quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A providência cautelar e a suspensão de normas

De acordo com a CRP a todos é garantido o acesso a uma justiça efectiva e célere que assegure os direitos e interesses legalmente protegidos dos que a ela recorrem. No entanto, se essa tutela efectiva não pode ser garantida a um título definitivo de forma rápida, deverão existir meios provisórios que assegurem a utilidade dessa decisão definitiva final.
Esta garantia de defesa surge na CRP no artigo 20.º sendo que este artigo transmite o objectivo fundamental que consiste na efectividade da tutela dos cidadãos que recorrem aos tribunais para verem assegurados os seus direitos e interesses. O artigo 202.º, n.º 2, da CRP vem reforçar esta garantia dispondo que cabe aos tribunais como órgãos competentes para a administração da justiça “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.”
A constituição no artigo 268.º n.º4 e 5, consagra o princípio da tutela jurisdicional efectiva sendo que este artigo abrange expressamente as possibilidades de adopção de medidas cautelares e de impugnação de normas regulamentares com eficácia externa. O princípio de que qualquer cidadão pode agir jurisdicionalmente na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e de encontrar nas instâncias jurisdicionais os meios adequados para a sua protecção vem clarificar, para a área administrativa o regime do artigo 20.º, da CRP. Deste modo, a sua natureza é análoga aos direitos, liberdades e garantias, de acordo com o disposto no artigo17.º CRP.
Na verdade, uma tutela judicial não será efectiva sem medidas cautelares adequadas que garantam a utilidade de uma eventual sentença final favorável.
Na medida em que o juiz administrativo tem de se certificar que não está a intrometer-se nem na função administrativa reservada aos órgãos da administração pública nem na função legislativa, o respeito pelo princípio da separação de poderes assume maior relevância no contencioso administrativo. Assim, o juiz não se pode substituir à administração no exercício da função materialmente administrativa, mas o juiz pode condenar a administração à adopção dos comportamentos necessários ao cumprimento da legalidade.
Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança obrigam a que seja possível, com alguma facilidade, conhecer as regras a que se está sujeito, assim como todas as consequências desta sujeição.
Por seu turno, o principio da igualdade consiste em tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente, na medida da diferença. Assim, todos os cidadãos são iguais perante a lei e esta deve ser aplicada a todos uniformemente distinguindo-se porém, as diferenças materiais de cada situação, pois não se trata de forma igual aquilo que é materialmente diferente.
Em Portugal, o contencioso está vocacionado para a garantia de direitos subjectivos, deste modo, o objecto dos meios jurisdicionais é, predominantemente, o interesse defendido pelo particular. Outrora, vigorou em Portugal um contencioso administrativo objectivo centrado na legalidade do acto administrativo.
No entanto, o contencioso administrativo continua a cumprir com finalidades de carácter objectivista, ou seja, de defesa da legalidade. A este propósito, refere o Professor Doutor Jorge Miranda o artigo 268.º n.º4 e 5 da CRP afirmando que a componente subjectivista fica bem realçada mas nem por isso fica excluída ou sequer diminuída a componente objectivista irredutível, legado à acção popular (art. 52.º, n.º 3) e à intervenção do Ministério Público em defesa da legalidade democrática (art. 219.º, n.º1).
Nas acções principais, os artigos 72.º e seguintes, do CPTA, regulam o processo de impugnação de normas e de declaração de ilegalidade por omissão sendo que o artigo 73.º refere as possibilidades de se requerer a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, em que predominará uma finalidade objectivista.
Já no que respeita às medidas cautelares, estas são típicas do modelo subjectivista de contencioso administrativo, garantindo que o benefício que possa advir da acção principal não chegue demasiado tarde.
Na providência cautelar para a suspensão de eficácia de norma com efeitos circunscritos ao caso apresentado pelo requerente, o objectivo não é repor a legalidade, mas sim garantir que os direitos e os interesses dos requerentes não sejam irremediavelmente afectados, enquanto não existir uma decisão definitiva sobre o mérito da causa.
O artigo 130.º, n.º 1 do CPTA, contém os requisitos necessários à decretação da providência cautelar para a suspensão de eficácia de normas com efeitos circunscritos ao caso concreto do requerente.
No que respeita, à questão da legitimidade o artigo 73.º, n.º2, do CPTA, refere quem está legitimado para pedir, numa acção principal, a declaração da ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto. Assim, o critério para aferir da legitimidade será o interesse directo em fazer cessar a produção de efeitos da norma que já está a lesar a sua esfera jurídica.
A norma cuja suspensão de eficácia se requer tem de ser exequível por si mesma, sem que dependa de qualquer outro acto, seja ele administrativo ou jurisdicional. Desta forma, fica afastada a possibilidade de requerimento de desaplicação de uma norma de carácter programático.
O fundamento deste pressuposto relaciona-se com o princípio da proporcionalidade, uma vez que a perturbação causada na ordem jurídica pela invocação da invalidade de uma norma jurídica ser bem mais gravosa do que a invalidade de um acto.
Quando decretada a providência cautelar para suspensão de eficácia de normas com efeitos circunscritos ao caso do requerente isso implicará apenas a desaplicação da norma impugnada ao caso pessoal apresentado. No entanto, nos casos previstos no n.º2, do artigo 9.º, do CPTA, os efeitos do decretamento da providência poderão ser alargados de modo a abranger ao processo os terceiros directamente afectados pela situação discutida.
A inexistência de prazo para a acção principal de impugnação de normas para se obter a sua declaração de ilegalidade, permite que a providência seja pedida a todo o tempo, devendo, ter-se em conta que a medida cautelar caducará se a respectiva acção principal não for intentada no prazo de três meses, conforme o disposto no artigo 123.º, n.º1 e 2, do CPTA.

Natureza Conservatória da Providência

A providência pretende garantir que o requerente mantenha a mesma situação, ou estatuto que detinha antes de surgir a norma, ou de esta se tornar aplicável ao particular, por isso, esta é uma providência conservatória, evitando a produção de qualquer tipo de alteração no caso apresentado pelo requerente.

Critérios de Decisão

O artigo 120.º, do CPTA, contém os critérios de que depende a decretação das providências cautelares, que se diferenciam conforme estas sejam conservatórias, ou antecipatórias.

Periculum in Mora

Traduz-se na existência de perigo de inutilidade da sentença resultante do decurso do tempo, por terem sido causados prejuízos de difícil reparação. Assim, o juiz terá de analisar até que ponto sairá prejudicada a esfera jurídica do requerente se se permitir a aplicação da norma administrativa até à decisão da causa principal.

Características da Providência

· Sumariedade – a decisão do juiz fundamenta-se num breve conhecimento dos factos e do direito relevante para a questão.
· Provisoriedade – a providência caduca com a execução da decisão principal.
· Instrumentalidade – pois constitui um meio para a protecção da situação existente salvaguardando a utilidade da decisão da acção principal.


Uma vez decretada a providência cautelar para suspensão de eficácia de normas com efeitos circunscritos ao caso do requerente, desaplica-se uma norma a apenas um caso concreto. Assim, poderia argumentar-se que haveria uma violação dos princípios da legalidade e da igualdade. No entanto, este argumento não parece proceder na medida em que há uma maior exigência de salvaguarda da segurança jurídica.

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