quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Comentário à 3ª tarefa

No meu entender, o legislador não resolveu de forma clara e precisa a questão de saber se, em caso de indeferimento expresso da Administração Pública em resposta a uma pretensão a si dirigida pelo interessado, este deve intentar um pedido de impugnação de um acto administrativo – nos termos do art.50 do CPTA – ou, em alternativa, um pedido de condenação à prática do acto devido, de acordo com o Art.66/1 do CPTA . Estas são as duas soluções abstractas em relação a actos de indeferimento. No entanto, o próprio CPTA configura ainda uma solução intermédia: a possibilidade de cumulação do “pedido de condenação da Administração à prática de um acto administrativo legalmente devido com qualquer dos pedidos mencionados na alínea a)” – art.4/2, al.c) . O Professor Vieira de Andrade é da opinião de que “o novo pedido de condenação à prática de acto legalmente devido é principalmente dirigido às situações de indeferimento de pretensões dos interessados”.
A primeira questão a ser suscitada relaciona-se com a própria natureza dos actos de indeferimento . Serão os actos de indeferimento verdadeiros actos administrativos? E sendo-o, poderão ser impugnáveis?Tendencialmente, afirmaria que um acto de indeferimento é acto administrativo, pois possui todas as características exigidas para o acto administrativo, de acordo com o art.120 do CPA. Eu digo tendencialmente, porque o indeferimento pode ser expresso, mediante a prática de um acto administrativo de recusa da pretensão do interessado e aqui tem toda a lógica que o particular lançe mão do pedido de condenação do art.66/1 do CPTA, de modo a obrigar a Administração a praticar um acto que lhe era devido e que doutra maneira corria-se o risco do particular nunca ver satisfeita a sua pretensão. Em oposição ao acto de indeferimento expresso, aparece o acto de indeferimento tácito ou acto tácito negativo, que se caracteriza por uma omissão da Administração relativamente à pretensão do interessado. De realçar apenas que o art.66/1 do CPTA fala em condenação à prática de acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado. Esta figura do indeferimento tácito vem regulada no art.109 do CPA e como pressuposto da condenação a prática de acto administrativo legalmente devido – cfr. Art.67/1, al.a), CPTA . Na doutrina entendia-se que o indeferimento tácito podia ter a natureza jurídica de verdadeiro acto administrativo, simples pressuposto de recurso contencioso e ficção legal de acto administrativo. A resposta à segunda questão é também ela positiva, na medida em que o acto de indeferimento é perfeitamente enquadrável na previsão do art.51/1 do CPTA e sendo que no número 4 desta norma se faz referência à preferência pela utilização do pedidode condenação da Administração à prática do acto devido , “no pressuposto de que esse pedido confere uma tutela mais intensa ao particular e que resolverá de uma vez a situação” ( V. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa,9ª Edição, pág.210 ) . Aliás, a posição do Professor Sérvulo Correia é de que os actos de indeferimento são impugnáveis e que a respectiva acção de impugnação “seria em abstracto preferível para reagir contra actos negativos inválidos de exercício de margem de livre decisão administrativa . Em sentido contrário, considera-se inadmíssivel a impugnação “isolada” de indeferimentos de pretensões favoráveis, se bem que em determinadas condições ela vem sendo admitida, quando: “um particular não tenha ou não tenha ainda interesse na condenação da Administração à prática do acto devido, ou que esta pudesse ser-lhe desfavorável, em face do que espera obter da condenação ou até porventura mesmo um direito à anulação ou à declaração de nulidade do acto” .
“Fora destes casos de indeferimento “total e directo” , não haverá dúvidas quanto à utilização isolada do pedido de impugnação no que respeita a actos positivos que contenham declarações tácitas de indeferimento parcial da pretensão, ou, menos ainda, quando o indeferimento seja um efeito indirecto, como acontece com os “actos positivos de duplo efeito” ( ou “de conteúdo ambivalente” ) , que, além do efeito positivo favorável a alguém, produzem um efeito negativo, desfavorável a outro interessado – actos de que é paradigma a decisão de selecção para nomeação ou adjudicação nos procedimentos concursais - , ou com os actos concludentes, dos quais resulte a impossibilidade legal de prover o requerimento de outrem – embora estes pedidos admitam ou possam carecer de uma cumulação com o pedido de condenação à prática de acto devido” ( V. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, págs.213-213 ) .
O problema são as previsões dos Arts.47/2, al.a); 51/4 ; 66, n. 1e2 ; 67/1, al.b) e 70/3 . As normas elencadas privilegiam a opção legislativa pelo recurso à condenação da prática de acto devido, assim como a cumulação dos pedidos de impugnação e condenação, quanto a actos de indeferimento. Como se vê, o CPTA parece ter querido deixar à escolha do interessado o pedido a adoptar perante actos de indeferimento da Administração Pública - no sentido de que o legislador poderia ter estabelecido, a título meramente exemplificativo, a regra geral do pedido de condenação como meio de reacção a actos de indeferimento – e a possibilidade de recorrer à cumulação de pedidos em face da situação concreta. De realçar que o Professor Vieira de Andrade apresenta uma outra situação em que é possível o pedido de condenação à prática de acto devido, para além das explicitamente enumeradas no Art.67 do CPTA. É ela as “situações de indeferimento parcial e mesmo nas hipóteses de indeferimento indirecto, quando a mera impugnação não seja suficiente para permitir uma satisfação integral dos direitos e interesses legalmente protegidos dos autores, designadamente nas situações de concorrência positiva, quando um particular invoque um direito a uma decisão com determinado conteúdo. Nestes casos, em que o indeferimento decorre de uma decisão em termos diferentes do pedido ou resulta de um acto que conforma ou afecta a situação do particular em termos diferentes do que se julga devido, o pedido de condenação pressupoe o pedido de anulação, parcial ou total, do acto praticado – os pedidos condenatórios surgem , então, como pedidos de 2ª linha, sem autonomia primária e, por issso, a sua previsão legal está associada à cumulação com os pedidos de anulação” ( V. Vieira de Andrade,A Justiça Administrativa, 9ª Edição, pags.228-229 ) . Agora perguntaria, tendo em evidência os Arts.66, n. 1e2 e 67/1, al.b) do CPTA, o que sobra para a impugnação de actos de indeferimento, atendendo aos Arts.51, n. 1e4 e 55/1, al.a) ?
Em jeito de conclusão, o pedido de condenação à prática de acto devido foi concebido pela lei a partir do preceito constitucional, introduzido na revisão de 1997, nos termos do qual a garantia da tutela judicial efectiva dos direitos dos particulares haveria de incluir “a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos ( Art.268/4 ) e sendo que se tornou, actualmente, no pedido mais capaz para reagir contra actos de indeferimento. Por seu turno, o pedido de impugnação de actos administrativos ganhou a sua maior relevância nas situações de indeferimento parcial, ainda que cumulado com o pedido de condenação.

Sem comentários: