quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Intimação para direitos, liberdades e garantias

Breve introdução:
Com este trabalho visa-se, sobretudo, explicitar a importância da figura ao nível da concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva, sem poder deixar de recorrer a uma breve evolução histórica, bem como esclarecer as eventuais dúvidas que os pressupostos deste meio processual causarão.

As intimações que se traduzem para o tribunal na possibilidade de impor determinado comportamento, activo ou omissivo, à Administração (ou aos particulares), foram introduzidas no ordenamento jurídico português na reforma de 1984/85 na veste dos meios processuais acessórios, atípicos, por não se reconduzirem ao recurso, nem à acção. Parecem ter na base as injuctions anglo-saxónicas, e encontram também paralelo em alguns référés franceses.
À luz do velho cpta, existia a intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões art.82 e ss lpta, bem como a intimação para comportamento art.sº86 e ss lpta. A primeira mantém-se no novo cpta nos mesmos moldes. A segunda, destinava-se a permitir a reacção contra a violação ou ameaça de violação de normas de direito administrativo, por acção ou omissão, levadas a cabo por particulares ou concessionários, não podendo de forma geral ser utilizado para intimar a administração. Tal limitação levantava várias dúvidas, face à amplitude com que a constituição reconhece, principalmente a partir de 1997, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, sobretudo tendo em conta que a administração lesa, efectivamente os particulares através das suas operações materiais e actuações que não se reconduzem a actos administrativos e que configuram violação de normas de direito administrativa.
A revisão constitucional de 1997 introduz o nº5 do artº20 crp, o que possibilitou a invocação na doutrina a extensão da intimação à administração, o próprio prof.Viera de Andrade veio invocar a inconstitucionalidade desta limitação, o que nos deixou mesmo perante uma antecipação da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Tal intimação veio a resultar de uma evolução natural, evolução essa coincidente com a evolução do próprio contencioso administrativo em Portugal, no sentido subjectivista.
Actualmente se bem que não existe, no cpta, nenhum meio processual designado intimação para comportamento, afigura-se demasiado radical afirmar que a nova lei processual tenha pura e simplesmente dispensado a intimação para comportamento – terá havido, antes, uma reconversão /evolução da figura. Note-se que a possibilidade prevista no nº3 do art.37 do cpta traduz a autonomização da intimação para comportamento de particulares e concessionários no âmbito da acção administrativa comum. Carla amado gomes, entende que houve uma reconversão em providência cautelar.
Ainda em 1997 na chamada “revolução coperniciana da justiça administrativa”, nas palavras do prof. Vasco Pereira Da Silva, o legislador constituinte, veio a acrescentar o nº5 ao art. 268º crp, resultando da leitura dos nºs 4 e 5 estarmos perante uma alteração material do entendimento do direito fundamental de acesso à justiça administrativa. Agora, a lógica de todo o contencioso administrativo assenta nos diferentes meios processuais, principais e acessórios, sejam eles destinados ao reconhecimento de direitos, à impugnação de actos lesivos, à condenação da Administração, ou a acautelar direitos dos sujeitos processuais.

Actualmente este processo urgente para defesa dos direitos fundamentais, prima pela celeridade e prioridade, o que aproxima o modelo de garantias contenciosas previsto na lei processual com o modelo constitucional, visando responder a necessidades e reivindicações já conhecidas, é neste momento, dada a sua novidade, um “processo arcano”. São, portanto, imensas as dúvidas e incertezas sabre um processo que ainda pouco se esclareceu.
No título IV relativo aos processos urgentes o legislador concentra alguns dos processos antigos com esta natureza juntamente com outros novos. Tanto os antigos caracterizados pela aceleração processual, sem que exista uma diminuição da intensidade de cognição, como os novos – cuja estrutura sumária é mais nítida – têm como denominador comum desembocar em pronúncias judiciais definitivas quanto ao fundo da causa.E talvez tenha o legislador, por esta razão, que é, aliás significativa, – optado por distinguir sistematicamente os processos cautelares, previstos no titulo V do cpta.
A título de exemplo, uma primeira dificuldade diz respeito ao seu âmbito de aplicação: só os direitos, liberdades e garantias pessoais? O art. 20 nº4 crp constitui uma imposição legifrante, no entanto os órgãos de decisão politica hão-de gozar, por certo de uma relativa margem de liberdade – de liberdade de conformação a eles inerente e postulada pelo pluralismo democrático e pela alternância. Consequentemente o legislador ordinário poderá e deverá institucionalizar processos céleres e prioritários para a defesa de direitos liberdades e garantias de participação política.

Os pressupostos do pedido de intimação são os seguintes:
- Necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para a protecção de um direito, liberdade e garantia;
-Que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa normal, seja comum ou especial;

Começando pela especificação do segundo, há que averiguar se estamos efectivamente, perante uma falsa questão da subsidiariedade da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias face à tutela cautelar:
Se a única forma de tutelar os direitos e interesses em causa é através de uma providência cautelar, isso significa que o processo cautelar se convola em principal, já que o que se pretende é uma decisão definitiva. Se assim for, e porque já não se está aí perante uma verdadeira providência cautelar, a providência cautelar não é possível. Se, ainda, dentro do figurino da tutela cautelar, se outorgar uma verdadeira providência cautelar e com isso não se acautelar os direitos ou interesses em causa, a providência cautelar não é suficiente. E não o é, porque o que se quer acautelar não é o risco da usura do tempo, a demora do processo principal, a urgência cautelar, mas sim a urgência da decisão da questão de mérito, ou seja a urgência da questão principal.
A impossibilidade ou insuficiência da medida cautelar urgentíssima provisória em relação ao decretamento provisório de uma providência cautelar constituem, por conseguinte, o centro da análise para aferição das situações em que se impõe o recurso à intimação. A análise das referidas condições de admissibilidade revelará quando é que a intimação se impõe frente ao decretamento provisório de uma medida cautelar, sabendo-se à partida, que não se trata de uma questão de maior ou menor rapidez na concessão da providência, pois o nº3 do artº131 e o art. 22 nº2 aludem ao mesmo prazo – 48h.
Face ao novo cpta o critério da insuficiência do decretamento provisório parece não fazer qualquer sentido, tendo em conta que a reforma do cpta expandiu o leque de tipologia de providências cautelares, designadamente, às providências que assegurem a tutela cautelar efectiva das posições subjectivas. Tal critério apenas fazia sentido antes da reforma do cpta. A única diferença que se mantém actualmente, é que através do decretamento provisório de uma medida cautelar, o juiz não pode decretar medidas definitivas que ponham em causa a utilidade do processo principal, contrariamente ao que acontece na intimação em que o juiz esgota necessariamente, todo o objecto do processo. Esta diferença remete-nos para as características que opõem procedimentos cautelares a processos principais. Assim, devemos entender, numa tentativa de encontrar sentido útil para o conceito legal de insuficiência, que esta diz actualmente respeito à insuficiência no modo como o decretamento provisório de uma providência cautelar acautele os direitos subjectivos do particular. Esta é também a interpretação mais consentânea com o pendor subjectivista deste cpta.
Se o que se pretende é uma regulação definitiva, o meio processual adequado há-de ser um meio principal. Nesse caso, se disser respeito a uma situação de especial urgência, de entre as que o legislador configurou como tal, então o meio processual adequado é um processo urgente se, por outro lado, não se tratar de nenhuma dessas situações o meio processual adequado é um processo não urgente. Para acautelar o efeito útil da decisão final, pode ser decretada uma providência cautelar, inclusive de forma urgente, se houver periculum in mora relativamente à adopção dessa mesma providencia nº3 artº131cpta. Não se está assim, perante uma alternativa relativamente à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, já que o que se pretende não é uma decisão definitiva.
Concluindo, se estivermos perante uma situação em que seja indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, a imposição à Administração de uma conduta positiva ou negativa, não se verifica um dos pressupostos processuais que permitem o recurso ao processo urgente – o da necessidade em sentido absoluto, i.é, indispensabilidade – e por isso, a forma mais adequada será a solução combinatória de acção principal e providência cautelar, o que decorre da excepcionalidade (e não subsidiariedade) dos processos urgentes que por implicarem uma cognição mais abreviada, se entendem menos garantisticos do que a tramitação não urgente.
No fundo, a problemática da subsidiariedade da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias reconduz se à questão de saber se a solução para determinada situação que está ameaçada de lesão pode alcançar-se por via de um juízo que incida sobre o fundo da causa ou de um juízo que apenas assegure a utilidade de uma sentença, e se deve alcançar-se através de uma composição definitiva ou de provisória.

Quanto à indispensabilidade, e apesar da conclusão quanto à falsidade da subsidiariedade da intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias, cabe ao particular/requerente da intimação alegar e provar que só a procedência do pedido de intimação lhe proporcionará a plenitude do exercício do seu direito, ou seja o requerente da intimação não se poderá limitar a alegar uma dificuldade de exercício deste ou daquele direito, terá antes que provar que tem uma absoluta e incontornável necessidade de intimação. Esta indispensabilidade é avaliada pelo juiz. Foi precisamente por não ser indispensável para assegurar o exercício dos direitos fundamentais invocados no processo que foi negada a pretensão requerida pelo barco “women on waves”.


Bibliografia:
O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos,…Mário Aroso De Almeida,…Almedina 2005;
Novas e velhas andanças do contencioso administrativo – estudos sobre a reforma do processo administrativo,…aafdl lisboa 2005;
Estudos de direito publico,…edições âncora 2006;
Anabela f. da costa leão,…edições faculdade de direito da universidade nova de Lisboa;
Das intimações,…Sofia David,…edições Almedina 2006;
Elementos de contencioso administrativo, edições aafdl Lisboa 2005;
Ac.18/11/2004sta;
Dos novos processos urgentes no contencioso administrativo, … Isabel celeste m. Fonseca,…lex Lisboa 2004;
O Contencioso Administrativo na divã da psicanálise,…Vasco Pereira Da Silva,…Almedina 2005.

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