quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

É comum

As acções mandamentais, como as classifica Vieira de Andrade, estão por opção legislativa, mais que doutrinal ou sistemática, incorporadas no procedimento das acções administrativas comuns (v. art. 37º/2 – c) CPTA). Estas possibilitam ao particular uma verdadeira tutela preventiva, no sentido de o permitir deduzir pedido às instâncias judiciais, de condenação da Administração à abstenção de um acto administrativo de potencial lesivo. Ora, como tal e porque tal impugnação implica a procedência de um acto ou vinculado da Administração, ou discricionário, o que em ambos os casos subtrairia o pedido ao formato lógico da acção comum – no primeiro caso, o meio adequado seria a via da acção administrativa especial e, no segundo caso, estaria vedada a jurisdição dos tribunais administrativos, sob pena de violação da independência e separação de poderes, tal impedido pelo art. 3º/1 CPTA – entende-se a pertinência da questão suscitada por Vasco Pereira da Silva quanto à adequação deste meio a esta forma de acção. A acção administrativa comum, tendo um carácter residual face ao objecto da acção especial (v. art. 37º/1 CPTA), tende a incluir essencialmente litígios emergentes de situações em que existe uma maior paridade entre Administração e particulares. Ou seja, em situações de menor desequilíbrio entre os poderes daquela e os direitos destes. As acções do art. 37º/2-c) aqui se enquadram, como de resto também sucede no direito alemão (correspondente à vorbeugende Unterlassungsklange, inserida na allgemeine Leistungsklage). Assim, permite-se que invocando pretensões preventivas, o particular antecipe a emissão de um acto que a priori lhe será desfavorável; pretende-se então acautelar efeitos lesivos de um acto futuro. E por isso, maiores exigências se justificam quanto ao preenchimento do requisito do interesse processual. Depende essencialmente da celeridade de actuação do tribunal para a tutela imediata que a acção visa (apesar de ser uma acção principal e não cautelar) e do facto de a Administração não actuar imediatamente. Há que delimitar, primeiramente, a tutela assegurada por esta acção, daquela que é a tutela do próprio acto administrativo. Se esta última tem como fundamento a impugnação de um acto ou omissão efectivamente lesivos, logo, por meio de acção especial, a primeira fundamenta-se naquela, isto é, no potencial lesivo que dali decorra, funcionando como acção conservatória da situação material existente. Ora, tal só por si abriria perigosos precedentes e por isso, a doutrina tem entendido que aqui se devem interpretar restritivamente os objectos impugnáveis, diante das causas de pedir alegadas. Assim, tem-se entendido que a acção só será admissível em função da inadequação ou, quando muito, da impossibilidade ou deficiência da tutela própria dos particulares através da acção administrativa especial de impugnação perante o acto que venha a ser praticado, numa perspectiva subsidiária face à impugnação do próprio acto, quando esta, em casos extremos de prejuízo, não evitaria danos graves, assim, Vieira de Andrade (também, Pedro Gonçalves e Mário e Rodrigo Esteves De Oliveira). A doutrina parece então inclinar-se numa delimitação material, também ela, restritiva, sujeitando ao crivo de necessidade de tutela de verdadeiros direitos absolutos e de personalidade (Mário Aroso de Almeida), como forma de não fazer interferir excessivamente o poder judicial no poder administrativo, apelando-se aqui a uma ideia subjacente de proporcionalidade na frustração de um acto administrativo. Então, para despoletar o mecanismo do art. 37º/2-c), o particular terá do seu lado o ónus de invocação e prova de que determinados direitos fundamentais não sobreviveriam à simples existência imediata do acto administrativo; pois se este cálculo não for probabilístico, discutível será a interferência no regular funcionamento da actividade administrativa. Pois o meio preventivo só terá utilização em detrimento do meio reactivo, quando fortes indícios de carência de tutela preventiva do tribunal assim o exijam. Logo, deve o pedido depender de um interesse superior ao naturalmente exigível, um interesse processual qualificado (M. Aroso de Almeida). Este que se poderá densificar, dizendo que a acção terá que visar a tutela de um dano derivado da entrada em vigor um acto administrativo determinado que, causaria danos irreversíveis, impossibilitando uma efectiva garantia a posteriori; muito simplesmente, permite-se a acção inibitória sempre e apenas quando aquele é o último momento possível de protecção do direito ou interesse particular em causa. Perante os pontos descritos, surge novamente a dúvida: Porque optou então o legislador pela inclusão desta acção na forma de acção comum e não na acção especial? Para responder a tal questão, há que recuar às origens: a inspiração germânica – numa tentativa não de todo conseguida de transpor a solução do sistema alemão que inclui estas acções na acção comum; só que neste sistema, aquelas não são possíveis quanto a actos e regulamentos administrativos. O legislador nacional parece ter ido mais longe que o seu modelo. O que complica a inclusão destas acções face à metodologia do Código português. V. P. da Silva encontra, apesar de tudo, um sentido útil à escolha deste meio processual, se mais uma vez, restritivamente, entendermos que somente se incluem nestas acções pedidos de verdadeiras abstenções da Administração, ou se se quiser, de acções de abstenção nas palavras de Fridhelm Hufen, ficando liminarmente excluídas (não se confunda!), as acções que visam a condenação da Administração à prática de actos devidos, que seguem a acção especial (v. arts. 66º e ss. CPTA).

Assim, apesar da tentação em rapidamente desconstruir esta solução e fazê-la padecer de inúmeros vícios de materialidade, no fundo, faz sentido que a alínea c) esteja onde está (diferentemente V.P. Silva): não existe ainda qualquer acto, o que se acautela será a mera omissão do mesmo; a Administração não exerceu ainda qualquer poder autoritário em prejuízo do particular – pelo contrário, pelo contrário, literalmente.

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