quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Noção de Acto Administrativo Impugnável à Luz da Reforma de 2002/2004

“A figura do acto administrativo constitui, por imperativo constitucional, um tópico de densificação da cláusula geral de jurisdição administrativa.”[1]

I - Sumário:
A minha viagem pelo mundo do acto administrativo impugnável, começa com um olhar atento embora resumido, sobre o conceito central do Direito Administrativo, referindo as principais concepções Alemã e Italiana e finalizando com a realidade portuguesa. Em seguida vou viajar novamente, mas desta feita partindo da queda do chamado “recurso de anulação” chegando até à acção de impugnação de actos administrativos.
Como não podia deixar de ser antes de chegar ao maravilhoso mundo do acto administrativo passo pela história do acto, actualmente disposto no artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo, que nos ajudará a compreender o actual entendimento doutrinário do conceito central de impugnação de actos administrativos.
Finalizarei o meu estudo com “a nudez crua da verdade” que se esconde por de baixo do “manto diáfano da fantasia”.

II – Conceito Central do Direito Administrativo.
Nos últimos anos a doutrina alemã afastou-se das tradicionais concepções do Direito Administrativo, que tinham o acto administrativo no “centro nevrálgico” da acção. Nas palavras de M. Nigro “o acto administrativo já não é mais o centro de gravidade do Direito Administrativo”. Nigro entende que actualmente há os chamados “domínios sem acto”, o que quer isto dizer que a administração não se produz unilateralmente, mas sim recorrendo a outros meios, a outras formas de actuação, onde o acto existe mas absorvido “numa entidade mais ampla”.
A doutrina italiana vai mais longe entendendo que a figura central do Direito Administrativo passou a ser o procedimento e não mais o acto, abandonando assim o modelo clássico anteriormente vigente. Agora é o procedimento que está no centro da preparação para a decisão final.
O que caracteriza a administração é o próprio desenvolvimento do procedimento e não o acto em si mesmo, independentemente do resultado que o procedimento consiga, . é É este que vai responder capazmente às necessidades e exigências da actividade administrativa dos nossos dias.
Como tal, o procedimento é visto agora como “ a alternativa dogmática ao acto administrativo”.
Esta nova visão traduz duas importantes vantagens: primeiro a do tratamento unitário de toda a actividade administrativa e em segundo a possibilidade de entender a administração pública no seu todo e no seu relacionamento com os privados.
Hoje temos duas orientações possíveis para entendermos a administração. A orientação alemã que vê na relação jurídica o conceito central do Direito Administrativo, harmonizando as posições dos particulares com a da administração e uma posição de cunho italiano que tem o procedimento administrativo no palco da actividade administrativa, resumindo a actuação tanto da administração como dos particulares a esquemas de procedimento.
O Direito português tende a colher as duas modernas concepções, uma vez que ambas explicam cabalmente a realidade da administração pública portuguesa. No entanto tendemos a aproximarmo-nos mais do modelo subjectivista.

III – Do Recurso de Anulação à Acção de Impugnação de Actos Administrativos.
A acção de impugnação de actos administrativos é uma sub-acção da acção administrativa especial, que segundo o entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva se deve ao regime anterior do recurso de anulação. O recurso de anulação desapareceu do ordenamento jurídico devido aos “conflitos insanáveis” que revelava e ao aumento do número de actos recorríveis, quando confrontados com actos lesivos de direitos.
Nas palavras de Vasco Pereira da Silva “o recurso de anulação não é um recurso” e “o recurso de anulação não é apenas de anulação”. Não é um recurso porque tinha as características de um recurso jurisdicional de primeira instância e não de segunda instância em relação a uma decisão. E era uma acção e não um recurso, pois tratava da impugnação de actos administrativos.
Para além de que o recurso de anulação não era de anulação, pois produzia efeitos jurídicos, não se limitando a anular e obrigava ao restabelecimento da situação jurídica daquele que ficou lesado pelo acto administrativo em causa.
Com a Reforma do Contencioso Administrativo desapareceu o recurso de anulação. Sendo substituído pela acção de impugnação de actos administrativos. Com a reforma surge também a cumulação de pedidos, que vem permitir a apreciação de toda a relação jurídica. É no artigo 47º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que encontramos a possibilidade de vários pedidos que obedeçam aos requisitos propostos no preceito, que sejam cumulados numa mesma acção. Pedidos esses que têm que ser materialmente conexos.
Desde a Reforma do Contencioso Administrativo que a possibilidade de cumular pedidos tem sido muito utilizada e que desta forma a admissibilidade de pedidos foi ampliada. Agora todos os pedidos são admitidos. O que leva Vasco Pereira da Silva a entender que há uma “hipervalorização” das situações de cumulação aparente de pedidos. No entanto, esta cumulação é necessária porque passou a ser possível anular o acto administrativo e ao mesmo tempo condenar a administração, por exemplo pedindo que a administração reponha a situação que existia anteriormente.
Como já pressagiava Maurice Hauriou mais tarde ou mais cedo o Contencioso de plena jurisdição vingaria sobre o de mera anulação.
A acção de anulação que já não é mais o chamado recurso de anulação, admite agora pedidos condenatórios quando necessários para garantir a defesa dos direitos dos particulares. Para isso o acto já tem que ter sido total ou parcialmente executado. Como tal, com o “Novo Contencioso Administrativo” passou a ser possível apreciar toda a relação jurídica controvertida e não apenas o acto administrativo.
Assim a acção de impugnação de actos administrativos passou a ter grande importância no actual Contencioso Administrativo. E é como que uma homenagem ao antigo recurso de anulação, sublinhando as palavras de Vasco Pereira da Silva.


IV – Concepções do acto administrativo até aos dias de Hoje.
O acto é o conceito central de todo o regime de impugnação de actos administrativos. A construção do conceito de acto tem vindo aos longos dos tempos a ser muito debatida e alterada. Em tempos que já lá vão o acto tinha como função delimitar as actuações administrativas. Nessa altura o acto administrativo andava ligado ao processo administrativo e não lhe era dada a importância que tem actualmente, desde a Grande Reforma de 2004 do Contencioso Administrativo.
O entendimento clássico de acto administrativo típico do Estado Liberal, ao longo do tempo foi sucessivamente repensado. Tendo três momentos fulcrais: o do Estado Liberal, o do Estado Social e finalmente o Estado Pós-Social.
O Estado Liberal foi fortemente influenciado por Otto Mayer e como não podia deixar de ser por Maurice Hauriou. Estado este caracterizado por uma Administração agressiva, dita de “polícia”.
Otto Mayer caracterizava o acto administrativo como “manifestação da Administração autoritária que determina o direito aplicável ao súbdito no caso concreto”[2]. Já Hauriou via o acto administrativo como manifestação dos privilégios exorbitantes da Administração, em matéria decisões decisória e executória, ou seja que implicava execução oficiosa.
Em Portugal foi Marcello Caetano quem mais se debruçou sobre uma noção de acto administrativo. Este administrativista concebeu um sentido amplo de acto, no entanto foi o seu entendimento mais restrito que vingou na doutrina portuguesa – o de acto “definitivo e executório” como manifestação da actuação administrativa.
Com o Estado Social surge uma administração preocupada com os direitos dos particulares, : a administração prestadora, caracterizada por actos administrativos favoráveis. No entanto como refere Vasco Pereira da Silva esta Administração Prestadora “trouxe consigo uma certa “crise” do acto administrativo”, deixando o acto de ser a figura central do Direito Administrativo, uma vez que surgiram muitas outras novas figuras como por exemplo os regulamentos administrativos. Como tal, o acto administrativo perdeu as características autoritárias que antes o identificavam. O acto administrativo não é mais “definitivo e executório” como Marcello Caetano o havia caracterizado.
O Estado Pós-Social trás consigo o “novo conceito” de Administração, que resulta de uma multiplicidade de relações jurídicas. Assente na colaboração de entidades públicas e privadas para realizar a função administrativa. Assistimos nesta fase a um “duplo” alargamento da noção de acto administrativo, uma vez que agora as actuações unilaterais, de órgãos de outros poderes estaduais assim como as actuações de particulares que colaboram com a administração pública integram o conceito de acto administrativo.
Como tal, foi afastado o entendimento único de acto administrativo e assistimos hoje a uma grande variedade de actos administrativos que conjugam as noções criadas ao longo da história do acto administrativo (tem características agressivas, assim como prestadoras ou infra-estaduais).
É por tudo o que foi dito, que a actual noção de acto administrativo entendida no código do procedimento administrativo (adiante designado por CPA) é aceite pela doutrina como uma noção ampla e aberta de acto (como analisarei mais à frente).


V – O maravilhoso mundo do acto administrativo impugnável.
Comecemos esta viagem por “descascar” o conceito material de acto administrativo, colocando a questão basilar: afinal qual o é o actual conceito de acto administrativo?
Ao longo dos tempos doutrina e jurisprudência foram construindo um conceito de acto administrativo. Actualmente o CPA consagra um conceito de acto administrativo.
O ponto de partida da questão é o artigo 120º do código do procedimento administrativo que nos diz que “consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.
Para Vasco Pereira da Silva no novo quadro da justiça administrativa desapareceu a noção restrita e vingou a noção ampla de acto administrativo. A maioria da doutrina é favorável a esta concepção (veja-se a título exemplificativo Mário Aroso de Almeida e Marcelo Rebelo de Sousa). No entanto o Professor Vieira de Andrade é defensor de uma noção mais restrita de acto administrativo.
O que resultou da história foi uma noção ampla de acto no Direito Administrativo Português. O que significa que desde “actuações marcadamente materiais”, a “actos de procedimento como as decisões finais” e a actuações internas assim como externas, todos estes actos podem ser impugnados, ou seja não só as decisões finais como actos intermédios lesivos de direitos dos particulares. É aqui que reside o busílis da questão, pois são susceptíveis de serem impugnados todos os actos administrativos que afectem as posições jurídicas dos particulares.
No entanto, para Vieira de Andrade os puros actos instrumentais, assim como as acções ou operações materiais e comportamentos ficam excluídos do conceito de acto administrativo por não serem decisões e como tal, não poderem ser impugnados, através desta acção especial. Vieira de Andrade, também exclui os actos internos do leque dos actos administrativos impugnáveis.
A noção de acto administrativo foi evoluindo e convém frisar as opções de Justiça Administrativa que mais contribuíram para essa evolução:
- O princípio de que todo o particular deve ter direito a uma tutela judicial adequada;
- A cumulação de pedidos que permitiu conhecer-se de toda a relação controvertida;
- O disposto no artigo 38º do CPTA que permite conhecer a título incidental um acto que deixou de ser passível de impugnação;
- A própria norma do artigo 51º do CPTA que permite conhecer as relações que foram estabelecidas no decorrer do procedimento administrativo;
- Assim como o abandono do recurso de anulação que deu lugar à actual acção administrativa especial e ainda a substituição de uma noção restrita por uma noção ampla de acto administrativo, que permitiu uma maior protecção das posições subjectivas dos particulares.
Para além das transformações externas do acto administrativo as transformações internas operadas também foram muito importantes. Exemplo disso é o facto de a própria Constituição, consagrar no artigo 268º, nº4 um direito fundamental de impugnação “de quaisquer actos administrativos” que lesem direitos de particulares, o que levou o legislador da reforma a concretizar as opções da Constituição.
O critério de impugnabilidade de um acto administrativo depende da função e da natureza da acção; conforme esteja em causa uma acção de impugnação de um direito de um particular enquanto se relaciona com a administração ou uma acção de defesa do interesse público. Pode estar em causa a susceptibilidade de lesar direitos ou a eficácia externa, . são São dois critérios diferentes de impugnação dos actos.
A característica da eficácia externa é determinante para a compreensão do conceito de acto administrativo impugnável. O acto tem que ser susceptível de produzir efeitos na esfera jurídica de alguém, ou seja, não só da administração como também na esfera de um particular lesado pelo acto.
Mário Aroso de Almeida entende que do disposto no artigo 120º do CPA resulta uma concepção restrita de acto administrativo, no entanto não é esse o seu entendimento em relação à impugnação de actos administrativos, uma vez que vai para além da concepção que ele entende como restrita do código, . foi Foi o que afirmou nas “considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável” elaboradas nos “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano”.
Também para este Professor, requisito fundamental para a impugnabilidade de actos administrativos é o da eficácia externa, regulado no nº1 do artigo 51º do CPTA. Para Mário Aroso de Almeida só os actos que não afectem a esfera jurídica “de ninguém” ou que não produzam quaisquer efeitos jurídicos externos não podem ser impugnados.
Como tal, só os actos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis por entidades distintas daquelas que emitiram o acto. O critério da eficácia externa só tem que estar preenchido quando aquele que o quer impugnar não foi a entidade emissora do acto. Portanto, embora o requisito da eficácia externa seja um requisito da natureza dos efeitos que o acto quer produzir, ele é importante para conhecer aqueles para além dos que o emitiram, que têm legitimidade para os impugnar.

Cabe agora analisar um outro requisito de um acto administrativo impugnável: a “definitividade horizontal” que foi contestada pela doutrina e afastada da noção de acto administrativo impugnável. Como é referido no nº3 do artigo 51º do CPTA “…a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final…”. Desta forma é admitida a impugnação de actos administrativos procedimentais, sendo certo que têm que obedecer aos requisitos da legitimidade e do interesse em agir. Alguém que não seja afectado pelo acto não tem interesse em agir, por exemplo quando esse acto em relação a alguém é um acto meramente preparatório.
Existem duas situações que restringem a regra geral do nº3 do artigo 51º. A primeira diz respeito ao “acto que tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento”, este acto tem que ser imediatamente impugnado, para que mais tarde não o venha a ser através do acto final alegando a exclusão ilegal do interessado no procedimento. E o segundo caso tem a ver com lei especial que determine determinado prazo de impugnação, esta lei vai prevalecer sobre a regra do nº3.
Quanto aos actos praticados pelos subalternos numa relação de hierarquia esses já não são mais impugnados através do recurso hierárquico necessário, uma vez que o código afastou este “recurso” e agora garante a impugnação de todos os actos lesivos de direitos dos particulares.
Como tal, há agora um controlo jurisdicional imediato destes actos. Os actos dos subalternos podem ser impugnados autonomamente, através do disposto no artigo 51º, nº1 do CPTA. O particular vai poder optar entre impugnar imediatamente o acto ou beneficiar da suspensão do prazo de impugnação do acto administrativo (do artigo 59º, nº4 do CPTA).
O que está aqui em causa é o requisito da “definitividade vertical” que tem sido muito contestado pela doutrina, ou seja, saber se é necessário utilizar a impugnação administrativa para numa “segunda fase” se poder aceder à via contenciosa.
Independentemente da opção que o particular tome, ele terá sempre a possibilidade de impugnar imediatamente o acto administrativo, sem depender de um recurso hierárquico necessário. Como tal, mesmo nas situações em que o particular opta por utilizar uma garantia graciosa, pode logo impugnar o acto administrativo sem ter esperar pelo resultado da diligência que tomou.
Para Vasco Pereira da Silva trata-se de uma contradição entender que o recurso hierárquico existe e que a qualquer momento pode ser suscitado quando na realidade tornou-se desnecessário, como entende Mário Aroso de Almeida, quando sufraga que “as decisões administrativas continuam, no entanto, a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei, em resultado de uma opção consciente e deliberada do legislador, quando este a considere justificada”[3]. Segundo a posição de Mário Aroso de Almeida apesar de a regra geral ter sido “revogada” o mesmo não pode ser afirmado quanto às regras especiais “avulsas”.
Nas palavras de Vasco Pereira da Silva temos um “recurso hierárquico necessário desnecessário”, porque não pode continuar a exigir-se uma realidade que não existe mais. Esse “desaparecimento” pode ser aferido através do disposto no artigo 7º do CPTA que promove o acesso à justiça. Esta regra visa evitar “diligências inúteis”, na medida em que promove a “emissão de pronúncias sobre o mérito”.
Com esta visão do actual modelo do Contencioso Administrativo fica provado que é possível a imediata impugnação de actos administrativos praticados pelos subalternos.
Outro requisito importante para a impugnabilidade do acto administrativo é que o acto positivo tenha um conteúdo decisório, ou seja, que não seja uma simples declaração de ciência, um juízo de valor ou um parecer não vinculativo. Estes últimos são actos que não são impugnáveis contenciosamente porque não contemplam o requisito essencial do “conteúdo decisório do acto”, que vem regulado no nº2 do artigo 51º “são igualmente impugnáveis as decisões materialmente administrativas …”.
Este elemento encontra-se interligado a um outro conceito, o de definitividade material do acto, que vem limitar os actos internos que podem ser impugnados. Como tal, “um acto através do qual a entidade pública que o praticava definia a situação jurídica de outrem ou a sua própria situação jurídica perante outrem que com ela estivesse, ou pretendesse estar, em relação administrativa”[4]. Como tal, como vem referido no final do nº2 do artigo 51º, tratam-se das decisões “proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo”. Enquadram-se neste sentido os actos praticados por privados no âmbito de procedimentos pré-contratuais que sejam promovidos ao abrigo de normas de Direito Administrativo, isto quanto à última parte do preceito. Já quanto às decisões praticadas por autoridades não integradas na Administração Pública trata-se das que vem elencadas no artigo 24º, nº 1 e 26º, alínea c) do ETAF, como o Presidente da República, a Assembleia da República e o seu Presidente, os Presidentes do Tribunal Constitucional, dos Supremos Tribunais e do Tribunal Contas.
Quando falamos em impugnação de actos administrativos não podemos deixar de analisar a impugnação de actos meramente confirmativos, regulados no artigo 53º do CPTA. Que surgiram com o fim de evitar que os litígios fossem constantemente reabertos, perdendo-se a segurança jurídica que exigida. Estes actos não gozam de definitividade material, pois não são actos definidores do direito para além de não serem susceptíveis de produzir efeitos jurídicos.
Também os actos de execução não gozam de carácter regulador nem de definitividade material, devido à sua natureza. A impugnação de actos de execução vem regulada no artigo 52º do CPTA. O acto de execução abrange todas as actuações da administração que sejam susceptíveis de lesar interesses dos particulares ou simplesmente que produzam efeitos jurídicos. Como tal, qualquer acto de execução que lese direitos dos particulares é susceptível de impugnação contenciosa.
Actualmente a executoriedade não é mais uma característica dos actos administrativos, uma vez que existem actos que não são susceptíveis de execução por imposição legal.
Com a reforma, também os actos ineficazes passaram a ser impugnáveis, desde que obedeçam ao requisito indispensável que é o da lesão dos direitos dos particulares, segundo o disposto no artigo 54º do CPTA.
Cabe agora analisar os actos administrativos de indeferimento que com a Reforma do Contencioso Administrativo deixaram de poder ser impugnados tendo em vista à sua anulação ou declaração de nulidade. Actualmente a solução a esta questão está consagrada nas alíneas b) e c) do artigo 67º do CPTA, estas consagram a possibilidade de pedir a condenação da administração à prática de um acto. Como tal, os actos de indeferimento não podem ser impugnados, uma vez que do ponto de vista do interesse em agir não há motivos justificativos.
Assim sendo se o particular pedir a anulação de um acto administrativo de indeferimento, deve ser accionado, pelo juiz o disposto no nº4 do artigo 51º do CPTA “…o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do acto devido…”.
Importa ainda referir que, também, não são impugnáveis os actos praticados em execução ou aplicação de outros actos administrativos, uma vez que eles confirmam o que é entendido no acto que executam sem tomarem qualquer decisão. No entanto se estes actos padecerem de algum vício, aí sim podem ser impugnados, uma vez que são actos que possuem o requisito da eficácia externa.

VI – Regime Processual do Acto Administrativo impugnável.
Passemos agora à análise esquemática do regime jurídico processual do acto administrativo impugnável que vimos detalhadamente no ponto anterior.
Inserida na acção administrativa especial a impugnação de actos administrativos obedece a pressupostos processuais específicos regulados nos artigos 51º e seguintes do CPTA.
O código divide este regime em quatro partes principais:
- o acto administrativo impugnável, nos artigos 51º a 54º;
- a legitimidade para impugnar, nos artigos 55º a 57º;
- os prazos de impugnação, artigos 58º a 60º;
- e o capítulo “da instância” nos artigos 61º a 65º que desenvolve alguns aspectos particulares da instância.
O requisito fundamental da impugnação é o próprio acto administrativo. A impugnação está pois dependente do conceito de acto administrativo.
Nesta sede, cumpre analisar o requisito do artigo 52º, nº1 do CPTA que dispõe que a impugnação de actos administrativos não depende da forma pela qual foram praticados. Este é o princípio da irrelevância da forma dos actos administrativos para efeitos de impugnação.


VII – Conclusão: “A nudez crua da verdade sob o manto diáfano da fantasia”.
Como analisei anteriormente Mário Aroso de Almeida entende que resulta do artigo 120º do CPA um conceito restrito de acto administrativo. Mas será mesmo assim?
Actos administrativos não são só os actos com conteúdo decisório. Tal afirmação afastaria uma série de outros actos, como os pareceres e as informações. Nem todas as manifestações jurídicas da administração pública se enquadram na definição do artigo 120º do CPA.
Não tem sido pacífica a interpretação do disposto no artigo 120º do CPA. É de entender que o preceito “esconde” uma realidade muito mais profunda do que aquilo que se poderia entender à primeira vista.
De facto não é possível considerar a noção que nos é deixada pelo legislador do código, como uma noção restrita, ela é muito mais do que decisões de órgãos administrativos assim compreendidos. “Por debaixo” da definição de acto administrativo do artigo 120º temos uma realidade muito maior, que abrange os actos que se desenvolvem no seio das relações entre órgãos da Administração ou como aqueles que se fazem notar nas relações intra-administrativas. Estas são realidades muito amplas e diversificadas, que se podem compreender abrangidas pelo preceito. O conceito de acto Administrativo é actualmente um conceito amplo que abrange os actos que tenham eficácia externa, vinculando entidades públicas e privadas que sejam afectadas pelo acto.
Mário Aroso de Almeida tem defendido que o requisito da eficácia externa do acto, consagrado no artigo 51º do CPTA “não é um atributo inerente ao conceito de acto administrativo”[5]. É, sim um requisito “associado” que permite que os actos administrativos, praticados por quem não se encontre integrado na estrutura da entidade emissora, possa impugna-los.
Para haver uma impugnação, pelo menos abstractamente, tem sempre que haver um acto administrativo.
Como vimos tendo em conta o caso concreto, são muitos os requisitos necessários para que um acto administrativo possa ser impugnado. A base encontra-se no artigo 120º do CPA, ao definir o que é um acto administrativo, e é nos artigos 51º e seguintes do CPTA que continuamos a busca pelo acto administrativo impugnável.
As alterações nos conceitos e na prática administrativa que se estão a operar, conduzem a uma prudência na apreciação dos fundamentos da impugnação de um acto administrativo.
A Administração procura definir os procedimentos administrativos e descrevê-los o que poderá vir a facilitar a impugnação desses mesmos actos.


Bibliografia:

. Almeida, Mário Aroso; O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos; reimpressão da 4ª edição; Almedina; 2007.
· Almeida, Mário Aroso; “Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável”; in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano; volume -II; (páginas 259 e seguintes).
. Andrade; Carlos Vieira; “A Justiça Administrativa” (Lições); 8ª edição; Almedina; 2006.
. Correia, José Manuel Sérvulo; Impugnação de actos administrativos; in Cadernos de Justiça Administrativa; nº16 de Julho/Agosto de 1999.
. Silva, Vasco Pereira; O Contencioso Administrativo No Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no Novo Processo Administrativo; Almedina, 2005.
. Silva, Vasco Pereira; Em Busca do Acto Administrativo Perdido; Colecção teses; Almedina; 2003.

.Silva, Vasco Pereira; "2001: Odisseia no espaço conceptual do acto administrativo", in cadernos de justiça administrativa; nº28, Julho/ Agosto de 2001.

Diplomas:
· Constituição da República Portuguesa;
· Código do Procedimento Administrativo;
· Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
· Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

[1] Nas palavras de José Manuel Sérvulo Correia, nos cadernos de Justiça Administrativa, nº16 – Julho / Agosto 1999.

[2]Vasco Pereira da Silva em “ O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, da Almedina, Novembro de 2005.
[3] Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, da Almedina (páginas 137 e seguintes).
[4] Mário Aroso de Almeida, em “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano”, Volume II, “Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável” (páginas 259 e seguintes).

[5] Mário Aroso de Almeida, em “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano”, Volume II, “Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável” (páginas 259 e seguintes).

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