terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A igualdade das partes - as relações triangulares no contencioso administrativo

O princípio da igualdade das partes é um princípio estruturante do sistema constitucional global, um princípio que, não obstante ter uma maior densificação na “constituição do indivíduo” ( constituição relativa aos direitos fundamentais), não deixa de ter um significado importante ao nível da “constituição do Estado” (constituição política) e da “constituição da sociedade” (constituição económica). O princípio da igualdade adquire, assim, um sentido material, que visa alcançar a dimensão de Justiça, através do direito a um processo contraditório e equitativo, sendo este efectivado pelo direito de acesso aos tribunais, artigo 20º nº1 e 5, e no que toca ao cidadão como administrado artigo 268º, nº 4, da Constituição. A garantia consagrada neste artigo (268º/4) pressupõe, em termos processuais, a atribuição de legitimidade a todos para a defesa efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
No que diz respeito à aplicação deste princípio nas relações administrativas, é fundamental referir que o processo de partes, não é apenas um processo entre duas partes com interesses contraditórios, conferindo também protecção a terceiros, beneficiários da actuação administrativa. O processo adquiriu, assim, uma dimensão trilateral, ou seja, com três partes, Administração, recorrente e contra-interessado, sendo que assumiriam, uma posição idêntica no processo, de partes principais.
A protecção de terceiros, não é uma novidade. Anterior à Reforma, a LPTA, reconhecia o estatuto processual dos “terceiros-interessados”. Contudo, com a Reforma de 2004, os “terceiros” deixaram de ser os beneficiários directos da actuação administrativa (titulares de uma posição de vantagem) para serem os portadores de um direito ou interesse próprio, segundo a Professora Alexandra Leitão.
Assim a relação jurídica administrativa passa a ser vista como uma relação jurídica multilateral ou triangular. O Professor Doutor Vasco Pereira da Silva afirma que nesta relação não está em causa apenas uma “relação entre Estado agressor e o destinatário da agressão” mas uma relação entre destinatário/ Administração/ terceiro .
O CPTA veio introduzir uma nova regra de legitimidade dos contra-interessados. Cada acção deve ser proposta contra a parte demandada mas também, quando for caso disso, contra “as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor” artigo 10º, nº1, 2ªparte.
Como referem García de Enterraría e Ramón Fernandez, para além da Administração como parte demandada, assumem a mesma posição as “ pessoas ou entidades cujos direitos ou interesses legítimos possam vir a ser afectados pela consideração das pretensões do autor”. A eventual lesão dos direitos e interesses legítimos como resultado do processo obriga a dar-lhes oportunidade de participarem neste e se defenderem pessoalmente, numa posição totalmente autónoma em relação á Administração, principal demandada. Deixam por isso, de serem vistos como simples “coadyuvantes” desta, condicionados pela sua posição no processo, para assumirem uma posição totalmente independente. Desta forma, os contra-interessados são chamados ao processo e intervêm nele como partes necessárias, ao lado do autor e entidade demandada, fazendo, assim, nascer uma relação jurídica processual trilateral.
Sendo partes necessárias no processo, os contra-interessados têm os direitos e deveres processuais iguais aos da parte demandada ( direito de contestar, de recorrer, de solicitar a intervenção de outras pessoas ou entidades, um dever de boa fé processual etc.), ainda que haja distinções que o legislador veio especificar, atendendo aos dois tipos de acções.
Com efeito, se na acção administrativa comum os contra-interessados são chamados ao processo, nos termos da regra geral prevista no artigo 10º, nº1 do CPTA, (legitimidade passiva). Já na acção especial, no que concerne á acção de impugnação de actos administrativos, os contra-interessados são todos aqueles “ a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manuntenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função de relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”, artigo 57º do CPTA. Estando, previsto no mesmo código uma regra semelhante na acção de condenação à prática do acto devido, artigo 68º/2.
É então necessário realçar que o critério material, relativo à matéria do interesse (que determina os contra- interessados) se caracteriza pela :
 existência de um interesse directo e pessoal de terceiros;
 que os terceiros sejam prejudicados por efeito directo da impugnação do acto, ou que os terceiros tenham um interesse legalmente protegido na manutenção do acto impugnado; e
 que esses terceiros possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo, artigos 57º e 68º CPTA.
Para terminar, o “ processo de partes”, não é um processo ente duas partes com interesses contraditórios, ao demandado e ao demandante junta-se o contra-interessado. Com a Reforma de 2004, deram -se novos passos na protecção de terceiros, que neste caso, serão os portadores de um interesse ou direito próprio eventualmente em conflito. Assim, de acordo com o artigo 2º, nº2 do CPTA, “ a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais”, é o que se verifica com os contra-interessados.
Na acção administrativa comum, o contra-interessado tem legitimidade passiva artigo 10º, nº 1.
enquanto que, na acção especial o contra-interessado tem legitimidade activa, artigo 57º, no que diz respeito à acção de impugnação de actos administrativos, já o artigo 68º refere-se à acção de condenação à pratica do acto devido. Assim, no processo administrativo, sempre que possa haver contra-interessados, trata-se de um processo trilateral, com três partes principais, sendo fundamental referir que estes têm os mesmos direitos e deveres que a entidade demandada.

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