terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Pressupostos de aplicação da acção de condenação da Administração à prática do acto legalmente devido

O art. 67º do CPTA distingue, nesta sede, 3 hipóteses:
1. Situações de inércia ou omissão
2. Casos de indeferimento
3. Situações de recusa de apreciação da pretensão.

Contudo, o Prof Vasco Pereira da Silva, adianta que tais hipóteses podem ser reconduzidas a 2: a existência de uma omissão administrativa (alínea a) ou a existência de um acto de conteúdo negativo, pois, de facto, a recusa da prática de um acto favorável (alínea b), como a recusa liminar da Administração a pronunciar-se (alínea b), conduzem ao mesmo resultado, que é a recusa do pedido apresentado pelo particular.

Mas, voltando ao esquema inicial apresentado, a primeira situação está prevista no art. 67º, nº1, a) do CPTA. Para que essa inércia seja relevante, será necessário que haja a obrigação legal de decidir, portanto de dar uma resposta segundo a lei. O art. 5º do CPTA regula esta questão do dever legal de decidir, sendo inevitável, para a existência deste dever: 1º) o impulso do particular; 2º), não haja decisão no prazo legalmente devido, sendo esta imposta por lei.

Até aqui, a lei resolvia a questão com a formação do acto tácito de indeferimento (art. 109º do CPTA), sendo que, em casos expressos e de carácter excepcional, existia o deferimento tácito, segundo o art. 108º do CPA. Trata-se de uma presunção legal de que o silêncio administrativo equivale a um acto positivo, favorável à pretensão do particular.

Ora, ao considerar-se que, em certos casos, o deferimento tácito subsiste, após a Reforma no ordenamento jurídico-administrativo, não fará mais sentido a propositura de uma acção de condenação no acto devido, pois, o efeito pretendido pelo particular já resulta da presunção legal de deferimento tácito, “pelo que a aplicação da acção de condenação resultaria numa redundância inútil”. Esta posição é sufragada por Mário Aroso de Almeida, estando, no entanto, longe de ser pacífica. Nesta linha, surgem várias vozes discordantes, a começar pelo Prof. Vasco Pereira da Silva que, não considera tão pouco, que o deferimento tácito seja um acto administrativo, nem coloca a hipótese de ser preterida a possibilidade de pedidos de condenação na prática de acto devido.

Seguindo a opinião do professor, a partir do momento em que há uma via de garantia para obter uma decisão judicial do tipo que está prevista na acção condenatória, quando se trate de acto administrativo vinculado, as “ficções” deixam de ser razoáveis. Acresce ainda, o facto de o seu fim não ser o de permitir apenas uma impugnação de acto (como no caso do indeferimento tácito), mas antes o de conceder a pretensão, sem a ponderação de interesses e de mérito devidas. Também Colaço Antunes, segue esta linha de pensamento, e entende que, “o meio idóneo para suprimir os flagelos dos deferimentos tácitos” é, efectivamente, a acção de condenação.

Relativamente ao indeferimento tácito, esta figura será aplicável sempre que haja um incumprimento pela AP do dever legal de decidir que a lei não qualifique como de deferimento tácito. Assim, o silêncio da Administração, quando convocada a decidir e extinto o prazo de decisão legalmente previsto, é valorado pela lei administrativa como recusa da pretensão do particular.

Esta “ficção” de indeferimento tácito prende-se com a necessidade de existência de acto administrativo para efeitos de impugnação: não se pode impugnar o nada, daí a “ficção” de acto preencher a lacuna e delimitar a realidade a impugnar.

Contudo, a “ficção” legal de indeferimento tácito, deixou de ser necessária e até mesmo de ter sentido útil, a partir do momento em que se passou a prever a acção condenatória.

Até à Reforma, face ao silêncio da Administração, ficcionava-se a existência de um acto tácito como única via de reacção contra essa mesma inércia, pois a via judicial possível era o recurso de anulação, o qual exigia como pressuposto a existência de um acto adinistrativo a impugnar. Mas, como refere Mário Aroso de Almeida, “a partir do momento em que se deixa de fazer depender o acesso à jurisdição administrativa da existência de um acto administrativo passível de impugnação, deixa de ser, na verdade, necessário ficcionar, em situações de pura inércia ou omissão, a existência de actos administrativos que possam ser objecto de impugnação”.

Assim, indo ao encontro das críticas que o Prof Vasco Pereira da Silva lança neste domínio, a acção de condenação da Administração à prática do acto devido, torna o contencioso administrativo mais realista, dispensado de “ficções”.

Posto isto, impõe-se a questão: o que acontece ao indeferimento tácito?
Deverá entender-se face à nova acção, através de uma interpretação sistemática das normas, que, o art. 109º foi derrogado tácita e parcialmente, devendo ser interpretado no seguinte sentido: “a falta de decisão administrativa confere ao interessado a possibilidade de lançar mão do meio de tutela adequado”.

No que diz respeito às situações abrangidas pelo art. 67º, nº1, b), sempre que existir um indeferimento expresso do acto requerido pelo particular, este deixa de ter que intentar o recurso de anulação, passando a intentar a acção condenatória, a qual satisfará mais amplamente as suas pretensões, pois é-lhe possível pedir mais. Dito de outro modo, caso o pedido de condenação seja julgado procedido, permite-se ao particular conseguir não só a eliminação do acto de indeferimento no ordenamento jurídico-administrativo, mas ainda a condenação da Administração na prática do acto legalmente exigido, nos termos do art. 66º, nº2.

Mais, na Exposição de Motivos do CPTA, o legislador clarificou a intenção legislativa, dizendo-se aí que a “condenação à prática do acto devido substitui a pronúncia anulatória, pelo que, uma vez proferida a sentença de condenação, não se pode sustentar que o indeferimento ainda subsiste na ordem jurídica, por não ter sido devidamente anulado”

Finalmente a última hipótese, tocante à recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática do acto administrativo, prevista no art. 67º, nº1, c). Cumpre esclarecer, que é precisamente nos casos de recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática do acto administrativo, onde reside a maior diferença em relação aos poderes atribuídos ao julgador administrativo.
Isto, porque nas situações em que a Administração invoque o carácter discricionário da decisão a tomar para não ter que decidir, o Tribunal vai, em sede de acção de condenação no acto legalmente devido, analisar da validade dessa recusa, mas vai mais longe, “avaliando também a substância da pretensão, o caso material”, contrariamente ao que acontecia no recurso contencioso de anulação. Nos termos deste recurso, o particular só conseguia, se fosse o caso, a declaração de invalidade da recusa, sendo que, em termos de apreciação da sua pretensão, o particular em nada beneficiava, tendo que, para isso, voltar a dirigir-se à Administração com um novo requerimento.
Pretende-se isto mesmo: que o Tribunal ao apreciar e considerar inválida a recusa liminar da Administração, transponha essa fronteira e analise o mérito da pretensão, condenando, se for o caso, a Administração a praticar um determinado acto.

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