quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Comentário à 2ª tarefa

“ No entanto, o conceito processual de acto administrativo impugnável é diferente do conceito de acto administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro mais restrito “ .

A noção de acto administrativo teve a sua origem em França, com o momento decisivo a dar-se com a eclosão da Revolução Francesa de 1789. Aí, a categoria do acto administrativo surgiu para delimitar as actuações da Administração Pública excluídas por lei da fiscalização dos tribunais judiciais, de harmonia com uma interpretação deveras consentânea e transparente do entendimento que deve presidir ao princípio da separação de poderes, acrescentaria eu. O conceito de acto administrativo evoluíu depois, ( tendo em conta como pano de fundo e servindo de inspiração o sistema francês ) , para um segundo estádio, que começou a partir do ano VIII ( Constituição do Frimário, de 15 de Setembro de 1799 – responsável pela criação do “ Conséil d’État” ) e tendo também uma função diametralmente oposta: a definição das actuações da Administração Pública submetidas, agora, ao controle dos tribunais administrativos. “Em resumo, o conceito de acto administrativo apareceu como modo de delimitar certos comportamentos da Administração em função da fiscalização da actividade administrativa pelos tribunais, tendo, dessa primeira perspectiva, primeiro servido como garantia da Administração e, depois, como garantia dos particulares” ( V. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol.II, pág.205 ) . Por sua vez,o conceito processual de acto administrativo impugnável somente ganhou preponderância com a Lei N.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
“ O conceito de acto administrativo ainga hoje desempenha esta importante função de delimitar comportamentos susceptíveis de fiscalização contenciosa, designadamente através do meio processual” da acção administrativa especial ( Arts.46 e ss do CPTA ) , na modalidade impugnação de actos administrativos, prevista no Art. 50/1 do CPTA.” Isto resulta muito claro da actual redacção do Art.268/4 da Constituição de 1976. Como se vê, o acto administrativo aparece aqui, antes de mais, a delimitar os comportamentos da Administração que são susceptíveis de impugnação contenciosa para fins de garantia dos particulares” ( V. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol.II , pág.206 ) . Para o Professor Vasco Pereira da Silva, o acto administrativo releva “do ponto de vista procedimental, dado que se trata de uma forma de actuação que é praticada no decurso de um procedimento ( ... ) no qual os particulares são chamados a participar ( ... ) “ – V. Vasco Pereira da Silva, Em busca do acto administrativo perdido, pág.435. Em suma, o acto administrativo está, normalmente, ligado à noção de procedimento.
No que concerne ao conceito de acto administrativo impugnável ( Art.51/1 do CPTA ) , é opinião do Professor Vieira de Andrade que : “Este conceito começa por pressupor um conceito material de acto administrativo, que se refere, nos termos do CPA ( Art.120 ) , às decisões materialmente administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta – independentemente da forma sob que são emitidas, isto é, mesmo que apareçam em forma de regulamento ou estejam contidas em diplomas legislativos.
Ficam de fora, desde logo, os puros actos instrumentais – actos jurídicos como a generalidade das propostas, pareceres “stricto sensu” ou comunicações - , bem como as acções ou operações materiais ( de exercício ou de execução ) e comportamentos ( informações, avisos ) porque, não constituindo decisões, não são sequer actos administrativos” ( V. Vieira deAndrade, A Justiça Administrativa, 9º Ediçao, págs.204-205 ) . E isto para a qualquer das noções de acto administrativo expostas. “ O conceito de acto administrativo deve ser hoje entendido em sentido estrito – implicando uma decisão reguladora de autoridade própria do poder administrativo - já que, ao contrário do que acontecia antes, não é necessária ( nem conveniente ) a sua ampliação para propiciar ao particular uma protecção judicial, estando assegurada aos cidadãos uma tutela judicial efectiva por via da acção administrativa comum” . Esta posição é maioritária na doutrina, sendo perfilhada por Rogério Soares, Mário Esteves de Oliveira e Sérvulo Correia. Contudo e apesar de haver uma certa correspondência entre o conceito processual de actos administrativo impugnável e o outro conceito substantivo de acto administrativo, mal seria se o legislador fizesse coincidi-los , pois está-se perante dois conceitos que subjazem a diplomas legislativos distintos: CPA e CPTA, no que ao último diz respeito o acto administrativo impugnável interessa essencialmente em termos de acção administrativa especial, relativamente a pedido de impugnação de actos administrativos. Além do mais, o que me merece destaque é o facto dos ditos conceitos de acto administrativo se interpenetrarem e sofrerem de um estado de dependência mútua, já que num se define o que se considera ser acto administrativo e, então, noutro se aponta como critério determinante da sua impugnação a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Com efeito, não é assim tão segura a afirmação de que o conceito processual de acto administrativo impugnável plasmado no Art.51/1, CPTA seja mais restrito que o conceito de acto administrativo constante do Art.120 do CPA , únicamente pela referência à eficácia externa como condição de impugnabilidade do acto administrativo. Ora, actos dotados de eficácia externa, nas palavras do Professor Vieira de Andrade, “ são os actos administrativos que produzam ou constituam efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta” – do mesmo modo, afirma-se no Art.120 do CPA que: “ ( ... ) consideram-se actos administrativos as decisões ( ... ) que ( ... ) visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” . E relações jurídicas administrativas externas quer significar as relações que se estabelecem entre a Administração Pública e os particulares no quadro do Direito Administrativo enquanto ramo do Direito. Deste modo e até tendo como evidente a defesa de um conceito restrito de acto administrativo na doutrina, não vejo ser razão suficiente o argumento de que “são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmentes aqueles ( ... ) “ , nos termos do Art51/1 do CPTA , para o Professor Vieira de Andrade vir enunciar o carácter mais restrito do conceito processual de acto administrativo impugnável em comparação com o conceito procedimental de acto administrativo infirmado do Art.120, CPA. A outra razão aduzida pelo Autor prende-se com a exclusão, “pelo menos em princípio, dos actos internos, isto é, aqueles que visem ( ... ) “ – V. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa ( Lições ) , 9ª Edição, pág.206. Isto sem prezuízo da hipótese prevista no Art.14/4 do CPA do presidente de órgão colegial poder interpor recurso contencioso e pedir a suspensão jurisdicional da eficácia das deliberações tomadas pelo órgão colegial a que preside que considere ilegais, v.g. E entre os actos internos incluem-se actos materialmente administrativos, mas organicamente provindos de órgãos de outros poderes do Estado. Por exemplo: o Presidente da República demite ilegalmente um funcionário da presidência ou o juiz aplica ilegalmente uma pena disciplinar a um funcionário judicial. Quid juris?São actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, embora no âmbito dos poderes político e judicial. É aqui, na lesividade de direitos e interesses legalmente protegidos, que se encontra a tónica do conceito processual de acto administrativo impugnável,aliás acentuada pelo legislador no Art.51/1 do CPTA , ao usar a expressão “especialmente” . Se quisermos, a teoria da lesividade consagrada no artigo atrás elencado e defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva é a condição essencial do acto administrativo impugnável e a eficácia externa do acto administrativo é uma condição acessória ou até inútil, na medida em que para que o particular possa reagir contra as actuações administrativas que afectem os seus direitos e interesses legalmente protegidos, em termos de impugnação contenciosa de acto admistrativo pelo meio processual da acção administrativa especial, é pressuposto prévio e intríseco da impugnação de actos administrativos que estes detenham eficácia externa; caso contrário, nem sequer era impugnável porque a actuação administrativa não tinha projecção sobre a esfera do particular e vericar-se-ia uma impossibilidade de susceptibilidade de lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos dos interessados. Na minha opinião há que olhar ao sentido teleológico da norma do Art.51/1 do CPTA e admitir a impugnação de acto administrativo sempre que se verifique a susceptibilidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos por via do conteúdo de acto administrativo, desconsiderando a sua eficácia externa. Não é por acaso que se estende o conceito processual de acto administrativo impugnável a “decisões materialmente administrativas proferidas por autoridades não integradas na administração Pública e por entidades privadas ( ...) “ e aos actos de indeferimento – Cfr Art.51 , números 2 e 4, CPTA . O problema poe-se também, como bem nota o Professor Vieira de Andrade no seu manual: A Justiça Administrativa ( Lições ) , 9ª Edição, a propósito das decisões administrativas preliminares – pré-decisões e pareceres vinculativos. As pré-decisões constituem na aprovação de projecto de arquitectura no procedimento de licenciamento de obras particulares ou na aprovação de informação prévia favorável de carácter vinculativo no procedimento de licenciamento, sendo ambas situações “constitutivas de direitos”, por isso que vinculam a decisão final de atribuição da licença ao interessado. Deste modo, é de concluir que os actos internos são passíveis de suscitarem uma lesão de direitos e interesses legalmente protegidos e , como tal, objecto de impugnação contenciosa, nos termos do Art.51/1, CPTA .
Por outro lado tenho a certeza de que não restam quaisquer dúvidas de que o conceito processual de acto administrativo impugnável é mais vasto do que o conceito de acto administrativo. O Professor Vieira de Andrade destaca a dimensão orgânica ou subjectiva do conceito de acto administrativo, afastando do conceito de acto administrativo os actos praticados por entidade não administrativa. Sendo assim:
1) “Não são actos administrativos os actos juridicos praticados pela Administração Pública no desempenho de actividades de gestão privada .
2) Também não são actos administrativos, por não traduzirem o exercício do poder administrativo, os actos políticos, os actos legislativos e os actos jurisdicionais, ainda que praticados por órgãos da Administração” ( V. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol.II , PÁGS.214-215 ) .
Por seu lado, o Art.51/1 do CPTA não faz depender a impugnabilidade do acto administrativo de uma especial qualidade do seu autor, incluíndo “não só decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos, como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública – artigo 51.º , n.º 2” ( V. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 9º Edição, pág.205 ) . Por último, admite-se ainda e para efeitos do disposto no Art.51/2 do CPTA , actos materialmente administrativos realizados por órgãos dos poderes político, legislativo e judicial. Esta questão foi analisada, supra aquando da análise da afirmação: “no entanto, o conceito processual de acto administrativo impugnável ( ... ) e, por outro mais restrito” .
Em conclusão, os conceitos de acto administrativo impugnável e acto administrativo diferem porque se reportam, um, a delimitar o âmbito de actuação da Administração Pública pela sujeição à jurisdição administrativa e, outro, que se dedica a ser a base de um dos principais meios processuais ao dispor do particular em termos das suas garantias contenciosas. Não esquecer que sistemáticamente o Art.51 inicia a SUBSECÇÃO I –Do acto administrativo impugnável – da SECÇÃO I , CAPÍTULO II do TÍTULO III, concernente à acção administrativa especial. Por fim, de notar que o conceito processual de acto administrativo impugnável é, sobretudo, mais amplo e de uma perspectiva dos particulares isto é um aspecto absolutamente fulcral, quando em comparação com o conceito procedimental de acto administrativo consagrado no Art.120, CPA.

Sem comentários: