quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

"Welcome to Jurassic Park" ou "eu também sei pôr títulos estilosos" 4ª tarefa

Verifica-se, pois, que o CPTA assegura protecção plena dos titulares de direitos e interesses legalmente protegidos ao nível do caso concreto, como decorre da imposição constitucional, mas encara a declaração da ilegalidade das normas com força obrigatória geral como uma questão predominantemente de interesse público, para a qual estabelece soluções de inspiração objectivista, em termos que podem ser susceptíveis de crítica pelo aparente retrocesso operado.

Pessoalmente, adoro a norma do 73º. Tem todos os elementos que faltam aos restantes artigos do Código. Se o resto do Código vai admitindo a relação simbiótica entre os interesses públicos e privados, o artigo 73º admite que a coexistência de um e outro só é possível se levarem os dois a sua avante – o acto ilegal em vigor e o prejudicado dele protegido, com força obrigatória particular. Se o resto do Código consagra igual legitimidade aos particulares e ao Ministério Público (pese algum desconto dado ao menos diligente ((sarcasmo)) MP em matéria de prazos), o artigo tem a desfaçatez de investir os advogados do Estado com acrescidas responsabilidades no combate à ilegalidade.Se o resto do Código reconhece o valor dos particulares na detecção dos problemas e na restauração da paz jurídica, o artigo é mais parcimonioso no que toca a louvar a sua actuação – e só lhes atribui impulso processual de carácter geral quando a álea determine que estes sejam os quartos a requerer, com sucesso, o mesmo. Quando o resto do Código se recusa a admitir mérito algum na manutenção da ilegalidade, o artigo apressa-se a recordar que há alegria na ilicitude, e que há virtude no vício.
É destas contradições que gosto nesta norma. Do facto destas contradições não revelarem fraquezas normativas ou casuais, mas fraquezas sistémicas de uma ordem já desaparecida. Do facto de ela ter a qualidade que desculpa a sua incoerência: o quão profundamente é um pouco de tudo, menos aborrecida. Um orgulho em estar só que passou de moda antes de passar de regime. Ela é um fóssil vivo, um testemunho de uma forma perdida de encarar as matérias da Administração. Olhando para ela, e sempre munido da capacidade do jurista de se entusiasmar com insignificâncias, não deixo de me sentir como as personagens do filme de Spielberg, entrando num mundo que julgavam sepultado. Uma ilegalidade, assim declarada por um juíz, que continua em vigor após essa declaração... pode muito bem ser o nosso dinossauro. Um desafio à extinção, à lógica, às regras do tempo e do espaço como as conhecemos. E isto, eventualmente, com direito à sempre bem-vinda animação proporcionada pelo devorar daqueles que não requereram as providências adequadas. Ver que o Leviathan ainda mexe não deixa de convidar à nostalgia.Seria até aprazível, se não entendesse ser nosso dever acabar com isso tudo.
“Welcome to Jurassic Park”

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