quarta-feira, 17 de dezembro de 2008


A evolução do Contencioso Administrativo em Portugal
É importante desde já notar que a evolução do contencioso administrativo português não se fundou em bases genuínas. No nosso país, seguiu-se o modelo de Direito Administrativo de tipo Continental, inspirado no sistema de justiça administrativa francês e alemão, não tendo assim ocorrido uma criação verdadeiramente original e própria de um Direito Administrativo português.
No Século XIX, no período do Estado liberal o Direito Administrativo, foi construído influenciado por este modelo de Estado. O poder executivo estava centralizado e concentrado no governo, enquanto que a actuação administrativa dos poucos organismos públicos era regulada de forma unitária. Com a transição para o Estado Social e posteriormente para o pós-social, verificou-se uma progressiva desconcentração e descentralização de poderes, isto porque o Estado passou a preocupar-se com a satisfação de necessidades colectivas da sociedade, existindo assim uma emergência de novas preocupações e direitos sociais como a saúde e ou educação. Surgindo assim a existência de uma nova administração, uma Administração prestadora. Passando a existir então uma separação entre governo e administração, estes deixam de ser sinónimos, o que levou a uma autonomização do poder local em relação ao poder central, e uma maior amplitude das entidades públicas.Se analisarmos a posição defendida pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, vemos como estes aspectos históricos influenciaram a evolução do contencioso administrativo português e como eles a ajudam a contextualizar. Esta teoria de evolução do contencioso administrativo consubstancia-se em três fases: a primeira; a do “pecado original” que é marcada pela promiscuidade entre as tarefas de administrar e julgar, a segunda a do “baptismo “, que corresponde à plena jurisdicionalização, uma vez que a justiça administrativa vai libertar-se da administração, adquirindo a natureza de uma jurisdição autónoma; e por fim a fase da “confirmação“, pois é reafirmada a sua natureza jurisdicional, passando o juiz a ter independência em relação à administração, e consagrando-se a protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares, afirmando assim a tutela subjectiva. Seguindo assim o modelo alemão, ao qual o nosso contencioso foi beber, a par com o sistema francês, várias influências.
Esta fase da “confirmação” do Contencioso Administrativo, tem dois sub-períodos distintos, correspondendo o primeiro, já referido, ao período de constitucionalização e o segundo, ao período da europeização.O período da europeização é marcado por aspectos demonstrativos da progressiva influência exercida pelo ordenamento europeu no ordenamento nacional.Tal como o Prof. Vasco Pereira da Silva, afirma no seu O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise “ (...) Verifica-se nos nossos dias, um fenómeno novo de europeização do Direito Administrativo, na sua dupla vertente de criação de um Direito Administrativo ao nível europeu e de convergência dos sistemas de Direito Administrativo dos Estados-membros da União”, o Direito Administrativo acaba assim por ser direito europeu concretizado, existindo uma interdependência entre ambos. De facto ao nível da União Europeia tem sido tratadas de um modo cada vez mais especifico, questões de relevância extrema do Direito Administrativo, como por exemplo a Contratação Pública. É importante referir também que parte das “normas” de Direito europeu é de construção pretoriana, ou seja, de origem jurisprudencial, resultado da cooperação entre os Tribunais nacionais e o ordenamento europeu.
Desta criação jurisprudencial e legislativa resultam normas tanto de cariz substantivo como processual, tendo estas ultimas vindo a adquirir uma importância crescente, resultando numa cada vez maior convergência dos sistemas processuais dos Estados-membros, sendo várias as regras comuns integrantes do Direito do Processo Administrativo Europeu. Sendo de destacar uma consagração europeia do direito à tutela judicial efectiva, no seio do Tribunal de Justiça, ao afastar o efeito preclusivo do direito de acção, no âmbito da legislação nacional, contra as entidades públicas, se houver incompatibilidade entre o Direito Europeu e o Direito Interno e ao conceder aos tribunais internos, a possibilidade de conhecimento oficioso por parte destes. Outro ponto importante tem que ver com o facto do juiz nacional, na qualidade de Juiz comunitário, ter plenos poderes, tanto em relação ao processo principal como em relação às providências cautelares, em que os órgãos administradores da justiça, têm a susceptibilidade de criar novos meios processuais, relevando-se aqueles insuficientes (Acórdão TJ, 19 de Junho de 1990). Também, em matéria de contratação pública, como já referido, se efectivou um regime jurídico de tutela europeia. Os Estados Membros, podem incorrer em responsabilidade civil extra-contratual, no âmbito dos poderes públicos, tendo os países comunitários o dever de ressarcir os danos causados, através de sanções pecuniárias. Uma outra regra importante, ao nível do processo administrativo europeu, tem a ver com uma maior amplitude de impugnabilidade de actos lesivos da esfera jurídica dos indivíduos, sendo assumida uma amplitude conceptual do acto administrativo. Conclui-se assim que esta interpenetração horizontal, ao nível de construção dogmática, dos princípios e dos institutos, resulta de uma interacção entre o tribunal de Justiça das Comunidades e os direitos administrativos nacionais dos países comunitários, que têm convergido entre si e pela crescente autonomia do direito processual administrativo, em relação ao direito administrativo substantivo e conjuntamente uma harmonização dos sistemas processuais dos Estados Membros.
Voltando à evolução portuguesa o modelo francês de justiça administrativa foi introduzido com a legislação de Mouzinho da Silveira, em 1832, a qual proibia os tribunais comuns de julgarem a administração, instituindo os “Conselhos da Prefeitura” e o “Conselho” de “Estado. Ao mesmo tempo assistiu-se a uma lenta transição do sistema do administrador-juiz para o sistema dos tribunais administrativos.Com a Constituição de 33, manteve-se a lógica de justiça delegada, com os tribunais administrativos a serem configurados como órgãos da administração, embora com exercício da função jurisdicional.
De facto a evolução em Portugal é bastante mais lenta do que nos países europeus da mesma família. A fase do “Baptismo” é simultânea à “Confirmação”, uma vez que é realizada em consonância com o reconhecimento dos direitos dos particulares, configurando se assim a superação dos traumas da “infância difícil”.O processo de constitucionalização, já referido, vai aproximar o contencioso dos países europeus, esbatendo as diferenças entre os modelos francês e alemão.
Este contencioso que surge é consequência de um entendimento diferente das relações entre a Constituição e os tribunais a nível interno e ao nível externo com a multiplicação de fenómenos jurídico-administrativos no âmbito das Organizações Internacionais. Constituindo a União Europeia uma Ordem Jurídica própria, as suas regulações penetraram nos ordenamentos jurídicos dos Estados Membros (Directivas, regulamentos), em atenção ao primado do direito comunitário sobre o Direito Interno dos mesmos.
Relativamente ao novo regime do contencioso administrativo, resultando da reforma de 2004 podemos distinguir dois planos, o plano de organização e funcionamento dos tribunais e o plano da regulação do regime processual.No primeiro houve a necessidade de libertar os tribunais superiores das vastas competências de julgamento em 1ª instância, criando uma rede de tribunais administrativos de 1ª instancia que permita uma cobertura adequada do território nacional. Um aspecto importante foi a transferência dos tribunais tributários para o ministério da justiça, passando agora a existir tribunais administrativos e fiscais, pondo se um ponto final na promiscuidade entre o tribunal que julgava e a administração tributária que era julgada por ele.
Passaram a existir dois Tribunais Centrais Administrativos, um do Norte e outro do Sul em substituição ao Tribunal Central Administrativo visando um melhor acesso por parte da comunidade. Surgem também novos meios de gestão de processual ao nível da organização interna dos tribunais com o proposito de uma justiça mais eficaz e eficiente. No âmbito da regulação do regime processual a influência do modelo francês ainda era muito pesada, nomeadamente com o recurso de anulação de actos administrativos, e ao nível dos meios de prova era premente a concretização da defesa efectiva dos direitos dos cidadãos perante a administração.Concretizando-se a possibilidade de impugnação de actos administrativos e de regulamentos e bem como a possibilidade de obter o reconhecimento de direitos ou interesses, como a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de providências cautelares adequadas. Pretendeu-se assim assegurar que os tribunais administrativos proporcionassem uma tutela jurisdicional efectiva a quem a eles se dirige-se, com base no principio que todos os direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos podem ser objecto da acção que melhor se adequa à sua protecção jurisdicional.
Relativamente à tutela cautelar antes centrada no instituto da suspensão da eficácia dos actos administrativos passa a ser mais ampla, permitindo a quem tem legitimidade, toda e qualquer providência cautelar, conservatória ou antecipatória. Surge pela primeira vez no contencioso administrativo o poder dos tribunais administrativos adoptarem verdadeiras providências de execução nas suas decisões. Em conclusão esta reforma afasta o modelo francês reforçando a influência do modelo alemão, conduzindo a uma profunda transformação das relações entre a Administração e os particulares. Conclui-se também que o contencioso português não se pode afirmar como “autocéfalo” uma vez que se tem conformado com a adopção de medidas pensadas por outros ordenamentos jurídicos. Perante o exposto, considera-se, também, que o nosso Processo Administrativo de foi atingido de forma flagrante pela europeização geral ocorrida ao nível dos outros Estados Membros.
Maria Catarina G e Santos subturma 12
15242

Sem comentários: