terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Comentário à 4ª Tarefa

A tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos é de facto garantida pelo CPTA, que acaba por ser a concretização do art. 20º nº1 da Constituição.
Essa tutela é sempre feita caso a caso, e sempre a pedido do particular. A tutela é assim decidida conforme o caso apresentado (inspiração subjectivista).
Acção susceptível de tutelar esses interesses é a acção de declaração da ilegalidade das normas (impugnação de normas) prevista nos art. 72º e seguintes do CPTA.
Como o próprio nome indica, o objectivo desta acção é obter a declaração da efectiva ilegalidade da norma de forma a expurgá-la do ordenamento jurídico.
Expurgar uma norma jurídica com base na sua ilegalidade é claramente uma acção de interesse público (inspiração objectivista). Ninguém quer cumprir uma norma ilegal, pois ela é violadora do ordenamento jurídico. Ela põe em causa a segurança jurídica, bem como a confiança que os cidadãos depositaram nessa norma. A norma ilegal confere assim o direito ao cidadão de não a cumprir, nem a respeitar legitimamente.
No contencioso administrativo, a acção aqui referida pode ter dois pedidos: a declaração de efeitos com força obrigatória geral (art. 76º CPTA) e a declaração de efeitos sem força obrigatória geral (art. 73º nº 2 CPTA - “pode obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto".
O que difere os dois pedidos, é que no primeiro a declaração de ilegalidade tem efeitos desde a data da emissão da norma e determina a repristinação das normas que ela haja revogado (ler com atenção o art. 76º, pois este é bastante importante!). No segundo caso, os efeitos da norma são circunscritos ao caso concreto.
A declaração com força obrigatória geral tem uma grande especificidade em termos de pressupostos. O particular só pode pedi-la se essa mesma norma já tiver sido recusada em três casos concretos. Só assim é que o particular poderá pedir isto. Parece-me que o legislador ao fazer esta pequena limitação ao particular quis impedir o cidadão de fazer as suas próprias valorações no ordenamento jurídico. Só por o particular achar que aquela norma é ilegal, não quer dizer que ela de facto o seja. Mais, aquela norma pode ser ilegal naquela situação e na época em que se insere, mas como o direito está sempre em constante mudança, não quer dizer que daqui a alguns meses aquela norma seja ilegal de igual modo.
Esta exigência de três casos concretos, tem também uma outra função: a de «dar mais peso» à pretensão do particular e assim comprovar que aquela norma de facto «não está a fazer nada» no ordenamento jurídico, apenas está a perturbar a confiança que o particular depositou na norma em questão.
No que concerne à declaração de ilegalidade no caso concreto, o professor Vasco Pereira da Silva acha inadmissível o juiz poder decidir-se pela ilegalidade da norma num caso concreto e mesmo assim deixá-la subsistir no ordenamento jurídico. Para este professor, esta permissão é uma inconstitucionalidade por violar o princípio da legalidade, da igualdade, do Estado de Direito, pondo em causa a coerência e a unidade do ordenamento jurídico. Visto as coisas deste prisma, o professor tem a sua razão. Não é afinal também função do juiz zelar pela Lei? Então se a desaplica no caso concreto porque é ilegal, não poderá ele também podê-la desaplicar com força obrigatória geral porque ela é violadora do ordenamento jurídico? Desta forma, e a meu ver, poder-se-ia eliminar à partida, muitos processos futuros em que o objecto é a mesma norma, e assim evitar-se-ia o congestionamento dos tribunais em Portugal. Também aqui o juiz poderia zelar pelo interesse público!
O professor Vieira de Andrade nos seus ensinamentos, refere uma nota bastante pertinente que me parece aqui ser importante referir.
No pedido de declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral, o particular poderá pedi-la com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação “directa de direitos ou interesses legalmente protegidos ou dos valores comunitários susceptíveis de acção popular.” O particular já não poderá alegar este fundamento no pedido de declaração com força obrigatória geral, pois isso já significaria alargar o âmbito dos efeitos da norma ilegal (agora inconstitucional) a todos os casos. Desta feita, o tribunal administrativo já estaria a agir fora da sua área jurisdicional, pois o único tribunal com competência para declarar a inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral é o Tribunal Constitucional. O nosso Tribunal Supremo!!!!
Terminando, sou da opinião de que o cidadão/particular também pode ter um papel activo no ordenamento jurídico em que se insere, podendo, caso o entenda, chamar a atenção dos tribunais (tanto administrativos, como civis, como penais) para a existência de normas ilegais (ou inconstitucionais), zelando também este pelo interesse público. Mais! Penso até que ao fazer isso ele estaria a cumprir o seu dever cívico!
Que a defesa do interesse público não recaia só em cima do MP ou do juiz. Estes órgãos bem necessitam de mais «um par de olhos», que pode muito bem ser o próprio cidadão, que por acaso esteja a intentar uma acção de declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral. O juiz bem que podia fazer o favor, e se no caso se aplicasse, de declarar com força obrigatória geral a ilegalidade da norma.

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