quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Reforma e retrocesso serão sempre opostos?!NÃO

Na impugnação de normas, o objecto do processo é constituído por normas regulamentares – na terminologia da lei, normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo (72.º/1 CPTA). Normas que o impugnante (considera contarias à lei (excluindo as normas que contrariem as leis referidas no art.º281/1 CRP pois, neste caso, a declaração de ilegalidade é da competência do Tribunal Constitucional).
O pedido de impugnação é a declaração da ilegalidade destas; a causa de pedir é a alegada contradição material de tais normas como uma lei – nomeadamente com a lei regulamentada, no caso dos regulamentos de execução –, ou a ofensa das normas legais aplicáveis ao procedimento de produção do regulamento (art.72.º/1, 2ªparte, CPTA).
Na frase em análise do Prof. Vieira estão subjacentes dois efeitos da decisão de impugnações de normas, para além da critica às inovações da reforma neste âmbito. Pode considerar-se que a impugnação de normas apresenta duas modalidades, uma vez que são admissíveis dois tipos de pedidos: o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto (73.º, nº2 CPTA). Sendo esta nova modalidade de declaração de ilegalidade concreta de normas jurídicas (gerais e abstractas) merecedora de reparos, tanto do ponto de vista lógico, como também do constitucional, como do europeu. Destarte, apresenta-se crucial explicitar os pressupostos e efeitos da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, sobre os quais se tecem inúmeras criticas. O art.76.º esclarece os efeitos desta declaração que tem o seu modelo, herdado da lei anterior, na CRP. Característica de especial referência é, por um lado, a retroactividade, sendo a norma eliminada da ordem jurídica desde o momento em que foi editada (não era assim na lei anterior, pois o nº1 do art.1.º do ETAF dispunha que a declaração de ilegalidade somente produzia efeitos a partir do transito em julgado); por outro lado, o chamado efeito repristinatório, ou seja, a circunstância de tal eliminação ter como consequência o “renascimento” da norma regulamentar que havia sido revogada e substituída pela norma que o tribunal declarou ilegal (art.76.º/1 CPTA) sem prejuízo de o tribunal poder determinar que os efeitos se produzam apenas para o futuro, quando tal se justifique por razões de segurança jurídica, de equidade ou interesse público de excepcional relevo. Importa também salientar, que esta só pode ser pedida pelos particulares interessados depois de a norma ter sido desaplicada em três casos concretos, requisito que, no entanto, não é exigido se o pedido for feito pelo MP, oficiosamente ou a requerimento das entidades legitimadas para a acção popular – é desta inibição aos particulares que decorre a critica professada na frase, pois a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral é encarada como uma questão de interesse público. Resta agora justificar o comummente considerado retrocesso trazido pela reforma: no direito anterior era possível reagir contenciosamente contra regulamentos administrativos mediante duas formas distintas: através da declaração de ilegalidade de normas administrativas (artigo 66.º LEPTA) - um meio processual genérico; e através da impugnação de normas (artigos 63.º e ss LEPTA) – meio processual especial. Dualidade esta, não muito lógica e de difícil explicação, já que os meios processuais apresentavam requisitos diferentes e, ainda por cima, possuíam um âmbito de aplicação, pelo menos, parcialmente sobreposto. Nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, trata-se de uma “dualidade esquizofrénica”! Com a reforma do Contencioso Administrativo verificaram-se grandes alterações, principalmente, a uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar pondo termo à dicotomia de meios processuais. Contudo, a mutação de regime veio limitar fortemente a impugnabilidade das normas, em função de uma ideia claramente objectivista. Esta aproximação ao modelo da impugnação constitucional (281.º/1 CRP) não se justifica e, não será “arriscado”, afirmar que reforma e retrocesso são, neste caso, faces da mesma moeda, sendo agora pressuposto segundo o preceituado e já referido art.73/1 CPTA a anterior recusa da aplicação da norma, em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade, para que possa vir a ser declarada com força obrigatória geral, quando pedida por quem seja ou possa vir a ser presumivelmente prejudicado pela aplicação da norma – “desfalque” claro, da protecção plena dos titulares de direitos e interesses legalmente protegidos.

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