quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Impugnação de normas (4ª tarefa)

Não poderia estar mais de acordo com a conclusão do Professor Viera de Andrade. No âmbito da impugnação de normas, regem os artigos 72º e seguintes do CPTA. Com este meio processual, direi específico e independente, a possibilidade de impugnação de normas regulamentares emanadas no exercício da função administrativa foi concebida. A questão está em saber se a forma como foi concebida é eficaz, eficiente e positiva.
Aparentemente, poder-se-ia dizer que esta foi mais uma excelente cartada da reforma do contencioso administrativo. Todavia, não seria isto inteiramente correcto e a citação do Professor já concede uma abertura para esta constatação.
Estabeleça-se um enquadramento jurídico ao olhar para os artigos 73º e seguintes do CPTA. Como consequência da utilização deste meio processual, temos logo dois tipos de pronúncias jurisdicionais, isto quanto aos seus efeitos: temos a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral. Em suma, declaração sem força obrigatória geral existe naqueles casos em que a ilegalidade declarada pelo tribunal apenas vale para o particular. Neste sentido, o artigo 73º, nº2 quando refere “…podem obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.” Não já se passa assim com uma pronúncia no sentido da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. A consequência é a produção dos efeitos para todos, passando pelo afastamento da norma da ordem jurídica. Eu avanço: temos uma eminente tutela objectiva da legalidade (ou pelo menos tentativa de…), o que justifica que seja permitido ao Ministério Público, nos termos do artigo 73º, nº3 do CPTA, pedir a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral. Por outro lado, temos para os particulares uma simples declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral se não tiverem já ocorrido no passado três casos de desaplicação da mesma norma. Leia-se, declaração de ilegalidade restrita ao caso concreto. Ou, se quisermos, produzindo efeitos apenas para aquele caso concreto levado a tribunal.
Julgo conveniente relembrar o que a Constituição estabelece e impõe ao nível desta acção. Reza o artigo 268º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa: “Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”. Ora, tem o Professor Vasco Pereira da Silva razão quando realça o facto do direito de impugnação de normas regulamentares constar não apenas expressamente da Constituição, como também reconduzir-se a um número próprio e independente. Ora, está sempre em causa uma tutela jurisdicional efectiva. A meu ver, não poderia ser de outra forma, pois, como já se realça frequentemente, o Direito Administrativo é o campo privilegiado dos direitos fundamentais e nada mais é do que Direito Constitucional concretizado. Por um lado, a tutela objectiva da legalidade é plenamente conseguida quando se faculta ao MP os poderes do número 3 do artigo 73º e quando se concretiza o dever que sobre ele recai, positivado no número 4 do mesmo artigo. Compreende-se que, embora o entendimento sobre o como deve ser estruturado o Direito Administrativo e perspectivado o Contencioso seja discutível, não parece que se deva refutar a intenção de o legislador conceder verdadeira importância à tutela e defesa da legalidade. No entanto, parece que o fez bem, mas não o realizou totalmente, quer não relembrando o que esteve também na origem da reforma do Contencioso (a tutela dos direitos e interesses dos particulares), quer não efectivando, por completo, a natureza objectivista e seu significado quando positivou o regime de impugnação de normas regulamentares.
Senão vejamos: o regime que fora concedido a este meio processual, observado do ponto de vista dos direitos dos particulares, merece críticas. Chega a causar perplexidade quando se olha para o que existira já neste âmbito antes da reforma do Contencioso Administrativo. Actualmente, os particulares merecem um tratamento desfavorável, como bem frisa o Professor Vasco Pereira das Silva. O regime é claro, mas perverso. Os regulamentos, por serem regulamentos, não deixam de produzir efeitos jurídicos, alguns deles lesivos dos particulares. Ora, se se permite ao particular dirigir-se ao tribunal, não pode requerer a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral se a norma em causa não tiver sido recusada por qualquer tribunal em três casos concretos? Não existindo esta sequência de casos, o que acontece? É simples! O particular prejudicado por uma norma regulamentar, dirige-se ao tribunal, consegue a declaração da ilegalidade, mas esta só terá eficácia naquele caso. É declaração de ilegalidade mas sem força obrigatória geral, nos termos do artigo 73º, nº2 do CPTA. O seu estatuto é bem diverso quando comparado com os poderes que são facultados ao MP.
Mas não será, saliente-se na minha opinião, esta a tão grave questão. O professor Viera de Andrade é crítico e fala na protecção plena dos titulares dos direitos e interesses legalmente protegidos mas no caso concreto. Ora, não parece que, além de conceder que os particulares, após uma reforma que se quis produtiva de plenos efeitos e avanços nomeadamente ao nível da tutela jurisdicional efectiva, devam merecer um tratamento desfavorável. Mas a questão passa, também, a ser outra. A norma não deixará de ser ilegal. Contudo, manter-se-á na ordem jurídica, produtora de plenos efeitos jurídicos. Pior, a norma é um pouco incongruente no seu todo. Não se percebe como se consegue favorecer e criar um regime jurídico tão objectivista, mas acabe, na prática, a desrespeitá-lo no seu seguimento. Se se permite que uma norma ilegal continue em plena ordem jurídica, o que se dirá de tudo isto? Não terá o Professor Vasco Pereira da Silva novamente razão quando afirma que isto é uma pura violação grosseira dos bens e valores de natureza objectiva? Merece crítica por isto e merece crítica por mais: uma reforma pretende-se, regra geral, propulsora de uma evolução positiva. Não houve evolução, muito menos positiva. O professor Viera de Andrade utiliza a expressão “retrocesso”. Concordo. Ora, se antes já se permitia que um particular pudesse suscitar o afastamento da ordem jurídica de normas regulamentares sem condições, nomeadamente sem se exigir três sentenças de desaplicação, ainda que restrita a regulamentos da Administração local comum, porque não utilizar esta base e subir um patamar? Já se previa, ainda, um meio processual de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando a norma já tivesse sido julgada ilegal em 3 outros casos. Nada se mudou.
Concluo, não se entende porque não andou bem o Contencioso aqui.

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