quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O Silêncio da Administração

O silêncio da Administração, ou seja, a ausência de uma decisão expressa da Administração
relativamente a uma petição a si dirigida por um particular, tornava-se um entrave ao particular, n a medida em que não lhe permitia aceder á justiça por não existir uma decisão.
Com a criação do indeferimento tácito, o particular poderia, então, accionar o respectivo meio de impugnação contenciosa. Assim, o indeferimento tácito foi criado para que o particular pudesse efectivar o exercício do direito de recurso.
O princípio da decisão, orientador da actividade administrativa, art 9º, nos seus números, 1 e 2, consagra um dever genérico e um dever específico de decisão.
Do nº 1 decorre que sobre os orgãos da Administração recai um dever genérico de pronúncia sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos particulares, por via, designadamente, de petições, reclamações ou queixas. O dever de pronúncia possui natureza constitucional, uma vez que corresponde ao reverso do direito fundamental de petição dos cidadãos para a defesa dos seus direitos., art 52º CRP. Só que este dever não é, em si mesmo, um dever de decisão pois não pressupõe a instauração de um procedimento dirigido à prática de um acto administrativo. Por seu turno, o nº2 contempla especificamente o dever de decisão. Tal conclusão é retirada, pela referência que faz à prática de acto administrativo, que só se constitui quando a pretensão é formulada com vista à defesa de interesses próprios do particular, tendo por objecto o exercício de uma competência juridico-administrativa de aplicação da lei à situação jurídica do particular requerente, com a consequente abertura de um procedimento administrativo. Porém, optou por uma fórmula negativa para a sua caracterização, porquanto, limitou-se a explicitar os casos em que não há dever de decisão. Quando há menos de dois anos contados da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo particular, com os mesmos fundamentos. Estabelece, portanto, uma dispensa legal do dever de decisão. A contrario sensu, a Administração tem o dever de decidir o requerimento que o particular refaça, passados dois anos desde a decisão anterior.
Tal dever de decisão manifesta-se não apenas nos procedimentos administrativos desencadeados pelos particulares mas também nos de iniciativa oficiosa. Ainda que o administrado não tenha pedido ou requerido, o dever de decisão, no âmbito de um procedimento oficioso, surge ligado a uma exigência de conclusão do procedimento, pela expectativa que se cria quando vise a prática de um acto favorável, pelo interesse no seu fecho, perante a iminência de um acto desfavorável.
Até à entrada em vigor do CPTA, os casos de indeferimento tácito não estavam abrangidos por esta dispensa legal, assim, perante a ausência de decisão expressa da Administração sobre o requerimento apresentado, o particular podia sempre formular um novo requerimento com o mesmo pedido e fundamento. Tinha como única limitação aguardar pelo decurso do prazo geral de conclusão do primeiro procedimento- 90 dias-, nos termos do art 58º do CPA. Com efeito, só após a passagem daquele prazo, podia o particular concluir pela omissão da Administração, pela não prática de um acto administrativo
Contudo, o CPTA veio introduzir alterações fundamentais, o legislador ordinário consagrou uma dualidade de meios principais, através da criação da acção administrativa comum e da acção administrativa especial, tendo optado por uma pronúncia condenatória- condenação à prática do acto devido-, a semelhança do modelo alemão, integrando-a na acção administrativa especial. De facto, na condenação á pratica do acto devido é clara a presença de um acto administrativo, cuja emissão é necessária para a concretização do direito ou interesse legalmente protegido do particular, pelo que se enquadra na perfeição na acção administrativa especial. De acordo com o artigo 66/2, o objecto do processo, no seio desta acção, é a pretensão do interessado e não a averiguação da ilegalidade da conduta da Administração, independentemente de na sua origem estar uma falta de pronúncia, um acto administrativo de indeferimento ou uma recusa de apreciação do requerimento apresentado. A condenação à prática de acto devido intervém não apenas quando esteja em causa a adopção de actos de conteúdo estritamente vinculado, mas também quando a prática do acto administrativo ilegalmente recusado ou omitido envolva poderes discricionários.

A acção de condenação do acto legalmente devido e o indeferimento tácito

O indeferimento tácito só fazia sentido pela necessidade de ficcionar um objecto de impugnação, era por isso um mal necessário.
Ora, a partir do momento em que se deixa de fazer depender do acesso à jurisdição administrativa da existência de um acto administrativo, deixa de ser necessário ficcionar a existência de tal acto nas situações em que ele não existia. Com efeito, a previsão de um novo meio processual, especialmente vocacionado para a reacção contra a inércia administrativa, retira toda a utilidade prática ao instituto, não justificando continuar a prever a impugnação anulatória de indeferimentos tácitos. Neste sentido, a doutrina é unânime em afirmar que o CPTA procedeu à abolição da figura do indeferimento tácito.
A condenação da Administração à pratica de acto administrativo legalmente devido é admissível em três situações. Porém, é a alinea a ) do artigo 67º/1 que é relevante, por ser aquela que se refere á ausência de decisão proferida dentro do prazo legalmente estabelecido.
Verifica-se a situação da al a) quando, tendo sido constituída no dever de decidir, nos termos do art 9º CPA, a Administração permanece silenciosa, sem proferir qualquer decisão, até expirar o prazo legalmente estabelecido para o efeito. Isto é, corresponde às situações de incumprimento do dever de decidir que até aqui davam lugar à formação de actos de indeferimento tácito, nos termos do art 109º do CPA.
Portanto, o silêncio da Administração, tal como surge no CPTA, deve ser encarado como uma “omissão pura e simples” e não como um “ mero facto” constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de condenação à prática do acto ilegalmente omitido, e também não n podendo ser encarado como expressão de uma qualquer manifestação de vontade do órgão decisor.
A possibilidade de utilização de um meio impugnatório, como forma de reacção contra as situações de incumprimento do dever de praticar actos administrativos, resulta excluída, sendo o autor convidado pelo tribunal a substituir a petição para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do acto devido, art 51/4.
Deste modo, a extinção da figura do indeferimento tácito dá-se não só por uma questão de pura desnecessidade, mas também porque a lei processual não admite, hoje, que se forme um indeferimento tácito para efeitos de impugnação. O meio de tutela adequado, será em princípio, o processo de condenação á prática de acto devido.
Em conclusão, Reforma do Contencioso de 2004, introduziu diversas inovações no direito processual administrativo, impondo-se uma revisão do CPA, que reflita adequadamente, ao nível do procedimento, as alterações do âmbito do processo, desde logo, resulta a evidente necessidade de se ajustar ao nível do silêncio da administração. O indeferimento tácito era a regra geral, resultando dos artigos 108º e 109º, hoje a regra consiste em tomar uma reacção contenciosa perante o silêncio da administração através de uma acção especial de condenação à prática do acto legalmente devido.

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