quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Trabalho "O Contencioso Pré-Contratual Urgente"

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL URGENTE




“O direito à tutela judicial efectiva em matéria jurídico-administrativa não deve passar apenas pelo natural alargamento da tutela cautelar, mediante a instituição de providências cautelares diversificadas, mas também pela instituição de mecanismos de resolução célere e flexível dos conflitos – pelo menos, de processos urgentes para os domínios mais sensíveis ao decurso do tempo, nos quais estejam em jogo valores de maior magnitude e que, no entanto, nem sempre colocarão questões jurídicas de grande complexidade”. Mário Aroso de Almeida, “Medidas cautelares no ordenamento contencioso – breves notas” Direito e Justiça, vol. XI, tomo 2, pp.157-158




Introdução: Delimitação do Tema


À Administração, em rigor, ao legislador administrativo, é-lhe imposto o dever de modelar um sistema de contencioso eficaz como contrapartida à proibição de auto-tutela, para cumprir o desígnio pré-estabelecido.
Para tal, o CPTA propõe um sistema de geometria variável, apoiado em tutelas jurisdicionais diferenciadas, onde são concebidos diferentes meios, dirigidos à satisfação das necessidades de cada uma das situações de direito substantivo levadas a juízo. Esta opção, em detrimento de um modelo que conheça acções típicas estanques, assente em poucas formas processuais, alegadamente adequadas, parece vestir uma farpela mais moderna e contemporânea, adequada a uma justiça que se pretende dotada de eficácia e celeridade. Neste sentido, é notório, que o legislador administrativo tem vindo a desenvolver, não só mecanismos processuais de celeridade enxertados nas formas processuais tradicionais, como também vem criando formas processuais urgentes de carácter autónomo.
No que concerne o contencioso pré-contratual, o CPTA institui um regime dualista (além dos estabelecidos comandos próprios aplicáveis à sua instrumental tutela cautelar – art. 132º), dotado de uma regra – a acção administrativa especial (arts. 46º e ss.); e uma “excepção”, quanto a situações especificadas – o processo urgente pré-contratual (arts 100º e ss.), como cumprimentos da transposição das Directivas relativas aos meios contenciosos, 89/665/CEE, de 21 de Dezembro (Directiva Recursos) e 92/50 CEE, de 18 de Junho.
Este regime é, apenas, aplicável à formação de contratos e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, bem como, à impugnação directa do programa do concurso, do caderno de encargos ou de qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos referidos contratos, quando o fundamento se encontre na ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras desses documentos. Nada impediria, contudo, o legislador português de alargar o âmbito de aplicação do processo urgente de contencioso pré-contratual, relativamente ao contido nas, referidas, Directivas Comunitárias. Tal opção, teria, de resto, o suporte jurisprudencial do TJCE (Acórdão Parking Brixen GmbH, processo C-458/03 de 13 de Outubro de 2005), quando afirma que as entidades adjudicantes de contratos excluídos por aquelas Directivas estão “obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado CE, em geral, e o princípio de não discriminação em razão da nacionalidade, em particular”. Apesar desta orientação fornecida pelo TJCE, que autorizaria o CPTA a alargar o processo urgente aos contratos administrativos que partilhassem a conjuntura de urgência da actividade contratual da Administração, solução adoptada pelo legislador gaulês, tal não constituiu opção para o legislador lusitano. Para tal discriminação processual, refugiou-se no argumento de que quando tudo é urgente, nada é urgente, ou nas palavras de Vieira de Andrade, ao não ceder a uma “psicose da urgência, que leva a confundir celeridade com urgência”. O Dr. Bernardo Ayala, em ideia, posteriormente, desenvolvida pelo Dr. Adolfo Mesquita Nunes, contudo, sustenta que, o legislador, ao abster-se de estender a tramitação urgente à restante contratação pública sujeita a procedimentos pré-contratuais, poderá estar a cometer uma inconstitucionalidade material parcial, através de uma omissão relativa, que, sendo voluntária, resulta na impossibilidade de se recorrer ao mecanismo de integração de lacunas remetendo-nos, outrossim, para a fiscalização da constitucionalidade por omissão da norma que explicitamente excluiu, fundado na inaplicação do princípio da igualdade no acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.
A prática jurisprudencial tem confirmado o carácter imperativo dos regimes legais; a utilização necessária da forma de acção administrativa especial para a impugnação dos actos, relativos a contratos não previstos no art. 100º - e a utilização necessária da forma de processo urgente quando esteja em causa a impugnação de actos administrativos relativos à formação dos contratos mencionados no art. 100º.
Ainda que possam existir opiniões divergentes, parece-nos evidente, pela ratio do regime contencioso pré-contratual, bem como da articulação entre o disposto nos arts. 46º nº 3 e 100º nº1 que a pretensão do interessado, nestes casos se efectiva exclusivamente pelas regras do processo urgente.
A presente exposição terá, exactamente por objecto, proceder a uma análise detalhada do regime que o CPTA estabelece para o processo pré-contratual urgente, apontando as suas diferenças e especificidades – prazo mais curto de impugnação dos actos pré-contratuais e tramitação acelerada.
No enquadramento desta temática, deve ainda mencionar-se a unificação da jurisdição em matéria de contratos a que o ETAF procedeu, submetendo aos tribunais administrativos todas as questões relativas à validade dos actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público (art. 4º nº1, alínea e) do ETAF).





Da Urgência:


Na sequência do raciocínio supra exposto, forçosamente, se conclui que a urgência se pressupõe sempre que estamos perante uma situação enquadrável no art. 100º, não correspondendo, por isso, a um juízo concreto e casuístico.
Os mecanismos de urgência caracterizam-se por recortar uma determinada realidade, afastando-a da tramitação ordinária distinguindo-se daqueles que se reportam à celeridade processual, que tendencialmente se aplicam ao sistema contencioso no seu conjunto. Também porque discriminatória, no sentido em que a consagração de formas processuais urgente atribui uma vantagem de celeridade sobre as demais, esta não poderá ser tida como uma actividade livre, justificando-se quando se encontrarem presentes dois elementos: - a existência de uma realidade composta por direitos e interesses que são dignos de uma tutela relevante que não consente uma decisão judicial de pendor ressarcitório; e – a existência de uma ameaça ou de um prejuízo produzido pela incapacidade de gestão temporal da tramitação processual tradicional para tutelar essa realidade.
A urgência contenciosa é, deste modo, uma situação de excepção que obriga a recorrer a regras excepcionais. A inadequação da tramitação tradicional tem de ser de tal forma grave que justifique abandoná-la e substitui-la por um modelo que acautele a ameaça séria que pesa sobre direitos e interesses legalmente protegidos.




Dos Prazos:


Os prazos do processo urgente correm em férias, com dispensa de vistos prévios, mesmo em fase de recurso jurisdicional, e os actos da secretaria são práticos no próprio dia, com precedência sobre quaisquer outros (art. 36º nº 2).

Os prazos no processo urgente são:

-Um mês para intentar o processo (art.101º);

-Vinte dias para a contestação (e para as alegações, quando tenham lugar) (art. 102º nº2 alínea a));

-Dez dias para a decisão do juiz ou relator, ou para este submeter o processo a julgamento (art. 102º nº2 alínea b));

-Cinco dias para os restantes casos (art. 102º nº2 alínea c)).

A este respeito é importante distinguir, por um lado, a impugnação de anulabilidades, cujo prazo em acção administrativa especial é de: um ano, se promovida pelo Ministério Público; três meses nos restantes casos (contra um mês no processo urgente) e, por outro, a impugnação que tem por objecto actos nulos ou inexistentes, que como se sabe não estão sujeitos a qualquer prazo no que toca a acção administrativa especial, ao passo que no processo urgente, e contra grande parte da doutrina, nos parece que a redacção incisiva conferida ao art. 101º, pretende manter o prazo de um mês, para os processos urgentes.




Da Tramitação:


Apesar da, já analisada, compressão temporal da instância, o processo urgente de contencioso pré-contratual não é um processo abreviado ou sumário. A sua tramitação, é na sua quase totalidade, decalcada da acção administrativa especial, com poucas variações formais.
O processo urgente pré-contratual apresenta uma única tramitação aplicável a todos os litígios de que lhe cumpre conhecer; tendo, apenas, consagrado um único mecanismo de sumarização do processo se se verificar que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta, aí, o tribunal pode não proferir a sentença, convidando as partes a acordarem, no prazo de vinte dias, no montante da indemnização a que o autor tem direito (art. 102º nº5). Ainda que, o que o artigo prevê, não seja uma sumarização no sentido de alcançar uma sentença útil, em função de uma urgência, mas, antes, uma vez que a sentença requerida se torna inútil para efeitos da reconstituição da situação hipotética actual, procurar uma solução integrada num quadro de racionalidade do sistema.
O legislador português tomou a opção de, a respeito da sumarização da instância, reservá-la à tutela cautelar.

Tramitação stricto sensu:

-Apresentação da petição (arts. 78 do CPTA e art. 150º nº 2 do CPC);

-Recusa da Petição (arts. 80 e 36º nº 2 do CPTA);

-Aperfeiçoamento do articulado, em cinco dias, em conformidade com os requisitos legais (art. 102º nº3);

-Reclamação da recusa, no prazo de cinco dias (arts. 475 nº1 do CPC e 102º nº 3 c) do CPTA, distribuída e levada ao juiz no mesmo dia (arts. 26º e 36º nº 2 do CPTA);

-Juiz tem dez dias para avaliar a questão, confirmando ou não o acto de recusa da petição (arts 475º nº2 do CPC e 102º nº3 b) do CPTA). O autor deve ser notificado desse despacho, no próprio dia (art.36º nº2);

-Distribuição e citação da entidade demandada e dos contra-interessados, assim como envio de cópia da petição para o Ministério Público (arts. 26º, 36º nº2 e 85º nº 1, todos do CPTA);

-Contestação (arts. 82 e 102 nº3 a) do CPTA), sem prejuízo da faculdade conferida por lei à existência de um período suplementar conferido aos contra-interessados a quem não foi facultada a consulta atempada do processo (arts. 81 nº1, 83º nº5 e 91º nº4);

-Admissão de articulados supervenientes para dedução de factos constitutivos, modificativos ou extintivos ocorridos ou conhecidos posteriormente ao termo dos prazos para propositura do processo ou apresentação da contestação art. 86º);

-Saneamento, recebidos os articulados supervenientes, o processo é concluso ao juiz no dia do termo do prazo para apresentação do ultimo articulado (ou na data da sua apresentação, quando apresentado anteriormente (arts. 36º nº1 b) e 88º nº1);

-Despacho pré-saneador, após receber o processo, o juiz corrige oficiosamente os articulados, quanto às suas deficiências ou irregularidades formais, no prazo de cinco dias (arts. 88º nº1 e 102º nº3 c));

-Despacho saneador, não havendo lugar a despacho pré-saneador, condensa-se todo o saneamento no momento de proferir este despacho: Neste momento o tribunal conhece de todas as excepções dilatórias e peremptórias, notificando o autor, para que este se pronuncie (art. 36º nº2), no prazo de cinco dias (art. 87 nº1 a) e b)). Recebidas as pronúncias é proferido despacho, pelo juiz, no prazo de 10 dias (arts. 87 nº 1 a) e b) e 102º nº3 b)).

-Neste momento, o juiz pode apreciar algum, ou todos, os pedidos deduzidos, conhecendo total, ou parcialmente, do mérito da causa (art. 87º nº1 b)), Este despacho deve ser notificado às partes no próprio dia (art. 36º nº2), colocando um ponto final no processo urgente, por fazer caso julgado material, (este despacho apenas é possível se não houver lugar a alegações – arts. 87 nº1 b) e 102º nº2);

-Instrução, de acordo com a lei processual civil (arts. 513º a 645º do CPC);

-Audiência pública, sempre que for aconselhável pode o tribunal, oficiosamente ou mediante requerimento de uma das partes, optar pela realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de direito. Nesta audiência serão proferidas as alegações finais oralmente. No seu termo é ditada a sentença (art. 103º);

-Julgamento;

-Sentença.


Inês Lamego,
Aluna nº 15407,
Sub-Turma 12

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