terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Comentário à 2ª tarefa

Antes de proceder à análise da frase do professo Vieira de Andrade, parece útil fazer uma breve viagem ao passado, a título de curiosidade, e invocar os primórdios da acção de impugnação dos actos administrativos.
Antes da reforma, uma das vias contenciosas existentes era o “recurso de anulação”. No entanto este recurso de anulação padecia de uma profunda “crise de identidade”:
Antes de mais porque não era um recurso, mas apenas uma acção chamada “recurso”. Isto porque se tratava da primeira apreciação jurisdicional de um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa, na sequência da prática de um acto pela Administração, e não de uma apreciação jurisdicional de segunda instância, versando sobre uma decisão judicial. Tratava-se, deste modo, de um meio processual de impugnação de actos administrativos, destinado a obter a primeira definição do direito, feita por um tribunal.
Além disso, o recurso de anulação não é apenas de anulação. Estas sentenças ditas de anulação não possuíam apenas efeitos demolitórios, mas gozavam igualmente de uma eficácia repristinatória e conformadora. Ou seja, proibiam a Administração de refazer o acto e obrigavam a uma actuação de restabelecimento da situação jurídica do particular lesado pelo acto anulado. Daí a necessidade de considerar que as sentenças ditas de anulação podiam também possuir, para além desse efeito cassatório, outros efeitos de natureza conformativa e repristinatória, de modo a corrigir o “desfasamento entre a natureza da sentença e do processo em geral, por um lado, e a eficácia da própria sentença, por outro”.
No entanto, a reforma do contencioso administrativo optou por pôr termo ao recurso de anulação, sendo este substituído por uma acção de impugnação de actos administrativos, em que se possibilita a apreciação da integralidade da relação jurídica administrativa, a propósito da impugnação de um acto administrativo lesivo, resultando muito claramente do mecanismo da cumulação de pedidos.
Os artigos 4 e 47 do CPTA admitem todas as cumulações como possíveis desde que a relação jurídica seja a mesma ou similar. Ou seja, é uma cláusula geral de admissibilidade de cumulação de pedidos materialmente conexos (art. 47 nº1 CPTA).
Na Administração especial, sempre que estiver em causa o afastamento de um acto administrativo, este passará a ter como pedido, apresentado pelo particular, resultante da cumulação do pedido de anulação com restabelecimento da situação anterior, bem como eventuais pedidos de reconhecimento (isto no caso do acto administrativo se encontrar em execução, ou já tenha sido executado).

Voltando ao cerne da questão, focando-nos no conceito de acto administrativo impugnável e no conceito de acto administrativo, chegamos á conclusão que podemos debruçar-nos sobre duas perspectivas distintas:
Para o professor Vieira de Andrade, a impugnação do acto administrativo tem como função o controlo da invalidade dos actos administrativos. Sendo que o objecto desta impugnação pressupõe o conhecimento do conceito material de acto administrativo nos termos do art. 120º do CPA, tratando-se de decisões materialmente administrativas, ou seja, não apenas actos mas sim todas as decisões, independentemente da forma sob a qual são emitidas, desde que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta. Não fazem parte desta definição os puros actos instrumentais e as operações materiais, pois não constituem decisões, logo não produzem efeitos externos, nem afectam a esfera jurídica dos particulares. Pode então falar-se, por um lado, de um conceito de acto administrativo processual vasto, uma vez que abrange actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Publica, tal como dispõe o art. 51 CPTA. Por outro lado, será restrito na medida em que abrange apenas as decisões administrativas com eficácia externa, podendo englobar-se actos inseridos num procedimento administrativo “cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos” (art. 51 nº1 CPTA).
Com uma outra perspectiva destes conceitos, temos o professor Vasco Pereira da Silva, para quem o Código de Procedimento Administrativo, no seu art. 120º, vem adoptar uma noção ampla e “aberta” de acto administrativo, que compreende toda e qualquer decisão destinada á produção “ de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.
Para este autor, a crise das concepções restritivas do acto administrativo não poderia deixar de ter consequências contenciosas, abrindo o Processo Administrativo à diversidade de novas espécies de actuações administrativas. Daqui resultando que os actos administrativos impugnáveis se tornaram, “hoje em dia, uma realidade de contornos muito amplos, que compreende não apenas as decisões administrativas finais, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares, que tanto podem ser actos intermédios, como decisões preliminares, ou simples actos de execução”.
Seria portanto de afastar as noções restritivas de actos administrativos seja ao nível substantivo, seja ao nível processual. Considerando os actos administrativos como aqueles que produzem efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar, ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis.
A impugnabilidade não é, portanto, uma questão de natureza, nem uma característica substantiva dos actos administrativos, ou de uma específica e delimitada categoria deles. Impugnáveis são todos os actos administrativos que, em razão da sua situação, sejam susceptíveis de provocar uma lesão ou de afectar imediatamente posições subjectivas de particulares. Tão importante é esta abertura da noção processual de acto administrativo, que o legislador constituinte lhe abriu mesmo natureza de direito fundamental, incluindo expressamente a faculdade de impugnar quaisquer actos administrativos susceptíveis de lesar posições subjectivas dos particulares no próprio conteúdo do direito de acesso à justiça administrativa (art. 268 nº 4 CRP).
O Professor Vasco Pereira da Silva refere também o facto da Reforma vai também proceder á “abertura do contencioso administrativo, que não trata mais apenas dos actos da Administração Agressiva, mas passou também a ter de se ocupar da multiplicidade e diversidade das formas da actuação da Administração Prestadora e Infra-estrutural, fazendo incidir a sua apreciação sobre o universo do procedimento e da relação jurídica administrativa”. Concretizando, deste modo, o modelo constitucional de uma justiça administrativa plenamente jurisdicionalizada e destinada a garantir de forma integral e efectiva os direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas.

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