quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Comentário à 4ª tarefa: Que ilações retirar da reforma de 2004 na impugnação das normas regulamentares?

A frase sugerida para análise enquadra-se no âmbito da impugnação dos actos regulamentares ( Capítulo II, Secção III, do Código do Procedimento nos Tribunais Administrativos (CPTA)), sendo considerada uma das quatro modalidades da acção administrativa especial. Apresenta como pressupostos processuais, designadamente: legitimidade, mencionada nos nº1,2e 3 do artigo 73 do CPTA, conforme as entidades; interesse que não é exigível ser actual, bastanto, para o efeito, ser futuro, de acordo com o artigo 73º nº1 e oportunidade, previsto no artigo 74º CPTA.
Antes de mais, importa averiguar o âmbito de aplicação dos regulamentos administrativos; em Portugal os regulamentos são caracterizados por serem normas abstractas e gerais, figurando-se nas designadas "figuras intermédias" na medida em que, são designados regulamentos porque, há apenas a exigência em relação aos actos administrativos em conterem normas individuais e concretas (artigo 120ºCódigo de Procedimento Administrativo).
A impugnação das normas regulamentares, propriamente dito, apela a uma tradição iniciada com a reforma de 1984-1985 que visou combater um sistema de controlo dos regulamentos muito limitados. Além disso, esta impugnação é inspirada no sistema de fiscalização de constitucionalidade das normas, mais especificadamente no sistema de fiscalização concreta (artigos 277 e seguintes da Constituição da República Portuguesa (CRP)). Saliente-se,que com a revisão constitucional de 1997 foi consagrado no artigo 268º nº5 CRP a impugnação autónoma de regulamentos de modo, a garantir a tutela plena e efectiva dos particulares.
Por conseguinte, para "desmitificar" o sentido da presente frase é necessário fazer um confronto entre a Lei do Procedimento dos Tribunais Administrativos(LPTA) e o CPTA no que diz respeito à impugnação de normas regulamentares. Sendo assim, no regime tradicional, ou seja, antes da reforma falava-se em três meios processuais para reagir contenciosamente contra regulamentos administrativos:
  • via incidental - possiblidade de apreciação indirecta de avaliação dos regulamentos, logo o juiz vai conhecer a título principal da invalidade do regulamento, porque o que estava realmente em causa era o recurso directo de anulação de um acto administrativo cuja ilegalidade era consequentemente da aplicação do regulamento inválido.
  • meio de natureza genérica - atribuída a toda e qualquer entidade administrativa que consisitia na acção de declaração de ilegalidade com dois pressupostos alternativos respectivamente, ou o regulamento imediatamente exequível e só assim, o particular podia reagir contra o referido regulamento pois tinha efeitos imediatos, ou terem-se verificado anteriormente três casos concretos de não aplicação, à semelhança da fiscalização concreta para a fiscalização abstracta na fiscalização da constitucionalidade na CRP.
  • impugnação de regulamentos das autarquias locais
Contudo, com a reforma de 2004 o Código resolveu criar apenas um meio processual para reagir contra todos os regulamentos; daí a falar-se numa uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar em contraposição com a panóplia de meios processuais anteriormente existentes.
Deste modo, e com vista a unificar o regime de impugnação de regulamentos administrativos, o legislador resolveu utilizar o pressuposto processual legitimidade para estabeleçer regras diferentes quanto ao objecto do processo e efeitos das sentenças, no que se veio a traduzir a posteriori numa lógica violadora de princípios constitucionais (infra).
A regra geral, subjacente à impugnação de regulamentos, vêm prevista no artigo 73º nº1 do CPTA e é aplicável a todos os sujeitos. A estes mesmos sujeitos, é dada a possibilidade de impugnarem normas regulamentares que antes tinham sido julgadas no caso concreto (três casos de não aplicação). Repare-se, a limitação que se observa face ao regime anterior, onde era permitido ao particular reagir em quaisquer cirscunstâncias às actuações administrativas que ponham em causa os seus direitos; por este motivo o Professor Vieira de Andrade falar num "retrocesso operado".
Por sua vez, o Ministério Público como sujeito público por excelência pode impugnar a norma regulamentar, com base no disposto nº3 e nº4 do artigo 73º do CPTA. Esta atribuição é justificada a este órgão dado o regulamento ter um dimensão mais objectiva (defesa da legalidade e prossecução do interesse público) do que o acto administrativo. Todavia é pertinente questionar: porque é que se atribui esse direito ao Ministério Público limitando os direitos dos particulares?
De facto, mediante o plasmado no artigo 73º nº 3 do CPTA cabe ao Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do actor popular (artigo 9º nº2 do CPTA) pedir a declarção com força obrigatória geral sem necessidade de verificação de os três casos em concreto; entretanto ao particular não é concedido esta faculdade.Deste modo, é necessário fazer uma interpretação correctiva do preceito em questão (sugestão proposta pela Professor Vasco Pereira da Silva) no sentido de considerar alargada também ao particular a possibilidade de se constituir como assistente do Ministério Público na medida em que, o particular, igualmente, poderá ter interesse próprio na demanda, caso haja uma violação dos seus direitos pela norma jurídica. Note-se, que apesar da dimensão objectiva acentuada do regulamento, é imprescindível nunca descuidar da sua dimensão subjectiva de maneira a proteger os direitos e interesses dos particulares (artigo 268 nº5 da CRP).
Já no que toca ao disposto no artigo 73º nº2 CPTA constata-se uma declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral que tem como escopo da norma fazer com que não possa ser aplicada ao interessado que obtenha essa declaração. Segundo, a posição sufragada pelo Professor Vasco Pereira da Silva, neste preceito o legislador confunde a acção a título incidental com a acção a título principal, o que gera uma manifesta violação do princípio da legalidade, da não contradição e da unidade da ordem jurídica. A regência, neste sentido, alerta para os problemas colocados ao nível do Direito Europeu e possíveis consequências para o nosso ordenamento jurídico.
Com efeito, há duas modalidades de impugnação, a que o Professor Vieira de Andrade faz alusão , e que se exprimem na declaração com força obrigatória geral (artigo 73º nº1 do CPTA), requisito este não exigido se o pedido for feito pelo Ministério Público ou pelo actor popular (artigo 73º nº3).Por outro lado, há a declaração de ilegalidade da norma com efeitos restritos ao caso concreto (artigo 73º nº2) em que o lesado ou o actor popular podem pedir a desaplicação da norma imediatamente.
Conclui-se, que pelos motivos supra expostos, esta última norma necessita de ser alterada por ser claramente inconstitucional (violação de um direito fundamental-artigo 268º nº 5 CRP-; criação de um regime mais restritivo e violação de bens e valores constitucinais de natureza objectiva)
Por último, os efeitos de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral constam do disposto no artº73º nº1 (eficácia retroactiva e efeitos ex tunc), no nº2 e nº3 estão previstas as regras excepcionais.Embora, haja um silêncio quanto aos efeitos da declaração de ilegalidade no caso concreto deve entender-se, da mesma forma, que operam ex tunc e com eficácia retroactiva, mas apenas naquele caso em questão.

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