terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Depois da imunidade, a condenação – 3.ª Tarefa.

O modo de reacção adequado contra actos administrativos de conteúdo negativo é a dedução de um pedido de condenação à prática de um acto administrativo. [...] É este contexto que se compreende e justifica a norma do n.º 4 do artigo 51.º, que deve ser lida em conjugação com o disposto nos artigos 66.º, n.º 2 e 67.º, n.º 1, alíneas b) e c). Na verdade, sempre que esteja em causa um acto expresso de indeferimento de uma pretensão, seja um acto de recusa de apreciação do requerimento, seja um acto de recusa da prolação de uma decisão material favorável, o meio de reacção jurisdicional próprio é a acção de condenação à prática de acto devido.

Mário Aroso de Almeida / Carlos Cadilha
Anotação ao artigo 51.º do CPTA



Se tivermos de encontrar um responsável pela alteração da lógica subjacente ao Direito Contencioso Administrativo, a acção de condenação da Administração à prática de acto administrativo devido, não pode deixar de ser contituída como suspeita.
É, pois, no Estado Social que se assistem a grandes alterações em torno dos ditos tribunais administrativos, que até então ainda não o eram realmente. Vem-se agora fazer jus ao nome por que sempre foram chamados, tendo ficado assente que o controlo jurídico do exercício do poder público faz parte da função jurisdicional. Isto porque se afirma o princípio da tutela jurisdicional dos direitos dos particulares em face da Administração, que passa a ser o grande propósito do Contencioso Administrativo – artigo 268.º, n.º 4 CRP. Assim, em 1976, a CRP introduzia o contencioso de plena jurisdição, tendo posteriormente implementado, ao lado dos existentes meios jurisdiconais de controlo da administração, que até à altura eram circunscritos quase exclusivamente à apreciação cassatória dos actos administrativos (contencioso de mera anulação), um novo mecanismo contra a administração, a acção para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos.
Com fundamento no já citado artigo 268.º, n.º 4 da CRP, esta nova modalidade de acção administrativa especial, destina-se a condenar a Administração à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo que se consubstancie numa ilegal recusa ou omissão de uma pretensão formulada pelo particular – artigo 66.º, n.º 1 do CPTA. Estando isto assegurado, há que ter em conta que toda a estrutura do CPTA aponta para a adopção de uma concepção ampla do objecto do processo. Deste modo, ao contrário do que muitas vezes se julga, é o pedido mediato (direito subjectivo que se pretende tutelar através do efeito pretendido pelo autor) que se sobrepõe ao pedido imediato (aquele efeito pretendido pelo autor). A isso se refere o artigo 66.º, n.º 2 CPTA, afirmando que o objecto do processo não é o acto de indeferimento,mas sim o direito que o particular tem de ver uma determinada actuação por parte da Administração. Do que se trata, portanto, é de um processo de condenação e não de um processo impugnatório, não tendo qualquer relevância a existência ou não de acto administrativo prévio. Porém, na eventualidade do acto existir, aquele meio processual, ao dar provimento ao pedido relativo ao direito subjectivo do particular, trata de o afastar automaticamente. No fundo, o que foi dito está retratado no artigo 71.º, n.º 1 do CPTA, segundo o qual, ainda que o requerimento do particular não tenha obtido qualquer resposta junto do órgão administrativo competente, ou tenha merecido despacho de indeferimento expresso, o Tribunal não se limita a devolver a questão ao referido órgão, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual acto de indeferimento, antes se pronuncia efectivamente sobre a pretensão material do requerente interessado, impondo a prática do acto devido.
Consagra o Código ainda outra situação, no seu artigo 51.º, n.º 4, em que o modo de reacção contra a Administração deve igualmente ser o pedido condenatório. Aquele preceito reporta-se aos casos em que o particular, alegando o direito a uma conduta devida, fê-lo formulando um pedido de anulação de um acto administrativo. Neste sentido, o próprio Tribunal convida o particular a substituir o pedido, formulando aquele que é adequado. Seguindo o entendimento dos Professores Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, não se compreende a utilidade em impugnar um acto de indeferimento quando o que se pretende é a prática de um acto administrativo. Se a pretensão do autor é a prática do acto ilegalmente recusado, então é a condenação da Administração à prática desse acto que deve ser pedido. A própria norma vem evidenciar tal facto, ao impor aquele dever ao juiz, conferindo ao autor a hipótese de substituir a petição, para que possa aproveitar a proposição tempestiva da acção, a distribuição efectuada e o pagamento de custas. Os particulares vêem, assim, os seus interesses protegidos.
Cabe então concluir que o novo regime de processo administrativo representou um passo decisivo na afirmação do já referido princípio da tutela jurisdicional no acesso à jurisdição administrativa, traduzido no direito subjectivo público que assume a natureza de direito fundamental dos cidadãos. Para que essa tutela seja plena, efectiva e eficaz, é necessário que a toda a pretensão que o cidadão queira levar a juízo corresponda o meio processual adequado à sua satisfação; que seja garantida a prevalência e obrigatoriedade da decisão judicial para os seus destinatários, que deve ser tomada num razoável lapso de tempo; e, finalmente, que ao cidadão estejam disponíveis a tutela declarativa principal e cautelar, assim como a tutela destinada a fazer executar as decisões proferidas no processo declarativo.
Mas, tenha-se presente, a consagração deste princípio só foi possível pela nova visão que se deu às relações entre o poder judicial e executivo. Ao invés de se atribuir limitações aos efeitos das sentenças dos Tribunais, atende-se agora aos direitos dos particulares que carecem de tutela. E que não se julgue abalado o princípio da separação de poderes. A acção de condenação à prática de acto devido não substitui a actuação da Administração pela dos Tribunais. O que o juiz simplesmente vem fazer é impôr às autoridades administrativas a prática de um acto para o qual só estas, precisamente, têm competência.
“Na verdade, sempre que esteja em causa um acto expresso de indeferimento de uma pretensão, seja um acto de recusa de apreciação do requerimento, seja um acto de recusa da prolação de uma decisão material favorável, o meio de reacção jurisdicional próprio é a acção de condenação à prática de acto devido”. Nem poderia ser de outra maneira, pois que a sentença de condenação da Administração, além de não violar qualquer princípio do Direito Administrativo, é, precisamente o processo que melhor garante os direitos dos particulares, que mais não é do que a ideia essencial em que assenta este novo Direito Contencioso Administrativo.

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