terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Comentário à 4ª tarefa

A impugnação de normas no Contencioso Administrativo corresponde a um dos pedidos principais admissíveis em sede de acção administrativa especial. Neste âmbito, e como resulta dos artigos 72.º e 73.º do CPTA, admitem-se dois tipos de pedidos, sujeitos a regimes diferentes: o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade num caso concreto.
A impugnação de normas administrativas é aplicável a todas as actuações jurídicas gerais e abstractas ou que possuam apenas uma dessas características, emanadas de autoridades públicas ou de particulares que com elas colaborem, no exercício da função administrativa. Desta forma, ficam excluídos da previsão do artigo 72.º, os actos materialmente administrativos individuais e concretos.
Antes da reforma era possível reagir contenciosamente contra regulamentos administrativos mediante duas formas distintas (descontando o caso da apreciação incidental que não se afigurava como via autónoma): através da declaração de ilegalidade de normas administrativas (artigo 66.º LEPTA) - um meio processual genérico; e através da impugnação de normas (artigos 63.º e ss LEPTA) – meio processual especial. Com a reforma do Contencioso Administrativo verificaram-se grandes alterações, principalmente, a uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar pondo termo à dicotomia de meios processuais. Esse regime uniforme, tomou como “padrão” o anterior meio processual genérico mas, se antes, a via da declaração de ilegalidade dependia sempre da verificação, em alternativa, de aplicabilidade imediata ou da existência de três casos de desaplicação, de agora em diante, verifica-se que as condições de apreciação das normas jurídicas dependem também da legitimidade, sendo que o legislador distingue três regras distintas. A regra geral (independentemente de quem propõe a acção) é a de que a declaração de ilegalidade depende da existência de três casos concretos em que a «aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal (…), com fundamento na sua ilegalidade» (artigo 73.º, nº1). Relativamente à acção pública, o Ministério Público pode pedir a declaração de ilegalidade, mesmo quando não se verifiquem os três casos concretos de desaplicação (artigo 73.º, nº3). Assim sendo, o Ministério Público vê ampliada a sua intervenção, do ponto de vista das condições de procedibilidade dos regulamentos, pois tanto pode impugnar normas de eficácia imediata, como aquelas que dependam de acto administrativo ou jurisdicional de execução. Isto, para além da consagração do dever do MP de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando tenha conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua invalidade (artigo 73.º, nº4). No que concerne à acção para defesa de direitos, assim como à acção popular, a declaração de ilegalidade também pode ter lugar quando se trate de norma jurídica imediatamente exequível (isto é, sem a verificação do prévio julgamento em três casos), embora, nesse caso, ela produza efeitos apenas no caso concreto (artigo 73º, nº2). As novidades, segundo a Doutrina levantam várias questões polémicas e criticáveis. Na perspectiva de Vasco Pereira da Silva, resulta algo estranha, a contraposição particular e actor popular, para um lado, e actor público, para o outro lado, no que respeita às condições de que depende a impugnação de regulamentos. Equivale a fazer do MP o principal responsável pela impugnação de normas jurídicas, que pode ter lugar sem qualquer condicionalismos, quer se trate de normas exequíveis como não exequíveis por si mesmas e quer tenha havido, ou não, prévio julgamento acerca da sua ilegalidade. Enquanto que a intervenção do actor popular e do particular fica condicionada à existência de três casos concretos de não aplicação, de acordo com o regime geral, ou, de acordo com o regime especial, tratar-se de normas exequíveis por si mesmas, situação em que a sentença possui alcance limitado. Tentando justificar a opção do legislador, poderia dizer-se que está aqui em causa um regulamento, que é norma geral e abstracta, pelo que o maior alcance da intervenção processual do MP, que actua para defesa da legalidade e do interesse público, se explicaria em razão da dimensão objectiva da via jurídica em questão. Mas, nessa lógica objectivista, não se compreende o tratamento diferenciado das possibilidades de intervenção do actor público e do actor popular, uma vez que ambos actuam para defesa da legalidade e do interesse público, com a assimilação da posição do actor popular à do particular, e não à do MP. Antes, a haver regras de intervenção diferenciadas, levaria a colocar, de um lado, o particular e, de outro lado, o MP e o actor popular. Outro aspecto de difícil compreensão, prende-se com a possibilidade do actor popular, mas não do particular, vir a solicitar a intervenção do MP, podendo mesmo vir a constituir-se como assistente, o que se afigura um contrasenso. Realmente, não faz qualquer sentido que o actor popular, que actua para defesa da legalidade e do interesse público, sem possuir interesse próprio na demanda, se possa constituir como assistente do órgão do Estado, que actua para defesa da legalidade e do interesse público, mas já o particular, lesado nos seus direitos pela norma jurídica, não o possa fazer. Tal obriga, no entendimento de Vasco Pereira da Silva e de Sérvulo Correia, a fazer uma interpretação correctiva do artigo 72.º, nº3 CPTA, no sentido de considerar alargada, também ao particular, a possibilidade de se poder constituir como assistente do MP nos processos em questão, em razão do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Este tratamento desfavorável do particular em sede de impugnação de normas jurídicas consegue ser mais desfavorável do que o que existia antes da reforma. Efectivamente, não se compreende que seja esquecida a dimensão subjectiva, já que os regulamentos são formas de actuação administrativa susceptível de produzir efeitos lesivos na esfera jurídica dos particulares. Ainda para mais, a Constituição, na sua revisão de 1997, autonomizou o direito fundamental de impugnação de normas jurídicas no âmbito dos “direitos e garantias”, plenas e efectivas, de acesso à justiça (artigo 268.º, nº5 CRP). Acrescentando-lhe ainda o facto, de que, antes da reforma, o particular podia suscitar o afastamento da ordem jurídica de qualquer norma administrativa, sem quaisquer condicionalismos, quando utilizasse o meio processual da impugnação de normas, ou na condição, em alternativa, de se tratar de norma exequível por si mesma, ou de terem antes existido três sentenças judiciais de não aplicação, quando utilizasse o meio processual da declaração de ilegalidade de normas. Criticava-se a dualidade de meios processuais, mas o que é certo, é que a unificação do sistema fez-se à custa da restrição das condições de que passa a depender a impugnação de regulamentos pelos particulares, o que corresponde a um efeito paradoxal da reforma do Contencioso Administrativo, a qual, sendo exigida pela Constituição para a concretização das respectivas disposições em matéria de Justiça Administrativa, acabou por culminar, no entanto, a este respeito, no resultado oposto ao intencionado. O legislador, ao estabelecer uma dicotomia do contencioso regulamentar, consoante esteja em causa a acção pública, por um lado, em que a declaração de ilegalidade goza de força obrigatória geral, e a acção para defesa de direitos e a acção popular, por outro lado, para a qual foi criada a declaração de ilegalidade concreta, acabou por retroceder em relação ao regime instaurado pela reforma de 1984/85 (no mesmo sentido, Vieira de Andrade). Assim sendo, a criação da declaração concreta da ilegalidade afigura-se ser uma solução incapaz de passar pelo crivo da lógica, da Constituição e do Direito Europeu. A única alternativa, nas palavras de Vasco Pereira da Silva, é confiar na “criatividade” do aplicador do direito para “dar a volta ao texto”, generalizando o regime da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (artigo 73.º, nº1 CPTA) a todas as modalidades de impugnação de normas jurídicas, independentemente do seu autor.

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