quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O Direito de Acção Popular e a Constituição

O direito de acção popular é, desde logo, um verdadeiro direito de acção judicial com as inerentes características. Trata-se pois de um direito atribuído a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos ou a pessoas colectivas que visem a defesa de interesses determinados. Desta forma, permite requerer a intervenção dos órgãos jurisdicionais do estado, com o fim de assegurar a tutela de certos interesses comunitários aos quais a CRP confere uma protecção.
O traço característico mais marcante desta figura é a extensão da legitimidade processual, a qual passa a ser aferida, não de um modo concreto e casuístico, mas em termos gerais e abstractos.
No que concerne á distinção entre a acção popular supletiva e a acção popular correctiva cabe dizer que a primeira se destina a defender e proteger os direitos e interesses da administração Pública, suprindo a inércia dos órgãos a quem competia prossegui-los sendo que a segunda está destinada à impugnação da legalidade dos actos da administração. Era, entendimento de parte da doutrina, que as acções populares supletivas corriam no âmbito do contencioso civil e que as acções populares correctivas corriam no âmbito do contencioso administrativo.
A acção popular é indissociável da ideia de Estado, sendo este constituído pelos 3 elementos: o povo, território e poder político. Ora, se assim é, podemos encontrar nestes 3 elementos uma estreita relação com um conceito de acção popular:
§ É a partir da comunidade de indivíduos que habita num certo território, que se atribui a legitimidade para agir em juízo;
§ Os interesses a defender através da acção popular são interesses meta-individuais;
§ A prossecução e garantia desses interesses estariam, prima facie, a cargo do Estado;
A acção popular reconduz-se a uma forma, de exercício de um direito político, na medida em que, se trata da participação do cidadão na condução da vida política do Estado. O exercício da acção popular supletiva integra também uma chamada de atenção aos órgãos da Administração para que actuem de forma mais célere e mais diligente na defesa dos interesses da res publica; a acção popular correctiva consubstancia um meio de fiscalização da legalidade da actuação desses mesmos órgãos visto que o princípio da legalidade funciona como limite e fundamento de toda a acção administrativa.
Assim sendo, não será de estranhar que o direito de acção popular se incorpora no conjunto dos direitos liberdades e garantias de participação política, surgindo como um corolário do princípio democrático e da democracia participativa.
Trata-se, pois, de um instituto intrinsecamente político bem como de uma forma de consagração da máxima de que o poder emana do povo.
Foi com a segunda revisão constitucional que o legislador estabeleceu uma conexão entre o exercício do direito de acção popular e a defesa de interesses difusos.
Na definição do professor Eduardo Couture, interesse é uma aspiração legítima, de ordem pecuniária ou moral que representa para uma pessoa a existência de uma situação jurídica ou a realização de uma determinada conduta. No que concerne á definição de interesse difuso não há na doutrina um consenso total. No entanto, os interesses difusos reúnem as características da indeterminação dos sujeitos, indivisibilidade do objecto, intensa conflituosidade interna e a duração contingencial.
As sentenças transitadas em julgado, proferidas em acções ou recursos administrativos ou em acções cíveis têm eficácia geral, não abrangendo, contudo, os titulares de direitos ou interesses que tenham exercido aquele direito.
A expressão “nos casos e nos termos previstos na lei” constante do nº3 do artigo 52º da CRP parece indiciar que a constituição deixou ao critério do legislador ordinário um amplo espaço de conformação legislativa deste direito fundamental.
O contencioso administrativo, correspondendo ao exercício da jurisdição administrativa, consubstancia uma actividade do Estado que tem por fim a manutenção da paz pública, englobando duas funções fundamentais:
· Por um lado, o controlo jurídico objectivo, ou seja o contencioso de função objectiva traduzindo-se este nos casos em que se pretenda tutelar o interesse público à legalidade da actuação da administração pública.
· Por outro lado, a protecção jurídica subjectiva, ou seja, o contencioso de função subjectiva quando a actividade jurisdicional seja desenvolvida, por iniciativa de um sujeito determinado, com vista a tutela dos seus interesses pessoais, lesados de forma real ou potencial.
Desta forma, o princípio da legalidade desdobra-se numa tricotomia de funções:
o A garantia subjectiva;
o O papel de indirizzo político associado ao princípio da competência;
o A racionalização da actuação da Administração Publica na prossecução dos interesses públicos.
Estas funções mencionadas correspondem aos parâmetros de equilíbrio entre as funções objectivista e subjectivista do contencioso administrativo. Significa isto, que o conjunto de normas que atribui aos órgãos da Administração a competência para a prossecução de interesses públicos é o mesmo que garante as posições jurídicas subjectivas dos particulares.
Quanto à legitimidade activa pode afirmar-se que caberá a quem tiver, no caso concreto, a faculdade, conferida por lei, para dar início a um processo destinado a fazer valer uma pretensão em juízo. No contencioso administrativo, essa legitimidade está sempre relativizada aos efeitos resultantes de uma acção ou omissão da administração.
Quando exista uma conduta ilegal da administração pode acontecer que:
o Essa conduta ilegal cause prejuízos ou lesões a direitos e interesses legalmente protegidos, cujo titular está identificado;
o A conduta em causa embora não causando qualquer tipo de lesão individual, ofende direitos difusos;
o A conduta da administração, embora não ofendendo qualquer interesse subjectivado, atinge a própria legalidade abstractamente considerada.
Cabe ao Ministério Publico a defesa da legalidade objectiva, como interesse autónomo da comunidade, competência essa que está concretizada, ao nível do contencioso administrativo, através de um acompanhamento de todo o processo.
Do explanado resulta que:
Ø A titularidade do direito de acção popular foi conferida, na acção popular tradicional para a defesa da legalidade objectiva, apenas, aos cidadãos;
Ø Na acção popular do contencioso eleitoral, ela foi atribuída apenas ao indivíduo, na medida em que aqui é a própria natureza dos interesses em causa que impossibilita que essa legitimidade seja atribuída a um qualquer ente colectivo;
Ø No caso da acção popular especial, para tutela de interesses difusos, a titularidade do direito de acção popular cabe aos cidadãos, às associações e fundações que tenham por escopo a defesa desses interesses e às autarquias locais.

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