissão nos casos de incumprimento de deveres oficiosos. Nestes casos, como é evidente, não é necessário dirigir pedido algum para que se deite mão a este meio processual. O elenco do art. 66.º n.º 1 não é, portanto, taxativo, podendo existir outras situações que seja admissível o recurso a este expediente.

Têm legitimidade activa para interpor uma acção deste tipo, todos os aqueles que sejam titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos à emissão do acto omitido, recusado ou que se pronuncie sobre matéria diferente da que foi formulada à Administração.

Este meio processual vem introduzir uma eficácia substancial no que a esta matéria diz respeito, para além de elevar a tutela dos particulares, senão vejamos: o particular que se encontre numa situação desta natureza pode intentar uma acção tendo com o objectivo de impelir a Administração a praticar, por determinação de um tribunal, o acto que ilegalmente omitiu ou recusou. A Administração já não pode fugir a decidir uma pretensão, arrumando-as numa gaveta, porque sabe que está sujeita a que o particular possa lançar mão a este meio processual.

Comentário à 4.ª tarefa

Verifica-se, pois, que o CPTA assegura protecção plena dos titulares de direitos e interesses legalmente protegidos ao nível do caso concreto, como decorre da imposição constitucional, mas encara a declaração da ilegalidade das normas com força obrigatória geral como uma questão predominantemente de interesse público, para a qual estabelece soluções de inspiração objectivista, em termos que podem ser susceptíveis de crítica pelo aparente retrocesso operado.


Por força do princípio da legalidade, antes da impugnação de normas, estão os tribunais administrativos vinculados, enquanto aplicadores da lei (art. 1.º n.º 1 ETAF), a verificar a conformidade das normas regulamentares com a lei. Os art. 72.º e seguintes do CPTA, tratam da matéria de impugnação de normas regulamentares, meio processual inovador no mundo do contencioso administrativo, que se aproxima ao modelo de fiscalização de normas no processo constitucional. Este meio processual foi introduzido pela reforma do contencioso administrativo de 84/85, porém hoje o regime não é o mesmo. Com a revisão constitucional de 1997, introduziu-se no art. 268.º o n.º 5 que veio permitir a impugnação judicial directa de normas administrativas com eficácia externa, desde que lesivas de direitos ou interesses legalmente tutelados. Esse princípio trespassou para o contencioso administrativo na Secção III do Capítulo II do Título III.

Com este meio processual permite-se a impugnação de normas com dois alcances, a saber: i) declaração com força obrigatória geral e ii) declaração de ilegalidade com efeitos restritos ao caso concreto. A declaração com efeitos no caso concreto não oferece grandes críticas está acessível a todos quantos se sintam lesados desde que a norma produza os seus efeitos imediatamente, sem depender de um acto administrativos e, sobretudo, pode ser decretada desde logo. Para tal é necessário que o tribunal formule a convicção que, de facto, tal norma lesa direitos ou interesses legalmente tutelados. Já quanto à declaração com força obrigatória geral, opera uma aproximação ao regime de fiscalização concreta de normas no quadro da Constituição, quer isto dizer que, só ao cabo de três declarações de não aplicabilidade da norma se pode produzir sentença de ilegalidade de norma com força obrigatória geral.

No quadro do art. 73.º CPTA, desaparece a possibilidade de impugnar o regulamento assim que este se torne exequível, restringiu-se o direito. Agora só se impugna um regulamento quando se verificar a não aplicação da norma por três vezes na esfera de apreciações incidentais.

Comentário à 2.ª tarefa

No entanto, o conceito processual de acto administrativo impugnável é diferente do conceito de acto administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro mais restrito.

J.C. Vieira de Andrade
A Justiça Administrativa

No quadro da acção administrativa especial, assume especial relevância o conceito de acto administrativo impugnável no que concerne ao meio processual de impugnação de actos administrativos. Esta acção, na letra do art. 50.º n.º 1 CPTA, tem como objectivo a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência dos actos. O art. 120.º do CPA dá-nos o conceito material de acto administrativo que devem ser tida em conta no contexto do art. 50.º do CPTA. Porém, e como bem afirma o Prof. Vieira de Andrade na frase que agora comentamos, os conceitos não são coincidentes.
O acto administrativo impugnável deve fazer sentir os seus efeitos para além da esfera inter-orgânica, ou seja, deve ter eficácia externa – ter reflexo nos direitos e interesses legalmente protegidos, em suma, deve atingir particulares (art. 51.º n.º 1 CPTA). Devem entender-se que estes actos sejam capazes de produzir ou constituir efeitos nas relações jurídicas administrativas externas. O acto administrativo impugnável deve ser praticado por uma entidade que goze de poderes públicos, seja esta de origem pública ou privada investida de tais privilégios.
São estes os dois critérios para considerarmos um acto administrativo impugnável elencados pelo Prof. Vieira de Andrade nas suas Lições.
Evidentemente que os conceitos têm pontos de contacto entre si, seria estranho se assim não fosse, dado estarmos a falar da impugnação de actos da Administração. Ora a Administração, no exercício da função administrativa, pratica actos administrativos que podem ser impugnados se se verificarem os critérios supra mencionados (entidade dotada de ius imperii e eficácia externa do acto). Nesta sede, o que se pretende é aplicar um filtro sobre os actos administrativos com o fito de perceber quais são os impugnáveis. Sobre esta matéria, cabe-nos dizer que ficam excluídos do âmbito dos actos administrativos impugnáveis, nomeadamente, aqueles que produzem efeitos apenas no círculo orgânico de uma pessoa colectiva.

É comum

As acções mandamentais, como as classifica Vieira de Andrade, estão por opção legislativa, mais que doutrinal ou sistemática, incorporadas no procedimento das acções administrativas comuns (v. art. 37º/2 – c) CPTA). Estas possibilitam ao particular uma verdadeira tutela preventiva, no sentido de o permitir deduzir pedido às instâncias judiciais, de condenação da Administração à abstenção de um acto administrativo de potencial lesivo. Ora, como tal e porque tal impugnação implica a procedência de um acto ou vinculado da Administração, ou discricionário, o que em ambos os casos subtrairia o pedido ao formato lógico da acção comum – no primeiro caso, o meio adequado seria a via da acção administrativa especial e, no segundo caso, estaria vedada a jurisdição dos tribunais administrativos, sob pena de violação da independência e separação de poderes, tal impedido pelo art. 3º/1 CPTA – entende-se a pertinência da questão suscitada por Vasco Pereira da Silva quanto à adequação deste meio a esta forma de acção. A acção administrativa comum, tendo um carácter residual face ao objecto da acção especial (v. art. 37º/1 CPTA), tende a incluir essencialmente litígios emergentes de situações em que existe uma maior paridade entre Administração e particulares. Ou seja, em situações de menor desequilíbrio entre os poderes daquela e os direitos destes. As acções do art. 37º/2-c) aqui se enquadram, como de resto também sucede no direito alemão (correspondente à vorbeugende Unterlassungsklange, inserida na allgemeine Leistungsklage). Assim, permite-se que invocando pretensões preventivas, o particular antecipe a emissão de um acto que a priori lhe será desfavorável; pretende-se então acautelar efeitos lesivos de um acto futuro. E por isso, maiores exigências se justificam quanto ao preenchimento do requisito do interesse processual. Depende essencialmente da celeridade de actuação do tribunal para a tutela imediata que a acção visa (apesar de ser uma acção principal e não cautelar) e do facto de a Administração não actuar imediatamente. Há que delimitar, primeiramente, a tutela assegurada por esta acção, daquela que é a tutela do próprio acto administrativo. Se esta última tem como fundamento a impugnação de um acto ou omissão efectivamente lesivos, logo, por meio de acção especial, a primeira fundamenta-se naquela, isto é, no potencial lesivo que dali decorra, funcionando como acção conservatória da situação material existente. Ora, tal só por si abriria perigosos precedentes e por isso, a doutrina tem entendido que aqui se devem interpretar restritivamente os objectos impugnáveis, diante das causas de pedir alegadas. Assim, tem-se entendido que a acção só será admissível em função da inadequação ou, quando muito, da impossibilidade ou deficiência da tutela própria dos particulares através da acção administrativa especial de impugnação perante o acto que venha a ser praticado, numa perspectiva subsidiária face à impugnação do próprio acto, quando esta, em casos extremos de prejuízo, não evitaria danos graves, assim, Vieira de Andrade (também, Pedro Gonçalves e Mário e Rodrigo Esteves De Oliveira). A doutrina parece então inclinar-se numa delimitação material, também ela, restritiva, sujeitando ao crivo de necessidade de tutela de verdadeiros direitos absolutos e de personalidade (Mário Aroso de Almeida), como forma de não fazer interferir excessivamente o poder judicial no poder administrativo, apelando-se aqui a uma ideia subjacente de proporcionalidade na frustração de um acto administrativo. Então, para despoletar o mecanismo do art. 37º/2-c), o particular terá do seu lado o ónus de invocação e prova de que determinados direitos fundamentais não sobreviveriam à simples existência imediata do acto administrativo; pois se este cálculo não for probabilístico, discutível será a interferência no regular funcionamento da actividade administrativa. Pois o meio preventivo só terá utilização em detrimento do meio reactivo, quando fortes indícios de carência de tutela preventiva do tribunal assim o exijam. Logo, deve o pedido depender de um interesse superior ao naturalmente exigível, um interesse processual qualificado (M. Aroso de Almeida). Este que se poderá densificar, dizendo que a acção terá que visar a tutela de um dano derivado da entrada em vigor um acto administrativo determinado que, causaria danos irreversíveis, impossibilitando uma efectiva garantia a posteriori; muito simplesmente, permite-se a acção inibitória sempre e apenas quando aquele é o último momento possível de protecção do direito ou interesse particular em causa. Perante os pontos descritos, surge novamente a dúvida: Porque optou então o legislador pela inclusão desta acção na forma de acção comum e não na acção especial? Para responder a tal questão, há que recuar às origens: a inspiração germânica – numa tentativa não de todo conseguida de transpor a solução do sistema alemão que inclui estas acções na acção comum; só que neste sistema, aquelas não são possíveis quanto a actos e regulamentos administrativos. O legislador nacional parece ter ido mais longe que o seu modelo. O que complica a inclusão destas acções face à metodologia do Código português. V. P. da Silva encontra, apesar de tudo, um sentido útil à escolha deste meio processual, se mais uma vez, restritivamente, entendermos que somente se incluem nestas acções pedidos de verdadeiras abstenções da Administração, ou se se quiser, de acções de abstenção nas palavras de Fridhelm Hufen, ficando liminarmente excluídas (não se confunda!), as acções que visam a condenação da Administração à prática de actos devidos, que seguem a acção especial (v. arts. 66º e ss. CPTA).

Assim, apesar da tentação em rapidamente desconstruir esta solução e fazê-la padecer de inúmeros vícios de materialidade, no fundo, faz sentido que a alínea c) esteja onde está (diferentemente V.P. Silva): não existe ainda qualquer acto, o que se acautela será a mera omissão do mesmo; a Administração não exerceu ainda qualquer poder autoritário em prejuízo do particular – pelo contrário, pelo contrário, literalmente.

"Welcome to Jurassic Park" ou "eu também sei pôr títulos estilosos" 4ª tarefa

Verifica-se, pois, que o CPTA assegura protecção plena dos titulares de direitos e interesses legalmente protegidos ao nível do caso concreto, como decorre da imposição constitucional, mas encara a declaração da ilegalidade das normas com força obrigatória geral como uma questão predominantemente de interesse público, para a qual estabelece soluções de inspiração objectivista, em termos que podem ser susceptíveis de crítica pelo aparente retrocesso operado.

Pessoalmente, adoro a norma do 73º. Tem todos os elementos que faltam aos restantes artigos do Código. Se o resto do Código vai admitindo a relação simbiótica entre os interesses públicos e privados, o artigo 73º admite que a coexistência de um e outro só é possível se levarem os dois a sua avante – o acto ilegal em vigor e o prejudicado dele protegido, com força obrigatória particular. Se o resto do Código consagra igual legitimidade aos particulares e ao Ministério Público (pese algum desconto dado ao menos diligente ((sarcasmo)) MP em matéria de prazos), o artigo tem a desfaçatez de investir os advogados do Estado com acrescidas responsabilidades no combate à ilegalidade.Se o resto do Código reconhece o valor dos particulares na detecção dos problemas e na restauração da paz jurídica, o artigo é mais parcimonioso no que toca a louvar a sua actuação – e só lhes atribui impulso processual de carácter geral quando a álea determine que estes sejam os quartos a requerer, com sucesso, o mesmo. Quando o resto do Código se recusa a admitir mérito algum na manutenção da ilegalidade, o artigo apressa-se a recordar que há alegria na ilicitude, e que há virtude no vício.
É destas contradições que gosto nesta norma. Do facto destas contradições não revelarem fraquezas normativas ou casuais, mas fraquezas sistémicas de uma ordem já desaparecida. Do facto de ela ter a qualidade que desculpa a sua incoerência: o quão profundamente é um pouco de tudo, menos aborrecida. Um orgulho em estar só que passou de moda antes de passar de regime. Ela é um fóssil vivo, um testemunho de uma forma perdida de encarar as matérias da Administração. Olhando para ela, e sempre munido da capacidade do jurista de se entusiasmar com insignificâncias, não deixo de me sentir como as personagens do filme de Spielberg, entrando num mundo que julgavam sepultado. Uma ilegalidade, assim declarada por um juíz, que continua em vigor após essa declaração... pode muito bem ser o nosso dinossauro. Um desafio à extinção, à lógica, às regras do tempo e do espaço como as conhecemos. E isto, eventualmente, com direito à sempre bem-vinda animação proporcionada pelo devorar daqueles que não requereram as providências adequadas. Ver que o Leviathan ainda mexe não deixa de convidar à nostalgia.Seria até aprazível, se não entendesse ser nosso dever acabar com isso tudo.
“Welcome to Jurassic Park”

Comentário à 2º Tarefa

A acção administrativa especial é parte fundamental do moderno contencioso administrativo português, encarregando-se dos processos relativos às pretensões decorrentes da pratica ou da omissão de actos por parte da administração, ocupando (ao contrario do que o nome poderia sugerir) o grosso da disponibilidade dos tribunais do foro.

A impugnação de actos administrativos é o instrumento maior da acção administrativa especial, tendo por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência dos referidos actos, como dispõe o n.1º do art. 50º do CPTA é através desta figura que, como salienta o Prof. Vieira de Andrade, se procede ao controlo da invalidade dos actos administrativos.

Para um acto ser passível de impugnação deve contudo, no entender do Prof. Vieira de Andrade, obedecer a um  conjunto estrito de requisitos fazendo-se assim a destrinça, que dá o mote a esta intervenção, entre os actos administrativos impugnáveis e aqueles que não o são.

Para ser impugnável um acto administrativo tem, antes de mais, de comportar uma decisão com eficácia externa, proveniente de qualquer entidade detentora de ius imperii, independentemente do seu carácter publico ou privado.

Este dois requisitos decisão e eficácia externa impõe uma clarificação, no que toca à decisão tem que se ter em conta os elementos impostos pelo art. 120º do CPA: tem que se tratar de um acto de autoridade que vise a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, põe-se de lado, portanto, todos os actos que se considere meramente preparatórios ou instrumentais num processo que eventualmente culmina numa decisão final.

No que se refere à eficácia externa, exige-se que o acto em causa produza efeitos para lá da unidade orgânica de onde emana, especialmente se esse efeitos forem susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos como decorre da letra da lei consagrada no n.1º do art. 51 do CPTA.

De notar, que não ficam naturalmente excluídos os actos destacáveis ou seja aqueles que sem dependência do acto principal produzam efeitos, bem como todas as pré-decisões que acabem por determinar à priori a decisão final com efeitos externos.

Excluídos ficam apenas os actos internos que visam produzir efeitos inter-pessoais atingindo apenas efeitos os aspectos orgânicos das relações especiais de poder ou as relações entre órgãos (não entre sujeitos administrativos) como afirma o Prof. Vieira de Andrade.

Comentário à 1º Tarefa

Em vez de se reconhecer que "julgar a Administração é ainda julgar", preferia-se considerar que "julgar a Administração é ainda administrar". [...] O resultado desta situação é paradoxal: em nome da separação de poderes entre a Administração e a Justiça, o que verdadeiramente se realiza é a indiferenciação entre as funções de administrar e de julgar...

A superação do desafio proposto por esta frase encontra-se na problematização da teoria (uma abordagem mais rigorosa dirá das teorias) da divisão do poder e a sua articulação com Administração Pública e seu controlo (ou ausência dele) no primeiro decénio, grosso modo, após a revolução Francesa na Europa ocidental.

A necessidade de dividir o poder politico e a sua teorização são antigas, Aristóteles referiu-a na sua Politica e séculos depois Cícero dirá em De Legibus “se um magistrado único tivesse mais autoridade que todos os seus pares, teríamos apenas trocado a denominação do rei, sem alterar a essência da Realeza” a Europa Medieval conhecerá também, de certa forma, uma divisão do poder por entre as varias classes, atomizando-o por múltiplos grandes e pequenos senhores laicos e eclesiásticos a quem o Rei (ou o Sumo Pontífice para os adeptos da doutrina Hierocrática na sua concepção mais ampla) conferia um principio de unidade.

Há que deixar claro contudo, que nunca em Roma ou posteriormente nos estados medievais (admitindo que se pode falar em Estado na Idade Média) esteve presente uma “ideia de especialização orgânico – funcional ou de distribuição de diversas faculdades, objectivamente consideradas, por mais de um centro subjectivo de poder” como afirma o Prof. Jorge Miranda.

A isto acresce que na Roma do século I a.C. se ignorava a ideia de liberdade politica e que na Idade Média a concepção do individuo como actor politico por direito próprio foi desdenhada em função de uma cosmologia que conhecia apenas o grupo, classe ou estamento que se afirmava perante o Rei dele exigindo privilégios e imunidades.

É em função do que ficou dito que somos obrigados a situar em Locke e na Inglaterra do século XVII a primeira teorização da divisão do poder politico com impacto na contemporaneidade e, especialmente, no período em analise.

O grande empirista Inglês no seu Ensaio sobre a verdadeira origem, extensão e fim do governo civil é o primeiro a deixar implícita a distinção entre um “poder originário ou constituinte” e os “poderes constituídos” (Marcello Caetano) dividindo-os em poder legislativo, concebido como poder supremo, um poder executivo que engloba o poder de aplicar a lei mas também um poder de ir mais alem e suprir as omissões legais tendo em vista o bem comum, a esta liberdade de acção dá Locke o nome de Prerrogativa e, por fim, um poder federativo que diria respeito à manutenção da segurança, à paz e à guerra e aos interesses externos de uma forma geral.

Não há em Locke (pelo menos pelo que me foi dado a perceber) uma clara definição de um poder judicial, este é “arrumado” algures entre um poder legislativo, que define a lei, e um poder executivo que a aplica no interesse da ”Commonwealth”.

O que é, de facto, absolutamente notável em Locke é a existência (pela primeira vez) da ideia de um poder originário que é cindido e entregue a diferentes actores que assim se limitam uns aos outros, garantindo desse modo a liberdade individual.

Pertence, contudo, a Charles – Louis de Secondat, Barão de La Brède e de Montesquieu o lugar cimeiro desta reflexão.

Grandemente influenciado por Locke e pela experiência politica Inglesa saída da “Gloriosa Revolução”, Montesquieu com a sua obra marcante “O Espírito das Leis” de 1748 vai influenciar profundamente o pensamento e a acção politica das centúrias seguintes, servindo de respaldo ideológico para o legislador constitucional francês pós – revolucionário.

“O Espírito das Leis” propõe a divisão do poder politico do Estado em três braços: “o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito público e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil” o  ultimo poder é comummente tido como o poder judicial que Montesquieu considera ser “aquele através do qual o Estado “pune os crimes ou julga os diferendos dos particulares” esta visão de um contencioso separado (que se encarrega dos diferendos dos particulares) será de capital importância posteriormente.

Aqui chegados temos de nos debruçar sobre as concretas circunstancias que envolveram a actividade administrativa do estado antes e depois da revolução e que culminaram na criação em França e posteriormente em quase toda a Europa continental de um contencioso de excepção, privilegiado, para a administração publica.

As historias contam-se do principio e esta tem um começo (ou uma afirmação de principio a ser feita) capaz de chocar os politicamente mais correctos: a Administração anterior à revolução de 1789 não se tornou muito diferente depois desta!

Com o advento do absolutismo e sobretudo com as ascensão de Luís XIV a, até aí, indómita nobreza francesa, que se tinha dado muito mal sob o jugo de Richelieu e que ainda no inicio do reinado de Luís XIV põe de pé uma Fronda, vai ser com este definitivamente domada, acantonando-se em pequenos nichos de poder e independência. Um desses nichos são os tribunais, os famosos Parlamentos que se erguem como bastiões da aristocracia em oposição ao poder régio que tudo consome à sua volta.

Esta circunstancia de uma judicatura politicamente comprometida e empenhada tinha já obrigado Luís XIII, sob sugestão do previdente Cardeal Duque de Richelieu, a assinar no fim do seu reinado em 1641 o édito de Saint - Germain interditando dessa forma os “Parlamentos de conhecer os casos relativos ao Estado, à sua administração e ao seu governo” (Vasco Pereira da Silva), o que não impediria os mesmos parlamentos de prosseguir o seu papel enquanto oposicionistas do centralismo régio até ao advento da Revolução; com esta apenas se irá acentuar a tradição de uma administração privilegiada clarificando-se, inclusive, o seu estatuto: os juízes ficam impedidos “de perturbar, seja de que forma for, as operações dos corpos administrativos, de citar os administradores por causa das suas funções, de conhecer os actos da administração sejam eles quais forem” (Delvolvé). Que não haja duvidas, os novos senhores, saídos da revolução e imbuídos de um espírito “iluminado” não querem ver a sua nobre obra perturbada pelos eventuais atavismos de uma classe derrubada.

É o receio de um governo de juízes, de uma judicatura engagé com uma agenda politica (um receio que, como vimos, vem já do antigo regime)  que dá à luz a máxima “julgar a Administração é ainda julgar". Mais do que um fruto de aturado pensamento politico é a “real politick” que se impõe.

Esta confusão entre a função de julgar e a de administrar,  a era do Administrador – Juíz a que o Prof. Vasco Pereira da Silva chamará com muita propriedade o tempo do Pecado original, manter-se-á por largo tempo e conhecerá essencialmente três fases (atemo-nos aqui à especifica evolução do contencioso administrativo francês que, pelo acima demonstrado, temos como paradigmático):

Uma primeira fase de completa indiferenciação entre as duas funções, é o tempo do caos revolucionário, os órgãos administrativos são juízes em causa própria, vigora a mais completa impunidade, é a idade de ouro do Administrador – Juiz.

Posteriormente com a criação em 1799 de um “Conselho de Estado” com laivos de independência (e que pouco mais é que o “Conselho do Rei” agora com novas vestes e ao serviço de um novo regime) entramos na fase da Justiça Reservada. Ao novo órgão, que se tornará central no contencioso administrativo francês até aos dias de hoje, caberá simultaneamente  aconselhar o chefe de estado e dirimir eventuais litígios administrativos mantendo-se, reservada, bem entendido, ao chefe de estado a ultima palavra sobre todas as questões.

A notabilidade e respeito alcançada pelo Conselho de Estado (as suas decisões raramente foram alteradas pelos chefes de Estado) levam a um terceiro passo e a um período de Justiça Delegada, o poder de dirimir os litígios administrativos é delegado pelo Chefe de Estado no Concelho de Estado que através da Lei de 24 de Maio de 1872 passa, juridicamente a deter plenos poderes dispensando-se a anterior homologação. Ressalve-se contudo que o Prof. Vieira de Andrade tem um entendimento um pouco diferente sobre esta ultima questão, subtraindo o período da justiça delegada de um modelo de justiça administrativista (que foi objectivamente o que tratamos até aqui) e classificando-a à parte como um modelo intermédio numa evolução que caminha para um modelo verdadeiramente Judicialista, onde o poder de decisão originário, já não pertence, de todo, ao chefe supremo da administração pública.

Seriam ainda necessários alguns anos após esta ultima evolução para a actividade administrativa cair sobre alçada de verdadeiros tribunais (independentemente do nome que tomassem).

Este período e o seu estudo são fundamentais para uma plena compreensão dos vícios que inquinaram a actividade administrativa durante séculos e que num ambiente de aparente democraticidade permitiram a subsistência, numa parte tão importante da vida publica, de um nicho de despotismo inaceitável. 

Impugnação de normas (4ª tarefa)

Não poderia estar mais de acordo com a conclusão do Professor Viera de Andrade. No âmbito da impugnação de normas, regem os artigos 72º e seguintes do CPTA. Com este meio processual, direi específico e independente, a possibilidade de impugnação de normas regulamentares emanadas no exercício da função administrativa foi concebida. A questão está em saber se a forma como foi concebida é eficaz, eficiente e positiva.
Aparentemente, poder-se-ia dizer que esta foi mais uma excelente cartada da reforma do contencioso administrativo. Todavia, não seria isto inteiramente correcto e a citação do Professor já concede uma abertura para esta constatação.
Estabeleça-se um enquadramento jurídico ao olhar para os artigos 73º e seguintes do CPTA. Como consequência da utilização deste meio processual, temos logo dois tipos de pronúncias jurisdicionais, isto quanto aos seus efeitos: temos a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral. Em suma, declaração sem força obrigatória geral existe naqueles casos em que a ilegalidade declarada pelo tribunal apenas vale para o particular. Neste sentido, o artigo 73º, nº2 quando refere “…podem obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.” Não já se passa assim com uma pronúncia no sentido da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. A consequência é a produção dos efeitos para todos, passando pelo afastamento da norma da ordem jurídica. Eu avanço: temos uma eminente tutela objectiva da legalidade (ou pelo menos tentativa de…), o que justifica que seja permitido ao Ministério Público, nos termos do artigo 73º, nº3 do CPTA, pedir a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral. Por outro lado, temos para os particulares uma simples declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral se não tiverem já ocorrido no passado três casos de desaplicação da mesma norma. Leia-se, declaração de ilegalidade restrita ao caso concreto. Ou, se quisermos, produzindo efeitos apenas para aquele caso concreto levado a tribunal.
Julgo conveniente relembrar o que a Constituição estabelece e impõe ao nível desta acção. Reza o artigo 268º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa: “Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”. Ora, tem o Professor Vasco Pereira da Silva razão quando realça o facto do direito de impugnação de normas regulamentares constar não apenas expressamente da Constituição, como também reconduzir-se a um número próprio e independente. Ora, está sempre em causa uma tutela jurisdicional efectiva. A meu ver, não poderia ser de outra forma, pois, como já se realça frequentemente, o Direito Administrativo é o campo privilegiado dos direitos fundamentais e nada mais é do que Direito Constitucional concretizado. Por um lado, a tutela objectiva da legalidade é plenamente conseguida quando se faculta ao MP os poderes do número 3 do artigo 73º e quando se concretiza o dever que sobre ele recai, positivado no número 4 do mesmo artigo. Compreende-se que, embora o entendimento sobre o como deve ser estruturado o Direito Administrativo e perspectivado o Contencioso seja discutível, não parece que se deva refutar a intenção de o legislador conceder verdadeira importância à tutela e defesa da legalidade. No entanto, parece que o fez bem, mas não o realizou totalmente, quer não relembrando o que esteve também na origem da reforma do Contencioso (a tutela dos direitos e interesses dos particulares), quer não efectivando, por completo, a natureza objectivista e seu significado quando positivou o regime de impugnação de normas regulamentares.
Senão vejamos: o regime que fora concedido a este meio processual, observado do ponto de vista dos direitos dos particulares, merece críticas. Chega a causar perplexidade quando se olha para o que existira já neste âmbito antes da reforma do Contencioso Administrativo. Actualmente, os particulares merecem um tratamento desfavorável, como bem frisa o Professor Vasco Pereira das Silva. O regime é claro, mas perverso. Os regulamentos, por serem regulamentos, não deixam de produzir efeitos jurídicos, alguns deles lesivos dos particulares. Ora, se se permite ao particular dirigir-se ao tribunal, não pode requerer a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral se a norma em causa não tiver sido recusada por qualquer tribunal em três casos concretos? Não existindo esta sequência de casos, o que acontece? É simples! O particular prejudicado por uma norma regulamentar, dirige-se ao tribunal, consegue a declaração da ilegalidade, mas esta só terá eficácia naquele caso. É declaração de ilegalidade mas sem força obrigatória geral, nos termos do artigo 73º, nº2 do CPTA. O seu estatuto é bem diverso quando comparado com os poderes que são facultados ao MP.
Mas não será, saliente-se na minha opinião, esta a tão grave questão. O professor Viera de Andrade é crítico e fala na protecção plena dos titulares dos direitos e interesses legalmente protegidos mas no caso concreto. Ora, não parece que, além de conceder que os particulares, após uma reforma que se quis produtiva de plenos efeitos e avanços nomeadamente ao nível da tutela jurisdicional efectiva, devam merecer um tratamento desfavorável. Mas a questão passa, também, a ser outra. A norma não deixará de ser ilegal. Contudo, manter-se-á na ordem jurídica, produtora de plenos efeitos jurídicos. Pior, a norma é um pouco incongruente no seu todo. Não se percebe como se consegue favorecer e criar um regime jurídico tão objectivista, mas acabe, na prática, a desrespeitá-lo no seu seguimento. Se se permite que uma norma ilegal continue em plena ordem jurídica, o que se dirá de tudo isto? Não terá o Professor Vasco Pereira da Silva novamente razão quando afirma que isto é uma pura violação grosseira dos bens e valores de natureza objectiva? Merece crítica por isto e merece crítica por mais: uma reforma pretende-se, regra geral, propulsora de uma evolução positiva. Não houve evolução, muito menos positiva. O professor Viera de Andrade utiliza a expressão “retrocesso”. Concordo. Ora, se antes já se permitia que um particular pudesse suscitar o afastamento da ordem jurídica de normas regulamentares sem condições, nomeadamente sem se exigir três sentenças de desaplicação, ainda que restrita a regulamentos da Administração local comum, porque não utilizar esta base e subir um patamar? Já se previa, ainda, um meio processual de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando a norma já tivesse sido julgada ilegal em 3 outros casos. Nada se mudou.
Concluo, não se entende porque não andou bem o Contencioso aqui.

Providências Cautelares

Na matéria de meios ou de processos cautelares, a situação anterior era, pode dizer-se, catastrófica. Os meios cautelares estavam reduzidos praticamente à suspensão da eficácia do acto, tal como também, em grande medida, o contencioso se reduzia ao recurso contencioso de anulação.
Ainda para mais, os meios cautelares apareciam embrulhados e confundidos numa categoria genérica de “meios processuais acessórios”, onde se juntavam com figuras que não pertenciam a esta pequena família : as intimações para comportamento e, sobretudo, a execução de julgados, que é um processo principal, quando não seja um processo executivo. Como a “intimação para um comportamento” não valia contra a Administração, a suspensão da eficácia do acto era praticamente o único processo cautelar previsto expressamente na legislação administrativa. E esse meio era, ainda por cima, previsto, entendido e aplicado em termos muito limitados.
Quanto ao objecto, só valia relativamente a actos administrativos – em bom rigor só para actos com efeitos positivos – e, portanto, não incluía, nem normas, nem actos negativos.
Quanto ao conteúdo, apenas se referia a efeitos conservatórios, não admitindo providências antecipatórias.
E no que respeitava aos critérios para a sua concessão, exigia-se que houvesse uma irreparabilidade do dano decorrente da execução do acto, mas a providência só era decretada se (além da admissibilidade formal aparente do pedido de anulação) dela não resultasse prejuízo grave para o interesse público. Não havia consideração do fumus boni iuris: não havia a possibilidade de atender à aparente ou provável procedência ou improcedência do pedido; tal como não havia lugar à ponderação dos interesses em jogo.
No entanto, a Constituição, desde a revisão constitucional de 1997, passou a referir expressamente a protecção cautelar adequada como uma dimensão do princípio da tutela judicial efectiva dos direitos dos administrados (refira-se, aliás, que a Constituição portuguesa é actualmente, das que conhecemos, a única a prever expressamente a protecção cautelar). E a isso não foi alheia a jurisprudência, que, em conspiração com a doutrina, continuou uma tendência que vinha já desde a revisão constitucional de 1989, minorando de algum modo as deficiências legais. Assim, conseguiu, nalguns casos com uma certa generosidade, suspender actos que eram negativos, mas que tinham alguns efeitos positivos. Tal como por vezes também realizou uma ponderação entre o dano previsivelmente decorrente da demora e a gravidade do prejuízo para o interesse público. E chegou-se mesmo, em certos casos, a aplicar as “providências cautelares não especificadas “ do Código do Processo Civil, ou a reconhecer a sua aplicabilidade, com base no princípio constitucional da tutela judicial efectiva. Tudo isto significou algum benefício, mas as soluções sem lei ou fora da lei eram pontuais, incertas e sistematicamente insuficientes – impunha-se uma alteração legislativa. A reforma era neste ponto, inquestionavelmente necessária. Também não bastava a influência do direito comunitário, cuja jurisprudência, desde o caso Factortame, impunha uma protecção cautelar efectiva – mas que só seria eficaz quanto aos direitos reconhecidos aos particulares pela ordem jurídica comunitária.

Relativamente às suas características, o processo cautelar é um processo que tem uma finalidade própria – visa assegurar a utilidade da lide, isto é, de um processo que normalmente é mais ou menos longo, porque implica uma cognição plena. Pode dizer-se que os processos cautelares visam especificamente garantir o tempo necessário para fazer Justiça. Mesmo quando não há atrasos, há um tempo necessário para julgar bem. E é precisamente para esses casos, para aqueles processos em que o tempo tem de cumprir-se para que se possa julgar bem, que é necessário assegurar a utilidade da sentença que, no final, venha a ser proferida.
Em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, as providências cautelares têm características típicas : a instumentalidade – isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura, de uma acção principal, cuja utilidade visa assegurar; a provisoriedade – pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio; e a sumaridade – que se manifesta numa cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um processo provisório e urgente.
Os processos cautelares distinguem-se, desta forma, dos processos urgentes autónomos, que são processos principais e visam a produção de decisões de mérito: assim acontece, no âmbito do CPTA, tanto com as impugnações urgentes eleitorais ou de actos pré-contratuais, como com as intimações para cumprimento do direito à informação ou para protecção de direitos, liberdades e garantias.

A lei, em cumprimento estrito da garantia constitucional, admite providências de quaisquer tipos, desde de sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num determinado processo (artigo 112.º, nº1 CPTA). Ao juiz pode agora pedir-se tudo aquilo que seja adequado e que ele possa fazer com respeito pelos espaços de avaliação e decisão próprios da Administração. Isso significa, em geral, que, considerando os grandes tipos de providências cautelares, o processo administrativo não dispõe agora apenas de providências conservatórias, mas também de providências antecipatórias, incluindo nestas as providências de regulação provisória ou interina de situações. Providências conservatórias são as que visam manter ou preservar a situação existente, designadamente assegurando ao requerente a manutenção da titularidade ou do exercício de um direito ou de gozo de um bem, que está ameaçado de perder. Providências antecipatórias são as que visam prevenir um dano, obtendo adiantadamente a disponibilidade de um bem ou o gozo de um benefício a que o particular pretende ter direito, mas que lhe é negado (antecipam uma situação que não existia, quando haja um interesse pretensivo).
Quanto aos conteúdos, são susceptíveis de serem decretadas quaisquer providências que se revelem adequadas, embora haja uma enumeração exemplificativa no nº 2 do artigo 112.º, em que naturalmente predominam as referências às providências antecipatórias, enquanto novidades a salientar. A este propósito, é de assinalar que a universalidade também se estende a todas as formas de actividade administrativa, por exemplo, quanto à suspensão da eficácia, pois que, além da suspensão dos actos administrativos, se passou a admitir a suspensão de eficácia de contratos e de normas, embora com algumas limitações.
A lei enumera vários exemplos de providências, devendo salientar-se, pelo seu carácter emblemático, a intimação para a adopção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração, justamente a antiga intimação para um comportamento que antes não podia ser utilizada contra a Administração – que não abrange obviamente a possibilidade de intimação para a prática de um verdadeiro acto administrativo. A lei refere-se ainda às providências previstas no Código do Processo Civil, que serão aplicáveis com as devidas adaptações, mas na opinião de Viera de Andrade, não parece que esta remissão normativa faça grande sentido, partindo da ideia de que o CPTA já permite quaisquer providências adequadas, não acrescentando tal previsão nada de extraordinário.
Concretizando, a lei estabelece a universalidade dos conteúdos e a universalidade das providências susceptíveis de serem pedidas e concedidas (princípio da atipicidade).


Em matéria de requisitos da decisão cautelar, o próprio conceito de medida cautelar, ao visar a garantia da utilidade da sentença, pressupõe a existência de um perigo de inutilidade, total ou parcial, resultante do decurso do tempo e, especialmete no direito administrativo, da adopção ou da abstenção de uma pronúncia administrativa. O artigo 120.º CPTA estabelece este requisito ao exigir, para a adopção da providência cautelar, que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”. O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio haverá de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar “compreensível ou justificada” a cautela que é solicitada.
Como decorre da universalidade das providências admitidas, tanto releva o periculum in mora de infrutuosidade, que exigirá, em regra, uma providência conservatória, de modo a manter a situação existente, como o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que provisoriamente, a solução pretendida ou regule interinamente a situação. Repare-se que a lei não refere este requisito para a adopção da providência cautelar, quando seja evidente a procedência da pretensão formulada [alínea a) do nº1 do artigo 120.º]. Conclui-se que, nesses casos, o tribunal está dispensado de fundamentar a sua decisão na comprovação dessa perigosidade específica – no entanto, mesmo nessas situações, o perigo releva, na medida em que a providência só pode ser pedida e concedida quando haja um interesse em agir que se manifeste no fundamento do pedido, embora baste aí provar que assim se assegura alguma utilidade à sentença. Dos termos da lei, resulta ainda que devem ser atendidos todos os prejuízos relevantes para os interesses do requerente, seja este um particular, seja o Ministério Público ou um dos actores populares.
Um dos aspectos mais inovadores da reforma foi o da consagração da juridicidade material como padrão de decisão cautelar, passando-se a a reconhecer e a conferir relevo fundamental ao fumus boni iuris. O juiz tem agora o poder e o dever de, ainda que em termos sumários, avaliar a probabilidade da procedência da acção principal, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir, ainda que esteja em causa um «verdadeiro» acto administrativo. O papel que é conferido ao fumus boni iuris (ou “aparência do direito”) é decisivo, desde logo porque parece ser o único factor relevante para a decisão de adopção da providência cautelar, em caso de evidência da procedência da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do acto. De facto, nesta hipótese, o juiz pode decretar a providência adequada, mesmo sem a prova do receio de facto consumado ou da difícil reparação do dano e independentemente dos prejuízos que a concessão possa virtualmente causar ao interesse público ou aos contra-interessados. Pois se é evidente que um particular tem razão, se é evidente que o acto é ilegal e que a acção vai ter sucesso, então, não há, em regra, razão para deixar de conceder essa tal providência. Note-se, porém, que o critério legal é o do carácter evidente da procedência da acção e não, por exemplo no caso dos meios impugnatórios, o da evidência do vício. Efectivamente, nos casos de evidência da legalidade ou da ilegalidade da pretensão, o fumus boni iuris ou o fumus malus funcionam como o fundamento determinante da concessão ou da recusa da providência. Nas situações intermédias, que corresponderão à grande maioria dos casos, quando haja uma incerteza prima facie relativamente à existência da ilegalidade ou do direito do particular, a lei opta por uma graduação, em função do tipo de providência requerida: a) se a probabilidade for maior, isto é, “se for provável que a pretensão principal venha a ser julgada procedente nos termos da lei”, pode ser decretada a providência, mesmo que seja antecipatória; b) se a providência pedida for apenas uma providência conservatória, já não é preciso que se prove ou que o juiz fique com a convicção da probabilidade de que a pretensão seja procedente, bastando que “não seja manifesta a falta de fundamento”. Basicamente, a lei basta-se com um juízo negativo de não-improbabilidade (non fumus malus) para fundar a concessão de uma providência conservatória, mas obriga a que se possa formular um juízo positivo de probabilidade para justificar a concessão de uma providência antecipatória. Isto, em qualquer dos casos, desde que se verifiquem os outros requisitos necessários para a concessão, designadamente, o receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente, bem como, a proporcionalidade dos efeitos. De facto, o peso do princípio da proporcionalidade na decisão de concessão ou de recusa da providência é enorme. Trata-se mesmo, de uma característica nuclear do novo sistema de protecção cautelar que implica a ponderação de todos os interesses em jogo, de forma a fazer depender a própria decisão sobre a concessão, ou não, da providência cautelar dos interesses preponderantes no caso concreto, sempre que não seja evidente a procedência ou improcedência da pretensão formulada. Concretamente, está em causa a possibilidade de, mesmo que se verifiquem os dois requisitos fundamentais – quer o periculum in mora, quer o fumus boni iuris (quando haja probabilidade de procedência ou não seja manifesta a falta de fundamento da acção principal) -, o juiz dever recusar a concessão da providência cautelar, quando o prejuízo resultante para o requerido se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com a procedência. O que significa que a reforma introduziu o princípio da proporcionalidade, na sua dimensão estrita de equilíbrio, na decisão sobre a concessão ou a recusa da providência cautelar. Normalmente os interesses do requerido correspondem ao interesse público e, por isso poderia haver a tentação de ver aqui um resquício da antiga ideia da exclusão da providência em caso de prejuízo grave para o interesse público e, dessa forma, de uma tendência para a sistemática prevalência do interesse público sobre o interesse particular. Mas, em rigor, não é isso que se deve retirar do regime legal: a lei não pode ser interpretada como um reconhecimento implícito ou um pretexto para a prevalência sistemática do interesse público sobre o particular. Desde logo, veja-se que, a ponderação não se realizará quando seja evidente a procedência da pretensão principal, isto é, quando seja manifesta a existência do direito do particular ou de uma ilegalidade relevante por ele invocada – ou seja, só funciona em situações de dúvida ou de incerteza. Na realidade, o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão da providência cautelar. Um outro aspecto, este de garantia processual, em que também se revelam as ideias de proporcionalidade e de ponderação é o da participação directa dos contra-interessados, garantida pela sua indicação obrigatória no requerimento inicial e pela sua citação para eventual oposição.
A ideia de proporcionalidade não se manifesta apenas na decisão de concessão, ou não da providenciam mas também no que respeita ao conteúdo ou ao tipo da providência a adoptar. Essa ideia surge, desde logo, na dimensão de necessidade: nos termos no nº3 do artigo 120.º CPTA, as providências devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente. Por isso, a lei confere ao tribunal um poder discricionário para, ouvidas as partes, decretar uma providência que não lhe tenha sido requerida, em cumulação ou em substituição daquela que o foi, quando isso seja adequado para evitar a lesão do requerente e seja menos gravoso para os demais interesses públicos.
De referir também que a tutela cautelar constitui por definição, uma regulação provisória de interesses, daí o seu aspecto marcante da provisoriedade. O carácter urgente do processo e, em especial a sumaridade do conhecimento da questão pelo juiz também devem ser especificamente considerados. Finalmente a instrumentalidade estrutural do processo significa que os processos cautelares dependem intimamente de uma causa principal, que tem por objecto a decisão sobre o mérito (tal resulta do artigo 112.º CPTA).

Responsabilidade civil extra-contratual e impugnação prévia de actos administrativos: que leitura para o artigo 38.º do CPTA?

1. Introdução

Um único artigo do CPTA (como será fácil de perceber, dado o título do trabalho, o artigo 38.º) permite estabelecer ligações relevantes com variados outros artigos do CPTA e, posso já adiantar, assume uma relevância transversal no âmbito do contencioso administrativo. Permite questionar mais uma vez a divisão operada pelo legislador entre acção administrativa comum e especial. Permite explorar um pouco o conceito (e o sentido…) do “caso decidido” administrativo; permite sobretudo mergulhar nas alterações ao regime substantivo da responsabilidade do Estado-Administração e fazendo comparações com o regime anterior, averiguar se houve ou não alterações relevantes neste âmbito. Permite finalmente procurar responder a algumas das questões suscitadas por Vasco Pereira da Silva, nomeadamente se o regime substantivo da responsabilidade civil e as suas influências no campo do contencioso - como é o caso - são direito constitucional concretizado ou ainda por concretizar, e se esta alteração será uma consagração inequivocamente “amiga da Constituição” e “amiga do processo”.

2. O artigo 38.º do CPTA


O artigo que serve de ponto de partida deste trabalho começa logo no seu início por remeter para a lei substantiva, “designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais”, lei que é hoje em dia a lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, a qual alterou substancialmente o regime da responsabilidade civil do Estado.

2. 1 O “caso decidido” administrativo

O artigo reporta-se, na sua epígrafe, ao conceito de “acto administrativo inimpugnável”[1] (o que não deixa de ser interessante, pela evocação que faz do seu oposto, ou seja, o conceito de acto administrativo impugnável, já amplamente debatido pela doutrina e jurisprudência).
A análise do artigo 38.º não poderia deixar de passar por um estudo aprofundado do “caso decidido” dos actos administrativos. Porém, dada a vastidão do tema e os limites do trabalho, não serão feitas senão algumas observações genéricas.
Em primeiro lugar, como defende Vasco Pereira da Silva[2], o nascimento do caso decidido administrativo, surgindo da costela do caso julgado das sentenças judiciais, acabaria por ter efeitos mais vastos do que aquele[3]. Carla Amado Gomes analisou em artigo recente[4] o conceito de “caso decidido”, criticando esta equiparação do caso decidido administrativo ao caso julgado, concluindo pela sua inadmissibilidade dada a diferença das duas funções, dada a mutabilidade e dinamismo necessário à auto-tutela declarativa face às necessidades sociais, e finalmente porque esta assimilação, feita sem base legal, contenderia com o direito fundamental de acesso à justiça, previsto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 CRP, representando uma restrição ilegítima a este direito fundamental, bem como violando a submissão da Administração à Constituição e às leis, como consta dos artigos 3.º, n.º 3 e 266.º, n.º 2 CRP. A autora apresenta ainda como exemplos do “caminho para o fim” do “caso decidido” decisões jurisprudenciais, como o acórdão de 19 de Abril de 2007, o qual é anotado neste artigo pela autora. Este acórdão decide que a inimpugnabilidade do acto não implica a eliminação da ilegalidade e que não resulta desta nenhum efeito convalidador do acto. Argumenta finalmente Carla Amado Gomes, numa análise que não interessa no âmbito deste trabalho, com o artigo 161.º do CPTA, o qual considera “ a prova mais cabal do esbatimento da figura do caso decidido”[5].
A figura do “caso decidido”, que parece estar subjacente ao artigo 38.º quando invoca o conceito de “acto inimpugnável” é efectivamente discutível, pois o facto de passar o prazo conferido para impugnação do acto não significa que este se sane, se convalide. O acto deixa de ser impugnável mas não passa por isso a ser válido.
Tradicionalmente, entendia-se que nos sistemas de administração executiva, sendo necessário assegurar a ideia de autoridade da administração, mesmo sendo os actos desta desconformes com a lei, estabilizar-se-iam na ordem jurídica[6], ao passar o prazo fixado para a sua impugnação. Posteriormente, a ideia de estabilidade foi melhor “recebida” com a progressiva passagem, como visto, do conceito de acto administrativo autoritário para o acto positivo, multilateral, típico da Administração infra-estrutural.
O conceito de “caso decidido” administrativo decorre, claro está, da ideia de estabilidade associada ao princípio da segurança jurídica e à legítima confiança dos cidadãos nos actos administrativos de vantagem, o que permitiria pois compreender a ideia de caso decidido, mesmo que ilegal. Terei de citar, pela sua relevância para o tema, a afirmação de Vieira de Andrade “Entendia-se antes mesmo que o decurso do prazo sanaria a ilegalidade, tal como no direito privado, mas tal asserção, apesar de continuar implícita no regime da revogação dos actos constantes do Código do Procedimento Administrativo, não é adequado a invalidades objectivas e já não parece defensável-v., nesse sentido, o art. 38.º do CPTA, que admite o conhecimento incidental da legalidade de actos tornados inimpugnáveis para efeitos de responsabilidade civil e para outros efeitos previstos por lei substantivas (expressamente ou por interpretação inequívoca ou concludente”[7].
Não parece pois que possa continuar a ser defensável a ideia de uma convalidação dos efeitos do acto administrativo inválido pelo mero decurso do prazo de impugnação.

2.2 A autonomia dos pedidos e dos meios processuais

No campo da acção administrativa comum, pode ser conhecido a título incidental, enquanto decisão declarativa sobre uma questão prévia e apenas nos termos em que a lei substantiva o admitir, da ilegalidade de actos administrativos que já se tenham tornado inimpugnáveis para o autor.

Pelo facto de se terem tornado inimpugnáveis, o autor (mesmo que o acto ainda possa ser impugnado pelo MP) não pode já impugná-lo em sede de acção administrativa especial. Mas pode ainda, como demonstra o artigo, retirar consequências em outras vertentes, nomeadamente no campo da responsabilidade. Porém, como salienta o n.º 2, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável. “O que significa que o decurso dos prazos de impugnação da legalidade do acto, embora precluda a força invalidante da respectiva ilegalidade, não implica a sua sanação, subsistindo (ou podendo subsistir) a relevância de tal ilegalidade para outros efeitos, noutras sedes”[8]. Os efeitos da decisão incidental sobre a ilegalidade do acto administrativo em sede de acção administrativa comum e na sua manifestação mais relevante, enquanto acção de responsabilidade da Administração por acto ilícito, estão limitados ao processo, já que não expurgam o acto do ordenamento. Interessante é notar que neste caso se inverte um pouco a lógica dicotómica das acções no “novo” Contencioso Administrativo, já que o artigo permite que seja analisada, ainda que incidentalmente, a validade de um acto administrativo, de uma forma unilateral e autoritária da actividade administrativa, em sede de acção administrativa comum, escapando assim um pouco à “natureza tendencialmente paritária do objecto dos processos submetidos à forma da acção administrativa comum”.[9]

O artigo 38.º pode pois ser configurado mais como uma norma de enquadramento, remetendo as condições legais para a lei substantiva. É, pois, uma norma meramente processual, que apenas estabelece que da perspectiva processual, actos inimpugnáveis, os quais já não podem ser contenciosamente anulados, possam vir a ser declarados ainda assim ilegais, mas apenas a título incidental, pois o objectivo desta apreciação é permitir chegar a algum dos efeitos que nomeadamente o regime substantivo da responsabilidade civil da Administração por facto ilícito permite[10]. Apesar de não ser este o único caso possibilitado pelo artigo, por se afigurar como o mais relevante, será este que será especialmente focado no âmbito deste trabalho. Aliás, esse é um dos aspectos mais inovadores do artigo, ao admitir que não só no campo da responsabilidade por acto ilícito, mas também noutros casos admitidos na lei substantiva, como o recorrente exemplo do funcionário ao qual foi aplicada uma sanção disciplinar ilegal, da qual não recorreu contenciosamente, mas que pretende evitar reflexos na sua progressão na carreira, ou ainda do funcionário demitido ilegalmente ser reintegrado[11] possam levar à apreciação incidental da validade de actos inimpugnáveis em sede de acção administrativa comum.
Não sendo possível obter através da acção administrativa comum aquilo que não pode ser já obtido em acção administrativa especial (caso contrário, a própria lógica dicotómica das acções seria invertida, ao permitir-se um efeito equivalente ao da anulação de um acto administrativo), não será possível recorrer a este artigo no âmbito de uma acção de restabelecimento dos direitos e interesses postos em causa pelo acto administrativo ilegal, prevista no artigo 37.º, n.º 2, alínea d), , porque pressupõe a prévia anulação do acto.
Porém, a nada obsta que o acto ainda não se tenha tornado inimpugnável e seja conhecida a sua ilegalidade a título incidental na acção administrativa comum, permitindo condenar a administração pela sua prática ilegal, e indemnizando o lesado pelos danos. Não pode é a acção administrativa comum ser utilizada para anular um acto administrativo impugnável. Nesta sede, terá de haver uma cumulação de pedidos, que seguirá a tramitação da acção administrativa especial, tal como prevê o artigo 5.º, n.º 1 do CPTA[12]. O juízo que é feito a propósito da ilegalidade do acto é, reitera-se, meramente incidental, ou seja, como salientam Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira[13], “…não se pode ir “buscar” à acção comum- independentemente de o acto ilegal ainda ser (ou não) impugnável, note-se- os efeitos complementares ou “executivos” (como aqueles que se encontram enunciados no art. 173.º do CPTA) caracteristicamente associados ao juízo próprio de ilegalidade, ao juízo anulatório”. Concluindo e reiterando, os efeitos não poderão ser semelhantes aos passíveis de serem obtidos com a propositura de uma acção de impugnação.

Importa pois aprofundar mais concretamente quais serão esses efeitos permitidos por esta lei substantiva para a qual o artigo 38.º remete, já que é este o regime de direito substantivo que permite “retirar da ilegalidade do acto uma outra consequência que não seja a da reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, e, portanto, da remoção dos efeitos directamente decorrentes do acto ilegal”[14].

3. A lei n.º 67/2007: o antes e o agora

3.1 Evolução histórica

No período do Estado absoluto, o Estado era considerado irresponsáv.el pelos danos causados a particulares (the king can do no wrong). Já no Estado de polícia, seria possível responsabilizar o Estado nas relações patrimoniais com privados, surgindo a figura do Fisco[15].
Com efeito a Administração, vista como actividade de pura execução da lei, expressão da vontade geral, traduzia a ideia de que não poderia errar, de que também “é próprio da soberania impor-se a todos sem compensações”[16], com a referida excepção da indemnização a danos sofridos por particulares, mas sujeita a autorização superior no chamado sistema de garantia administrativa, corrente na Europa de oitocentos. Consequentemente, só com o Estado social de Direito surge nas legislações europeias a consagração de uma responsabilidade civil administrativa, na Alemanha com a Constituição de Weimar, em Espanha com a Constituição republicana de 1931, nos E.U.A. com o Federal Torts Claims Act, de 1946, em Inglaterra com o Crown Proceedings Act de 1947 e em França por via jurisprudencial.
A responsabilidade da Administração em Portugal também registou profunda evolução: no Código de Seabra, o artigo 2399.º consagrava a irresponsabilidade do Estado pelos prejuízos causados no exercício da actividade de execução da lei, sendo que o artigo seguinte responsabilizava meramente os funcionários administrativos, pessoalmente, por danos resultantes de actividades ilegais, não havendo garantia administrativa, aceitando-se igualmente a responsabilidade por actividade de gestão privada[17], seguindo-se, nos anos 30, a previsão da responsabilidade civil administrativa extracontratual de gestão pública por acto ilícito, em 1930 com o aditamento ao artigo 2399.º a responsabilidade solidária do Estado e em 1936 com o alargamento às autarquias locais operado pelo Código Administrativo. Quanto à responsabilidade civil administrativa por acto lícito e pelo risco, esta só seria admitida havendo previsão legal expressa, salvo na doutrina de Marcello Caetano, defendendo este autor um princípio geral de responsabilidade por facto lícito.
O Decreto 48 051 de 1967 viria consagrar a responsabilidade delitual, pelo risco e por facto lícito, na medida em que como expõe Cabral de Moncada[18], “a objectivação da responsabilidade é, de facto, o cerne do regime que lhe corresponde no Estado Social de hoje. Longe vão os tempos em que, como no art. 14 da Constituição portuguesa de 1822 apenas se responsabilizavam pessoalmente os funcionários por abuso de poder, noção eminentemente subjectiva (se bem que o erro de ofício estivesse também previsto)”. Por fim, assistir-se-ia à consagração no artigo 22.º da CRP de um verdadeiro direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, à reparação dos danos.
Em 30 de Janeiro de 2008[19], entraria em vigor o Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas[20], sendo as principais inovações a nível de responsabilidade civil administrativa a consagração de um regime de indemnização, assente na reintegração específica, bem como a definição de “funcionamento anormal de serviço”, o direito de regresso[21] obrigatório nos casos em que esteja previsto, com duas presunções de culpa leve (artigos 10.º, n.º 2 e 3), alargando-se o âmbito da responsabilidade civil pelo risco[22]. Nesta matéria porém serão relevantes as disposições constitucionais, os princípios gerais de actividade administrativa e ainda os princípios gerais de responsabilidade civil.

A necessidade de um novo diploma que regulasse a matéria resultava de o Decreto 48 051 (o qual consagrava a responsabilidade da Administração por actos ilícitos culposos mas também, o que na altura consistiu uma novidade, pelo risco e por actos lícitos, desde que os prejuízos fossem anormais e especiais, como decorria do artigo 8.º, ou seja, prevendo-se a par da tradicional responsabilidade subjectiva da Administração, uma responsabilidade independente de culpa) com a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976 mostrar-se desadequado, padecendo mesmo de inconstitucionalidade superveniente, embora houvesse dúvidas de interpretação do próprio artigo 22.º. Nomeadamente discutia-se se na referência a “acções” ou “omissões” no “exercício das suas funções” se consagrava apenas uma responsabilidade por facto ilícito, ou também pelo risco e pelo sacrifício. Julgo que decorre do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º) e da inserção sistemática no capítulo dos direitos e deveres fundamentais que o artigo 22.º pretende abranger todas estas realidades[23], com vista à efectiva protecção dos cidadãos. Na realidade, o artigo em causa é unanimemente aceite como sendo de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Indagava-se também se visava apenas a função administrativa, ou todos os actos das demais funções do Estado e se o regime da solidariedade se aplicaria também aos casos de responsabilidade pelo risco e pelo sacrifício.
O artigo, inalterado desde 1982, consagra um sistema de protecção do particular face aos poderes públicos, obrigando à adopção de determinadas medidas legislativas de forma a cumprir o preceito constitucional, na medida em que se prevê a responsabilidade directa do Estado por qualquer dano provocado em direitos fundamentais dos particulares, causado seja a que título (independentemente da função), de forma solidária com os órgãos, funcionários ou agentes, indemnizando-os pelo prejuízo sofrido, permitindo assim também respeitar o artigo 268.º, n.º 4 da CRP.
Cabral de Moncada entende nomeadamente que não seria possível um regime uniforme para todas as funções do Estado, justificando-se a diferenciação entre a responsabilidade objectiva face à função política e legislativa e o facto de se exigir (embora haja logo a presunção de culpa leve) uma responsabilidade por culpa no caso do Estado-administração, dada a maior complexidade desta responsabilidade e a CRP não impedir, na visão do autor, a diferenciação, já que “um regime uniforme para toda a responsabilidade das entidades públicas no exercício da função administrativa, decalcado do que é próprio das funções política e legislativa, seria gravemente inconveniente e até injusto”, permitindo-se assim distinguir os casos de responsabilidade exclusiva e solidária com direito de regresso.
Quanto à diferenciação de títulos de responsabilidade, a letra do artigo 22.º permite nele incluir seja a responsabilidade por facto ilícito, como lícito e pelo risco. E se a diferenciação fará mais sentido no campo da responsabilidade administrativa, o certo é que a lei n.º 67/2007 vem consagrar expressamente a responsabilidade da administração por facto ilícito, pelo risco e no artigo 16.º, uma responsabilidade por facto lícito não exclusiva da função administrativa.
Defende-se pois, na esteira de Jorge Miranda, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Vieira de Andrade e contra Rui Medeiros, que o preceito constitucional abrangia já a responsabilidade civil do Estado por acto lícito.

O Decreto 45 081, como exposto, regulava apenas a responsabilidade por acto de gestão pública (artigo 1.º), sendo que o artigo 2.º consagrava a responsabilidade civil por facto ilícito funcional, ou seja, praticado pelos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções. Já o seu número 2 consagrava a possibilidade de um direito de regresso, mas apenas no caso de os agentes terem actuado “com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo”; logo, excluindo a possibilidade de culpa leve. O artigo 3.º, por sua vez, consagrava a responsabilidade se os órgãos e agentes tivessem excedido as suas funções, ou se no seu exercício e por causa destas, tivessem actuado com dolo. Só no caso de dolo é que o número 2 previa a responsabilidade solidária entre a pessoa colectiva e o órgão/agente. O conceito de culpa decorria do artigo 4.º, o de ilícito do artigo 6.º, enquanto o artigo 8.º e 9.º consagravam respectivamente a responsabilidade pelo risco e pelo sacrifício.
O diploma em causa procedia a uma tripartição: ocorria responsabilidade exclusiva da Administração no caso dos artigos 8.º, 9.º, do artigo 2.º/1, admitindo-se a faute du service e no caso do artigo 2.º/2 (apenas culpa leve). A responsabilidade solidária ocorria no caso do artigo 3.º/2, enquanto a responsabilidade exclusiva dos funcionários, nos termos do artigo 3º/1, decorria do exercício doloso fora das funções (abuso de autoridade, excesso de poder, incompetência, actos dirigidos à satisfação pessoal)

As insuficiências face às exigências constitucionais do decreto em causa levaram o professor Fausto de Quadros[24] a formular quanto à responsabilidade do Estado administração um conjunto de propostas, que a seguir se elencam:
-o acto ilícito poderia consistir numa acção ou omissão;
-o acto poderia não ser ilegal, mas sim injusto, como decorre do artigo 266.º/2 CRP;
-a lei deveria expressamente consagrar a presunção de culpa, bem como a inversão do ónus da prova;
-deveria pôr-se termo à inconstitucionalidade por omissão derivada da violação do artigo 22.º CRP, consagrando-se igualmente o dever de regresso, salvo casos de culpa leve ou de ausência de culpa;
-deveria manter-se o regime da culpa de serviço por funcionamento anormal do mesmo;
-deveria acolher-se uma responsabilidade por culpa in vigilando, solidária, com dever de regresso e inversão do ónus da prova;
-deveria admitir-se a passagem de situações de responsabilidade pelo risco a situações de responsabilidade subjectiva, mesmo com culpa grave;
-deveria manter-se o regime pessoal da responsabilidade do agente;
- o critério de indemnização do lesado deveria ser o da restauração natural, pela reposição da situação hipotética actual;
-deveria haver uma clara definição do regime da responsabilidade por acto lícito e pelo risco;

3.2. A lei n.º 67/2007 e a responsabilidade da Administração


Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos definem responsabilidade civil administrativa como “o conjunto de circunstâncias da qual emerge, para a administração e para os seus titulares de órgãos, funcionários ou agentes, a obrigação de indemnização dos prejuízos causados a outrem no exercício da actividade administrativa[25], salientando que o facto de se referir a responsabilidade “civil” apenas visa salientar não se tratar de responsabilidade politica, criminal, contra-ordenacional ou disciplinar.
Resulta da lei n.º 67/2007, a qual veio responder a muitas das críticas anteriormente apontadas, como pressupostos da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, a prática de uma acção ou omissão no exercício da função legislativa, administrativa ou jurisdicional, em regra que constitua acto ilícito, embora no artigo 16.º se admita a possibilidade de indemnização pelo sacrifício, sendo necessária a culpa, mesmo se apenas culpa leve, do titular do órgão, funcionário ou agente, que cause um dano a um terceiro e esse dano tem de resultar do exercício da actividade (acto funcional). É certo que o diploma permite algumas especificidades: assim, a regra no campo da responsabilidade civil por danos decorrentes do âmbito da função administrativa será a exclusiva responsabilidade do Estado ou pessoa colectiva de direito público quando a acção ou omissão ilícita seja cometida com culpa leve pelo funcionário/agente/titular[26]. Nestes casos não haverá pois, como prevê o artigo 6.º, direito de regresso, em regra obrigatório. Já nos casos em que o facto seja praticado com dolo ou culpa grave, como prevê o artigo 8.º, a responsabilidade será solidária[27] com o Estado/pessoa colectiva, desde que cometido no exercício das suas funções e por causa deste, como refere o artigo 8.º, n.º 2, estando consequentemente previsto o exercício obrigatório de direito de regresso, no n.º 3, a cargo dos respectivos “titulares de poder de direcção, de supervisão, de superintendência ou de tutela”, sem prejuízo de procedimento disciplinar. Por forma a concretizar determinados pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o da ilicitude e culpa, o próprio diploma, nos seus artigos 9.º e 10.º, considera ilícitas “as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”, prevendo ainda a situação de funcionamento anormal de serviço, enquanto concretização do conceito de ilicitude como um desvalor formulado pela ordem jurídica. Porém, como salientam Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos[28], não será suficiente a verificação da ilicitude, sendo necessário que ocorra a violação de uma norma tuteladora da posição jurídica subjectiva lesada, como decorre do artigo 9.º, n.º 1 “ e de que resulte a ofensa de direitos (subjectivos) ou interesses legalmente protegidos” (violação de normas de protecção). Já na concretização do conceito de culpa, especialmente relevante dadas as consequências no campo da responsabilidade solidária entre os funcionários, agentes e titulares dos órgãos face ao Estado ou outra pessoa colectiva pública, o artigo 10.º, n.º 2 estabelece uma presunção elidível de culpa leve[29] dos funcionários (logo, de responsabilidade exclusiva do Estado/pessoa colectiva), através da demonstração de dolo ou culpa grave, prevendo-se a possibilidade de acção judicial pelo Estado/pessoa colectiva contra o titular de órgão, funcionário ou agente, por forma a elidir a presunção e permitir o exercício do direito de regresso, tal como previsto no artigo 8.º, n.º 4. O conceito de “culpa”, a preterição da diligência exigível ao autor do facto voluntário e ilícito, é assim definido no artigo 10.º, aferindo-se face à “diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor”. Como excepção à responsabilidade subjectiva, assente na culpa do titular de órgão, funcionário ou agente, o diploma prevê também, dentro de pressupostos apertados, a existência de uma responsabilidade pelo risco (artigo 11.º).
Logo, responsabilidade administrativa delitual ocorrerá da reunião de cinco pressupostos: facto voluntário, ilícito, culposo, do qual decorra um dano, havendo nexo de causalidade entre o facto e o dano.

4. O artigo 38.º face à Lei n.º 67/2007


No âmbito do decreto-lei n.º 48051, não era a mera previsão da responsabilidade pelos danos decorrentes de acto ilegal que permitia a existência da avaliação incidental da ilegalidade de um acto administrativo que já se consolidara, tornando-se inimpugnável. Este raciocínio pode ser aplicado mutatis mutandis ao actual regime. O regime substantivo aqui vertido e para o qual, como exposto, o CPTA remete, apenas “separa as águas”, distinguindo por um lado a acção de indemnização, por outro a impugnação contenciosa[30]. Há pois uma clara separação entre o dever de indemnizar e o “ónus de impugnação do acto causador da responsabilidade”[31].
Com efeito, é de extrema importância o facto de nos casos em que o dano seja provocado pela prática pela Administração de um acto administrativo ilegal os efeitos decorrentes da indemnização são restritos apenas àqueles que não se possam imputar a falta de impugnação contenciosa, ou a negligência do autor, o qual pode ter deduzido
impugnação contenciosa mas ter ainda assim ocorrido um caso de negligente conduta processual.
No período de vigência do Decreto-Lei n.º 48051, a parte final do artigo 7.º foi interpretada pela doutrina e jurisprudência no sentido de se tratar de uma excepção peremptória que obstaria ao exercício do direito de indemnização, sendo a mesma acção subsidiária face ao recurso contencioso. O autor, não tendo impugnado o acto, só poderia obter em sede de responsabilidade civil o ressarcimento dos danos que nunca poderiam ser reparados mesmo com a diligente propositura da acção, pois os danos teriam que extravasar do ressarcimento operado pela anulação do acto, inviabilizando a propositura da acção quando os danos existentes se reconduzissem unicamente à ausência de diligente impugnação do acto.
Assim, tal como defendido por Afonso Queiró[32], Marcello Caetano e mais recentemente Maria da Glória Garcia, o direito à indemnização, na ausência de prévia impugnação do acto, seria excluído ou reduzido quando a conduta processual do lesado tivesse contribuído para produzir ou agravar os danos, pois o autor poderia ter evitado a verificação do dano, ou a sua verificação naquela extensão, recorrendo aos meios processuais previstos pelo contencioso administrativo, entendendo o recurso aos tribunais administrativos como um pressuposto da acção de responsabilidade (um pouco como a relação entre o recurso hierárquico necessário e o acesso aos tribunais administrativos). Esta interpretação, como defende Vasco Pereira da Silva[33] seria manifestamente inconstitucional, sendo meramente literal, pois subordinava o direito fundamental à indemnização perante o direito fundamental à impugnação contenciosa. Também neste sentido se pronunciou recentemente Carlos Cadilha, defendendo a inconstitucionalidade desta interpretação por violação do princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa, previsto no artigo 268.º, n.,º 4 CRP e também no artigo 2.º CPTA[34].
Mais recentemente, surgiu outra leitura da parte final do artigo 7.º[35], encarando-a não como uma limitação do direito à indemnização, mas antes como “ a simples previsão de uma situação particular de concurso da culpa do lesado[36] . tal como prevista nomeadamente no artigo 570.º do Código Civil[37], que, a verificar-se, influencia a fixação do quantum indemnizatório”[38]. Com efeito, ocorre um caso de conculpabilidade e concausalidade, por o lesado não recorrer diligentemente aos meios processuais disponíveis (os quais não terão de ser necessariamente os meios processuais principais, podendo ser cautelares). E assim, de acordo com a construção jusprivatista da “culpa do lesado”, sendo a actuação do mesmo uma das causas do dano, desonera, total ou parcialmente, a Administração do seu dever de indemnizar por ter emitido um acto administrativo inválido e causador de danos.
Como expõem Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, “O entendimento que permita conciliar as duas regras contidas na norma do art. 7.º, conferindo um efeito útil ao aludido princípio da autonomia da acção ressarcitória, parece ser o que situa a limitação no ressarcimento dos danos no âmbito do nexo de causalidade, e, portanto, no plano dos pressupostos da responsabilidade civil. Nesta óptica, a segunda parte do art. 7.º configuraria apenas um caso de exclusão ou diminuição da responsabilidade quando a negligência processual do lesado tenha contribuído para a produção ou o agravamento dos danos”[39].
Segundo estes autores, sendo este artigo eliminado, ou não se mantendo nestes termos na nova lei de responsabilidade do Estado não poderia haver a exclusão ou diminuição do montante indemnizatório com base na omissão ou conduta negligente do lesado. Porém, esta afirmação sem mais não é rigorosa, como os autores rapidamente expõem, já que no fundo a recondução ao “regime de direito substantivo” não passa essencialmente pelo artigo 7.º da lei, mas antes pelo direito fundamental contido no artigo 22.º CRP, já analisado, e nos artigos 2.º a 3.º da lei, ou seja, as disposições genéricas quanto ao dever de reparação dos danos resultantes de actos administrativos ilegais, a qual se distingue dos efeitos que podem ser obtidos pelo processo impugnatório.

Face à lei n.º 67/2007, o artigo limita-se a consagrar a segunda das leituras já antes feitas ao velhinho artigo 7.º do Decreto-Lei 48051 . O artigo 4.º é agora claro ao consagrar a “culpa do lesado”, estabelecendo que “quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou o agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. Logo, como salienta Carlos Cadilha, em comentário ao artigo[40], a conduta processual do lesado, omissiva ou negligente, ao não impugnar diligentemente um acto administrativo tem reflexos apenas no campo da culpa, tendo como consequência uma redução ou exclusão indemnizatória.
O preceito é agora mais claro, remetendo a situação para o campo da conculpabilidade, , com reflexos no campo da indemnização. È necessário ainda apurar o nexo de causalidade da acção/omissão do lesado face ao montante dos danos, tendo consequentemente que à luz da teoria da causalidade adequada, a conduta do agente ser uma das causas do dano, numa interessante interligação do Direito Administrativo com o Direito das Obrigações. Depois, segue-se a aferição do juízo de culpa, aferindo se era exigível ao lesado uma outra conduta, mormente recorrendo à impugnação do acto. Seguir-se-á à verificação destes dois factores uma avaliação da repartição das culpas no montante dos danos, aplicando-se neste exercício os princípios gerais de Direito das Obrigações.
Como cláusulas gerais, aquelas que a par do artigo 22.º da CRP constituiriam as “válvulas de escape” para continuar a defender a possibilidade de apreciação incidental de actos administrativos inimpugnáveis em sede de acção de responsabilidade caso fosse revogado o artigo 4.º da lei seriam nestes caso os artigos 1.º, n.º 1 e 2, e o capítulo II, nomeadamente a secção I, artigos 7.º a 11.º.


5. Conclusão

Como exposto, uma norma com relevância meramente processual acaba por suscitar interligações com várias áreas do Direito Administrativo adjectivo e substantivo. Este pequeno périplo nomeadamente pelo regime da responsabilidade civil da Administração permitiu compreender que pese embora a maior clareza da lei neste ponto específico, a solução adoptada era já a maioritária na doutrina recente.

[1] Como se torna claro, apenas podemos equacionar da inimpugnabilidade de actos anuláveis. Para Mário e Rodrigues Esteves de Oliveira in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Alemdina, 2006, p. 278, não seria pelo facto de a nulidade poder ser arguida a todo o tempo que estaria excluída do n.º 1 do artigo 38.º, mas devido ao poder expressamente previsto no artigo 134.º, n.º 2, de qualquer juiz julgar ou conhecer oficiosamente, a título incidental, da nulidade de um acto administrativo. A meu ver, a separação feita pelos autores mencionados afigura-se estéril, já que o poder conferido a qualquer juiz para declarar a nulidade, neste caso, de um acto administrativo, resulta precisamente da característica distintiva do acto nulo, tal como resultante do CPA.
[2] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2005, p. 502 e ss.
[3]Para uma análise da figura do acto administrativo inimpugnável e ressalva dos seus efeitos em sede de contencioso de impugnação de normas, vide Pedro Delgado Alves, “O novo regime de impugnação de normas”, in Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo - Estudos sobre a reforma do processo administrativo, Lisboa, 2005, nomeadamente p. 94 e ss.
[4] “O “caso decidido”: uma instituição (ainda) do nosso tempo?”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 70, Julho/Agosto 2008, pp. 16-31, nomeadamente p. 18 e seguintes.
[5] Ob. citada, p. 23.
[6] Neste sentido, Vieira de Andrade, “Nulidade e anulabilidade do acto administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, Janeiro/Fevereiro de 2004, p. 46.
[7] Vieira de Andrade, ob. citada, n. 1, pp. 46—47.
[8] Idem, p. 277.
[9] Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2004, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, p. 97.
[10] Trata-se, nas palavras de Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto CAdilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª Edição Revista, 2007, p. 227, “…de uma opção da lei substantiva, que tem de reconhecer relevância, para qualquer efeito, ao reconhecimento judicial, a título incidental, da ilegalidade de actos administrativos, já consolidados”.
[11] Ambos os exemplos são avançados por Vasco Pereira da Silva, “A acção para reconhecimento de direitos”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 16, pp. 47-48.
[12] A este respeito, Vasco Pereira da Silva, O Contencios Administrativo…., p. 505 e ss.
[13] Ob. citada, p. 278.
[14] Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto CAdilha, Comentário ao Código de Processo…, p. 227.
[15] Veja-se para uma mais detalhada evolução da responsabilidade da Administração no direito português, Diogo Freitas do Amaral, A responsabilidade da Administração no direito português, in Estudos de direito público e matérias afins, I, Coimbra, 2004, p. 511 e ss.
[16] E. Laferrière, apud Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Responsabilidade Civil Administrativa, Dom Quixote, 2008, p. 12.
[17] A qual não é relevante para o âmbito do presente trabalho. Cumpre apenas relembrar que o Código Civil de 1967, nos seus artigos 500.º e 501.º previu expressamente um regime de responsabilidade civil administrativa extracontratual por actos de gestão privada.
[18] Luís Cabral de Moncada, A Responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, in Estudos em Homenagem ao Professor Marcello Caetano, 2006, p. 63.
[19] Para uma completa análise das vicissitudes do projecto e propostas de lei sobre a matéria, vide Cabral de Moncada, ob. citada, p. 11 e ss.
[20] Maria José Rangel de Mesquita, in A proposta de lei n.º 56/X em matéria de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas: notas breves à luz do direito da União Europeia, incluído nos Estudos em Homenagem ao Professor Marcello Caetano, pp. 233-258, 2006, procede a uma análise da então proposta de lei face ao Direito da União Europeia, concluindo por algumas desconformidades face a este, nomeadamente a previsão de um dano anormal, impondo requisitos para a efectivação da responsabilidade mais restritivos do que os requeridos pela União e porventura inconstitucionais face ao artigo 22.º CRP e também face ao princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º CRP). Já Luís Cabral de Moncada, ob. citada, p. 11, 2006, considera que “a Proposta satisfaz perfeitamente a Constituição, concretizando os seus comandos”.
[21] Por razões de justiça distributiva, não onerando apenas o contribuinte com a indemnização.
[22] Não estando esta modalidade restrita aos danos especiais e anormais, como acontece na responsabilidade por facto lícito (16.º) nem aos danos anormais, como acontece no caso da responsabilidade por facto da função legislativa (15.º, n.º 1).
[23] Veja-se Fausto de Quadros, Omissões legislativas sobre direitos fundamentais, Nos dez Anos da Constituição, Coimbra Editora, 1987, p. 61.
[24]Colóquio “A Responsabilidade civil extracontratual do Estado”: trabalhos preparatórios da Reforma, Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, Coimbra Editora, 2001, p. 59 e ss.
[25] Rebelo de Sousa, Marcelo, e Salgado de Matos, André, Responsabilidade Civil Administrativa, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, 2008, p. 11.
[26] Solução de duvidosa constitucionalidade, face ao artigo 22.º CRP; permite a responsabilização da pessoa colectiva quando não há responsabilidade do titular de órgão/funcionário/agente.
[27] Solução já defendida, entre outros, por Maria José Rangel de Mesquita, Da responsabilidade civil extracontratual da Administração no ordenamento jurídico-constitucional vigente, in Responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, coordenação de Fausto de Quadros, Coimbra, 1995, p. 39 e ss, Jorge Miranda, A Constituição e a responsabilidade civil do Estado, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, pp. 927 e ss, Rui Medeiros, Anotação ao artigo 22.º, in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2005, pp. 209 e ss.
[28] Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, ob. citada, p. 21.
[29] Sendo esta de entender no sentido de negligência leve, a qual se opõe à negligência grave. Ambas decorrem da violação de deveres de cuidado, mas será grave quando a violação seja manifestamente inferior àquela a que o titular/agente/funcionário se encontrava obrigado.
[30] As duas realidades não se devem confundir, tal como no campo da responsabilidade há uma diferença entre o dever de prestar e o dever de indemnizar.
[31] Vasco Pereira da Silva, Contencioso…, p. 503.
[32] Apud Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, ob. citada, p. 228.
[33] Contencioso…, p. 502-503
[34] Carlos Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra Editora, 2008, p. 88.
[35] A qual é hoje sem dúvida dominante na doutrina, para mais tendo em conta a nova lei de responsabilidade do Estado
[36] Embora, note-se, este não pratique um acto ilícito ou violador de um dever, antes tem uma actuação pouco diligente. Tanto o Professor Afonso Queiró como o Professor Sérvulo Correia defendiam ainda ser necessária a prévia providência cautelar de suspensão de eficácia do acto, para além da interposição do correspondente recurso contencioso de anulação.
[37] Como defendem Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, o artigo remete a questão para o plano do nexo de causalidade e da culpa.
[38] Margarida Cortez, Responsabilidade, p. 249 e também “Fogo-fátuo: a autonomia das acções de indemnização”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 1, Janeiro/Fevereiro 1997, pp. 8 e ss.
[39] Ob. citada, p. 229
[40] Ob. citada, p. 87