quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

QUEM É QUEM?!...Diz que é uma espécie de acção especial que nasceu para ser comum

Consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 2.º e artigo 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) temos o princípio fundamental do Direito Administrativo da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Ora, este direito fundamental é garantido através de diferentes meios processuais previstos na lei e cuja dicotomia nos ocupará em seguida.

Aquando da modernização do Processo Administrativo o legislador deparou-se com a opção por dois modelos alternativos e com soluções que os distinguiam entre si. Por um lado, temos um que se assemelha ao modelo alemão e, por outro lado, temos o modelo latino (inspirado inclusivamente no sistema francês, espanhol e italiano). Quanto ao modelo alemão caracteriza-se pela circunstância de por cada efeito das sentenças ser criada um respectivo meio processual.
Já o modelo latino visava agregar todos os meios processuais, de forma autónoma face aos pedidos ou aos efeitos das sentenças.

Hodiernamente, o sistema português acolheu os seguintes meios processuais:
- Acção Administrativa Comum;
- Acção Administrativa Especial;
- Processos Cautelares;
- Processo Executivo.

Após a reforma do contencioso administrativo, o legislador adoptou uma lógica mais próxima do segundo modelo, ainda que, quanto aos meios principais, tenha optado pela acção administrativa especial e comum.
Como refere o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva «cada meio processual é uma espécie de “acção de banda larga”, na qual cabem várias “sub-acções”, qualificadas em função do pedido e que podem originar qualquer das modalidades de sentença. Assim, torna-se essencial a identificação dos pedidos possíveis, pelo que para averiguar dos poderes de pronúncia do juiz administrativo não basta saber qual o meio processual utilizado, mas também quais os pedidos susceptíveis de serem formulados ou quais os efeitos das sentenças correspondentes a tais pedidos» (vide artigo 2.º n.º 2 do CPTA).
O preceito supramencionado faz uma exposição exemplificativa dos poderes de pronúncia judicial que compõem o princípio da tutela efectiva. Por conseguinte, as alíneas a), b), e c) apresentam sentenças de simples apreciação; as sentenças constitutivas são nos mencionadas nas alíneas d) e h); e, por fim, as alíneas e), f), i), j), l) correspondem a sentenças de condenação.
Esta fragmentação não revela, contudo, uma correspondência aos meios processuais e, assim: à alínea a), b), c), e) e g) corresponde a acção administrativa comum; às alíneas d), h), i), j) equivale à acção administrativa especial; aos processos urgentes cabe a alínea l) e aos meios cautelares a alínea m).
Resulta desta constatação que a norma do artigo 2.º n.º 2 do CPTA não pode operar como meio de distinção da acção administrativa comum e da acção administrativa especial, tornando-se pertinente a questão de saber qual é então a forma de diferenciação correcta, o tal “Quem é quem” do título.
Recorrendo ao artigo 37.º n.º 2 do CPTA, é possível apontar uma panóplia de litígios, “em que os particulares ou as próprias entidades públicas pedem, contra a Administração ou contra particulares, providências de diversos tipos relativas a diferentes situações” e, assim, a acção administrativa comum afere de todos os litígios administrativos não especialmente regulados.
Acresce ainda que, o objecto da acção administrativa especial, é composto por todos os actos e regulamentos administrativos e, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do CPTA, “seguem esta forma os processos relativos a pretensões emergentes da prática ou da omissão de actos administrativos ou de disposições de direito administrativo”. Estando consagrado no seu n.º 2 os pedidos principais quanto a este meio processual, mais precisamente, a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de actos administrativos, a condenação à prática de acto devido, a impugnação de actos administrativos e de normas regulamentares e declaração de ilegalidade por omissão.
Seguindo a concepção do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva este critério é falacioso na medida em que a aplicação de tudo o que não caiba na acção administrativa especial cabe na acção administrativa comum, e vice-versa, sendo a distinção feita atendendo a “pré-conceitos” de natureza substantiva e não tendo em conta razões de natureza processual. Este problema tem origem nos designados “traumas da infância difícil” do Direito Administrativo. Outro óbice a referir é o da própria terminologia subjacente à expressão “acção administrativa especial”, essencialmente por duas ordens de razão:
a) O regime de cumulação de pedidos (artigo 4.º e 5.º do CPTA). Nestes artigos admite-se genericamente a cumulação de pedidos e, quando estejam relacionados com diferentes formas de processo, deve-se adoptar a forma da acção administrativa especial. Esta condição é de extrema importância porque a dita acção administrativa “especial” vai passar a ser a “comum” e a dita acção “comum” vai ser a “especial”, dado que a acção mais comum (leia-se a mais frequente e mais característica do contencioso) é, de facto, a acção administrativa especial. Constata-se desta forma que o legislador abriu a caixa de pandora administrativa.
b) A existência de várias especialidades de meios processuais cria uma prolixidade terminológica. O exemplo, por excelência, é o previsto no n.º 2 do artigo 46.º do CPTA resultando desta norma uma acção “especialíssima” da acção administrativa especial, na modalidade especial de acção de impugnação.

Perfilhando a posição do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva quanto à problemática objecto da presente análise conclui-se que a designação atribuída a cada um dos meios processuais não foi a mais precisa, visto que “tem subjacente uma visão restritiva e ultrapassada do Contencioso Administrativo, que não existe mais e torna-se necessário admitir que houve um “lapso” na escolha dos nomes”. Nesta medida urge uma verificação terminológica da nomenclatura dos meios processuais (…quem é quem?), cuja sede de discussão deverá ser uma futura revisão do regime do Contencioso Administrativo.

Bibliografia:
SILVA, VASCO PEREIRA DA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Livraria Almedina, Nov. 2005
ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, A Justiça Administrativa (Lições), 8.ª Edição, Coimbra, Livraria Almedina, Set. 2006
ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, et al., Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 2.ª Edição, Coimbra, Livraria Almedina, Jan./2003

Aluna número 14668







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