quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Comentário à 4ª Tarefa

A impugnação de normas é uma acção administrativa especial regulada nos art.º72º a 77º CPTA, está aqui em causa o contencioso de impugnação das normas regulamentares emanadas no exercício da função administrativa.
O Professor Vasco Pereira da Silva considera a existência do contencioso de normas regulamentares uma marca distintiva do direito português comparando com o modelo francês que não autonomizou o contencioso regulamentar dos actos administrativos, e com o modelo alemão, que prevê meios processuais de alcance restrito, relativos a determinadas categorias de regulamentos.
Foi na revisão constitucional de 1997 que se estabeleceu a garantia da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, artº268º/5 CRP, o direito dos cidadãos a ”impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesiva dos seus interesses legalmente protegidos”.

Existiu sempre alguma resistência à admissibilidade de impugnação judicial directa de normas administrativas, como salienta Vieira de Andrade a dificuldade de impugnação era sentida em dois planos. Primeiro por serem regras gerais e abstractas logo não seriam susceptíveis de produzirem lesões directas na esfera dos particulares, segundo, estando em causa regulamentos governamentais era “imperativo” o respeito pela autoridade normativa do Governo.
Vasco Pereira da Silva salienta o entendimento que se deve ter por regulamentos administrativos para efeitos processuais, atendendo ao, artº120º CPA, que define o conceito do acto administrativo, e aos, artº114º e ss do CPA que refere os regulamentos administrativos, só os actos administrativos gozam simultaneamente de “individualidade e concretude”, então são regulamentadas todas as disposições unilaterais que sejam só gerais, ou só abstractas, ou ambas.
Consequentemente, para aplicação da acção administrativa especial denominada para impugnação de normas, artº72º ss, são consideradas “todas as actuações jurídicas gerais e abstractas ou que possuam apenas uma destas características emanadas de autoridades publicas, ou de particulares que com elas colaborem, no exercício da função administrativa”. Excluindo-se os actos materialmente administrativos individuais e concretos, bem como as normas jurídicas emanadas da função legislativa.

Anterior à reforma existia três formas para reagir contenciosamente contra regulamentos administrativos. Uma via incidental, em que o regulamento era apreciado indirectamente à questão principal, uma via processual genérica, declaração de ilegalidade de normas administrativas, e uma via processual especial, a impugnação de normas, cujo âmbito de aplicação era limitado em virtude de apenas se poder impugnar regulamentos provenientes da administração local comum.
Desta dualidade de meios processuais, a qual o Professor Vasco Pereira da Silva considerava “esquizofrénica” evolui-se para o regime de contencioso administrativo actual, que uniformizou o regime contencioso regulamentar do qual faz parte a acção administrativa especial, impugnação de normas.
Assim, no novo regime encontramos a regra geral, artº73º/1, em que a declaração de ilegalidade depende da existência de três casos concretos em que a aplicação da norma tenha sido recusada com fundamento na sua ilegalidade; a regra referente à acção pública artº73º/3º em que o Ministério Público pode pedir a declaração de ilegalidade verificando-se três casos concretos de desaplicação sem qualquer condição de eficácia das mesmas, tem também o Ministério Público o dever de pedir a declaração de impugnabilidade quando existam três decisões de desaplicação de uma norma, artº73º/4 CPTA. Por último, respeitante à acção para defesa de direitos (como a acção popular) tratando-se de 1 norma imediatamente exequível é possível a declaração de ilegalidade desde que apenas produza efeitos no caso concreto, artº73º/2.

Esta solução do legislador origina alguma perplexidade a Vasco Pereira da Silva uma vez que o Ministério Público passa a principal responsável pela impugnação de normas jurídicas, pois não existe qualquer condicionalismo, seja em relação a normas exequíveis ou não exequíveis, ou mesmo não tendo existido prévio julgamento acerca da sua ilegalidade.
Não se justificando para o actor popular ou particular condicionalismos mais restritos (três casos de desaplicação) mas permitindo ao actor popular( e não particular) a possibilidade de solicitar a intervenção do Ministério Público prevendo ainda a constituição como assistente, o que é contraditório, uma vez que o acto popular ao actuar em defesa da ilegalidade e do interesse público mas não possuindo interesse próprio na demanda possa constituir-se assistente, mas o particular que foi lesado nos seus direitos pela norma jurídica não o pode fazer!
Para corrigir esta situação, entende também o professor, ser necessário uma interpretação correctiva do artº72º/3 do CPTA, no sentido de alargar, também ao particular a possibilidade de se poder constituir como assistente do Ministério Público.
Sendo desfavorável para o particular este novo regime, esquecido a sua dimensão subjectiva, uma vez que os regulamentos são susceptíveis de produzir efeitos lesivos na esfera jurídica do particular. Ainda mais complexos se torna com a consagração na revisão constitucional de 1997, no artº268º/5, na medida em que no regime antigo o particular podia afastar da ordem jurídica qualquer norma administrativa se utiliza-se a impugnação de normas, ou alternativamente, sendo a norma exequível por si mesma, existem três casos de desaplicação quando opta-se pelo meio da declaração de ilegalidade de normas.

Temos então duas modalidades de impugnação de normas, a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e a declaração de ilegalidade no caso concreto, a que Vieira de Andrade, considera a protecção plena no caso concreto e encara a declaração com força obrigatória geral como uma questão de interesse público, com soluções de inspiração objectivista, no sentido da forte intervenção do Ministério Público e os efeitos da declaração e ressalvando ainda as situações em que seria importante para a protecção dos direitos do particular ou para interesse público que seja proferida uma sentença com força obrigatória geral (nomeadamente na área da concorrência) que seria possível no regime antigo, mesmo sobre a previa desaplicação no caso concreto. Daí que para este autor que existe uma limitação objectivista neste novo regime.

Contra esta opinião, temos a posição defendida Vasco Pereira Da Silva, uma vez que para o professor não faz sentido que seja apreciado a legalidade de uma regulamento, a título principal, tendo verificado uma invalidade mas que apenas vale para aquele caso concreto. Considera ainda violadora do direito fundamente a impugnação de normas jurídicas que só tenha efeitos concretos, criam uma restrição afectando o conteúdo essencial do direito, artº18º/3 CRP, tendo vindo da criação de um regime mais limitativo do que o anterior. Sendo ainda inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, igualdade e do Estado de Direito.

Parece-nos que a razão se encontra com o Professor, uma vez declarada a ilegalidade não faz sentido a sua subsistência na ordem jurídica.
Quanto aos efeitos da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral estes produzem-se em regra determinado a repristinação das normas revogadas, podendo contudo o tribunal determinar que os seus efeitos se produzam apenas para o futuro justificando com razões de segurança jurídica, de equidade ou se interesse de excepcional relevo. Ressalva-se no entendo os casos julgados a menos que tal seja mais favorável ao particular.

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