terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O cultivar de um passado (que se perpetua) – 4.ª Tarefa.

Verifica-se, pois, que o CPTA assegura protecção plena dos titulares de direitos e interesses legalmente protegidos ao nível do caso concreto, como decorre da imposição constitucional, mas encara a declaração da ilegalidade das normas com força obrigatória geral como uma questão predominantemente de interesse público, para a qual estabelece soluções de inspiração objectivista, em termos que podem ser susceptíveis de crítica pelo aparente retrocesso operado.

Vieira de Andrade,
A Justiça Administrativa



Ao menos no contencioso das normas administrativas, podemos afirmar-nos inovadores. Desta vez soubemos ficar longe do habitual perfil traçado à “portugalidade”, não adoptando modelos de outros países, sem medo de parecermos isolacionistas.
Assim, em 1997, a CRP veio consagrar, no seu artigo 268.º, n.º 5, o direito dos cidadãos a “impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legamente protegidos”. Cada vez mais se veio a efectivar a tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares.
O impulso para a criação de meios processuais para controlar a validade dos regulamentos e proteger os direitos dos cidadãos foi a resposta a um sistema de controlo dos regulamentos muito fechado. Esse sistema permitia a reacção contenciosa a partir de três formas, a via incidental, ou seja, o regulamento apenas indirectamente era apreciado, não sendo afastado, mas somente não aplicado ao caso concreto; o meio processual genérico, do qual resultava a declaração de ilegalidade de normas administrativas, mas na condição de, ou se tratar de norma exequível por si mesma, ou de já ter sido julgada ilegal em três casos concretos; e, por último, o meio processual especial, pelo qual se impugnavam normas, mas apenas relativas aos regulamentos da administração comum local.
Felizmente, o CPTA veio pôr termo a esta dualidade de meios processuais que havia sido introduzida pela LPTA, uniformizando o regime de impugnação de normas administrativas. Da análise dos artigos 72.º e 73.º do Código, retiramos que são admitidos dois tipos de pedidos, o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade num caso concreto. Aquela apenas pode ser pedida pelos particulares se a norma tiver sido desaplicada em três casos concretos (artigo 73.º, n.º 1), condição que, porém, não se exige se o pedido tiver sido realizado pelo Ministério Público, oficiosamente, ou a requerimento dos actores populares. Já esta, pode ser pedida quer pelo particular lesado, quer pelas entidades legitimadas para a acção popular sempre que a norma produza os seus efeitos imediatamente, não lhes sendo exigidos nem um acto administrativo ou judicial de aplicação, nem a anterior desaplicação da norma em três casos concretos (artigo 73.º, n.º 2). Posto isto, não há como negar que o CPTA “encara a declaração da ilegalidade das normas com força obrigatória geral como uma questão predominantemente de interesse público, para a qual estabelece soluções de inspiração objectivista”, não só pelos efeitos da declaração, como pela evidente ampliação da intervenção do MP, que passo a explicar. A impugnação das normas jurídicas por parte do MP não é alvo de qualquer condicionante, enquanto que o pedido do particular e do actor popular está dependente da declaração de três casos concretos de não aplicação. Ademais, é de referir a chamada de atenção que quanto a esta situação nos faz o Professor Vasco Pereira da Silva. É que, não obstante a falta de sentido de tal solução, ainda menos cabimento tem a equiparação que no Código se faz ao actor popular e ao particular. Aquele, que não vê qualquer interesse próprio na demanda, tem legitimidade para se constituir como assistente do MP, que actua para defesa da legalidade e do interesse público, enquanto que o particular lesado não tem essa legitimadade.
E note-se, antes da reforma podia-se fazer o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral dos regulamentos mesmo sem a sua prévia desaplicação a três casos concretos. Não se compreende, de facto, que o estatuto do particular no contencioso de impugnação de normas jurídicas se tenha tornado, no fim das contas, ainda mais limitado; Não quando se plasmou na CRP este direito como fundamental para os particulares.
Sem dúvida, houve um retrocesso. Não obstante por um lado termos conseguido a unificação do sistema, por outro, não atingimos aquela que era a base desta suposta “moderna tradição”: a garantia de tutela pela e efectiva dos direitos dos particulares. Caiu por terra a intenção de que tanto nos gabámos – e com razão.
Afinal, julgando os resultados, ainda não foi desta que nos tornámos assim tão inovadores.

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