terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Providências cautelares antecipatórias e conservatórias: critérios de distinção

O regime em matéria cautelar que o CPTA estabelece nos artigos 112º e seguintes não tem apenas em vista o reforço da tutela cautelar dos particulares perante as situações de recusa ilegal de actos administrativos. O CPTA consagra o princípio de que todo o tipo de pretensões podem ser objecto de um processo principal. Ora, a efectividade do amplo leque de pretensões que passam a poder ser accionistas, a título principal, perante os tribunais administrativos passa pela possibilidade de obter providências cautelares de conteúdo diversificado, em função das necessidades de cada caso. Por conseguinte, o art. 112º introduz, nesta matéria, uma cláusula aberta. O nº2 do referido artigo, admite, entretanto, que as providências cautelares a adoptar possam ser as providências típicas que se encontram especificadas no CPC, com as adaptações que se justifiquem, e apresenta um elenco exemplificativo de outras providências que passam a poder ser adoptadas.
Mais não se trata, do que dar cumprimento ao que, neste preciso sentido, determina o art. 268º nº4 da CRP. A consagração de um princípio de tutela jurisdicional efectiva em matéria cautelar exigia, de facto, a formalização expressa do poder de os tribunais administrativos adoptarem providências cautelares não especificadas e a consagração de novas providências cautelares típicas, configuradas em função das características próprias das relações jurídico-administrativas.
São assim dois domínios fundamentais, pelos quais passa o alargamento da tutela cautelar que, no novo contencioso administrativo, resulta do art. 112º CPTA. Ao regular esta matéria, o legislador acabou por dar uma importância central a distinção entre providência conservatória e antecipatória. Antes de passar a verdadeira distinção entre estes dois tipos de providência cautelar, apresenta-se de grande importância, indicar os traços principais de cada uma delas.
O primeiro domínio corresponde às providências conservatórias, art.120º nº1 alínea b) do CPTA, que são aquelas destinadas a manter o status quo, a fim de reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder. Se tiver sido emitido um acto administrativo de conteúdo positivo, o problema resolve-se com a suspensão da eficácia do acto, possibilidade que o art. 112º, nº2 alínea a) do CPTA, continua a prever e a que especificamente se referem os artigos 128º e 129º, ambos do CPTA. Nas demais situações, a tutela cautelar concretiza-se na imposição provisória de uma ordem no sentido de administração não realizar certa actividade ou porventura cessar essa actividade, art. 112º nº2, alínea f) do CPTA. Isto pode acontecer quando o interessado pretenda que a administração se abstenha de realizar operações materiais que não surjam em directa execução de actos administrativos ou quando a providência cautelar se destine a complementar a suspensão da eficácia de um acto administrativo (por exemplo, não promoção de um funcionário enquanto esteja pendente a definição da situação de um seu concorrente directo).
Ainda no que diz respeito às providências conservatórias, a alínea b), do nº1, do art.120º do CPTA, considera que fica preenchido o requisito do fumus boni iuris desde que “não seja manifesta a falta de um fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”. Em relação a estas providências, a professora Sofia Henriques considera que “não é necessário que o juiz fique convencido da probabilidade de a pretensão vir a ser julgada procedente, bastando apenas que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão”. Sobre esta matéria, o professor Paulo Pereira Gouveia, afirma que “o juiz conclui que não é claro que o processo principal irá ser julgado improcedente, seria o mesmo que dizer, o juiz conclui que é claro que o processo principal irá ser julgado procedente, e dizer que é um juízo negativo de não-improbalidade, seria o mesmo que dizer que é um juízo positivo da realidade”.
O segundo domínio diz respeito às providências antecipatórias, que são aquelas destinadas a alterar o status quo, com o objectivo de obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito. Relativamente a este tipo de providencias, a alínea c) do nº1 do art.120º CPTA, só considera que está preenchido o requisito do fomus boni iuris quando seja provável que a pretensão formulada ou a formular venha a ser julgada procedente. Segundo a professora Ana Gouveia Martins, no caso das providências antecipatórias, fala de “exame de fundo e aprofundado”, e conclui que “é indispensável que mais do que possível, seja provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente”. Este é um entendimento útil para distingui-lo da providência conservatória. Isto é, nas antecipatórias exige-se um juízo de probabilidade de precedência da acção principal, enquanto nas conservatórias, basta um juízo de possibilidade. Já o professor Miguel Prata Roque, no que respeita às providências antecipatórias, considera que é de rejeitar a aplicação da tese da “probabilidade forte e reforçada”, na medida em que isso criaria um forte obstáculo à decretação das mesmas, só fazendo sentido a aplicação de tal tese em sede de direito processual penal, isto em nome do princípio da presunção da inocência. Considera então o autor, que alínea c) do nº1 do art.120º, consagraria a tese da “probabilidade preponderante”, considerando que os indícios de procedência da acção administrativa principal têm de ser superiores aos da sua não procedência. Só se o juiz considerar ser mais provável uma decisão favorável, se considera haver indícios suficientes do direito invocado.
A distinção entre estas espécies de providencias cautelares e a sua relação com o fumus boni iuris já foi objecto de análise pelo Supremo Tribunal Administrativo, no julgamento do processo cautelar relativo à construção do Túnel do Marquês, que inicialmente se posicionou-se no sentido de:
“Relativizar a classificação das providências cautelares entre conservatórias e antecipatórias, tanto mais que, por vezes, se verifica uma sobreposição entre as funções conservatória e antecipatória”. Assinalando em seguida que não é pela simples circunstancia de uma determinada providencia cautelar antecipar certos efeitos da decisão definitiva que, sem mais, se deva concluir que nos encontramos perante uma providencia antecipatória. Contudo apesar das dificuldades que possa apresentar a distinção entre providencias antecipatórias e conservatórias a ela se não pode deixar de recorrer, na medida em que o grau de exigência ao nível do fumus boni iuris é diferente consoante se trate de providencia antecipatória ou conservatória, sendo o legislador claramente, mais exigente no concernente às providencias antecipatórias, o que, de resto, bem se compreende, uma vez que estas, como refere professora Carla Amado Gomes “activam o desenvolvimento da situação controvertida, alterando o estado de coisa existente no momento da apresentação do pedido, consumido, total ou parcialmente, o conteúdo da decisão final”, enquanto que as conservatórias como que “congelam o estado das coisas existentes no momento da apresentação do pedido até resolução final do litigio”.
A providência será conservatória quando o interessado pretenda manter ou conservar um direito, ou seja, aqui o que pretende é manter o status quo, procurando que ele se não altere. Por sua vez, a providência será antecipatória quando o interessado vise alterar o statu quo, mediante a antecipação de uma situação que não existia anteriormente”.
Tendo em conta as considerações apontadas, cumpre destacar, que a grande originalidade da disciplina do fomus boni iuris no CPTA consiste em estabelecer uma graduação do critério para a sua identificação, conferindo-lhe uma importância decisiva em situações de manifesta procedência do pedido principal e estabelecendo uma diversa formulação consoante esteja em causa a adopção de uma providência antecipatória ou conservatória.

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