segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Tudo uma questão de amplitudes

Afigura-se pertinente, e veremos porquê adiante, fazer uma primeira abordagem ao conceito de acto administrativo, dissecado pela doutrina e comunmente apresentado como um acto jurídico unilateral praticado no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação indívidual e concreta. O CPA adoptou, e bem, segundo o Prof Vasco Pereira da Silva, uma noção ampla e “aberta” de acto administrativo, que compreende toda e qualquer decisão destinada à produção “de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” (art.120.º). Sendo consideradas pela lei como actos administrativos tanto as actuações agressivas como as prestadoras ou as infra-estruturais, tanto “as decisões de carácter regulador como as actuações de conteúdo mais marcadamente material, os actos de procedimento como as decisões finais, as actuações internas bem como externas”.
O conceito de acto administrativo impugnável começa por pressupor um conceito material de acto administrativo, que se refere, nos termos do CPA (art.120.º), às decisões materialmente administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta – mesmo que apareçam em forma de regulamento ou estejam contidas em diplomas legislativos.
Excluídos ficam os puros actos instrumentais ou as operações materiais – devido à ausência por parte destes de conteúdo decisório, característica assente do acto administrativo.
A lei ordinária actual, mais precisamente os n.ºs 1 e 2 do art.51.º, o n.º1 do art. 52.º, o art.53.º e o nº1 do art.54.º do CPTA, procede a delimitação do círculo dos actos adinistrativos susceptíveis de impugnação judicial, em termos que possibilitam o desenho de um quadro que desenvolve e completa a previsão constitucional. Afigura-se por um lado mais “vasto”, por outro, mais “restrito” do que o conceito de acto administrativo plasmado no art.120.º CPA. Importa ressalvar que independentemente do conceito de acto administrativo impugnável que o CPTA veio consagrar o referido conceito de acto administrativo apresentado no CPA não poderia sem mais ser usado para efeitos processuais.
Uma impugnação visa a destruição daquilo que se impugna, mais concretamente, obter uma decisão do tribunal que anule ou declare a nulidade ou inexistência jurídica do acto administrativo impugnado, por se apresentar desconforme com as regras e princípios jurídicos que deveria respeitar ou resultar de uma vontade administrativa viciada (art.50.º, nº1, do CPTA).
O objecto da impugnação não é um qualquer acto administrativo: somente aquele que possua determinadas características e que se encontre em certas condições – vamos então agora tentar enunciar e “apaziguar a confusão” (actos administrativos e actos administrativos impugnáveis), que a meu ver, como em posts anteriores já assim foi classificado, não passa de uma consumpção ou uma questão de amplitude que se proclame no conceito de acto administrativo, a ver vamos...
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, não há que distinguir substantivamente os actos administrativos das “decisões executórias” ou dos “actos definitivos e executórios”. Actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos, mas de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar ou de causar uma lesão a outrém, são contenciosamente” impugnáveis. Impugnáveis “são todos os actos administrativos que, em razão da sua “situação”, sejam susceptíveis de provocar uma lesão ou de afectar imediatamente posições subjectivas de particulares”, consagrado na CRP, no art.268.º,n.º4.
Tendencialmente, alargou-se a noção de impugnabilidade dos actos administrativos, compreendedo agora, não apenas as decisões administrativas finais e “perfeitas”, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares, que tanto podem ser actos intermédios, como decisões preliminares, ou simples actos de execução”.
Para, não me alongar demasiado, passarei a enunciar por tópicos (ou tentativa de tópicos) as características dos actos administrativos impugnáveis, porém atente-se que a doutrina nao é consensual (e nem todos defendem todos):

- apenas são impugnáveis os actos administrativos dotados de eficácia externa – devendo entender-se que actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta

- de entre esses actos são especialmente impugnáveis os actos lesivos

- a impugnabilidade do acto não depende de forma que este revista (268.º, n.º4 CRP e art. 52.º, n.º1, do CPTA)

- a impugnabilidade do acto é também independente da respectiva eficácia, sendo suficiente para a admissibilidade da impugnação que a execução do acto se tenha iniciado ou que seja certo, ou muito provável, que a sua eficácia se virá a produzir (art.54.º do CPTA)
- a circunstância de um acto administrativo não consubstanciar a decisão final de um procediento administrativo (ou seja, o facto de se tratar de um acto interloctório ou preparatório) não constitui obstáculo à sua impugnação – desde que, evidentemente, ele seja lesivo ou, pelo menos, tenha eficácia externa.

- também não obsta à impugnação de acto praticado no exercício de uma actividade administrativa pública, ou seja, de uma actividade regulada por normas de direito administrativo, a circunstância de o seu autor não ser um órgão de uma pessoa colectiva pública. A prevalência crescente de uma noção material de administração pública, em detrimento de uma noção orgânica, conduz a que a protecção jurisdicional administrativa não dependa danatureza pública das entidades sujeitas à justiça administrativa, mas da natureza pública da actividade desenvolvida, como claramente decorre do n.º2 do art.51.º do CPTA.

- o art.53.º do CPTA determina que a natureza meramente confirmativa do acto administrativo (ou seja, o facto deste se limitar a reiterar um acto administrativo anterior) somente obsta à sua impugnação quando o acto confirmado haja sido impugnado pelo mesmo interessado, ou lhe tenha sido notificado ou, ainda, quando haja sido objecto de publicação (neste último caso, apenas se a notificação ao interessado não fosse obrigatória).

- a lei não estabelece qualquer exigência relativamente a uma hipotética impugnação administrativa prévia do acto que se pretende atacar judicialmente. Nem o art. 51.º, nem o n.º4 do art. 59.º do CPTA, contém tal exigência (que a existir, seria seguramente feita numa destas disposições). Em consequência, todos os actos administrativos com eficácia externa são susceptíveis de impugnação contenciosa. Em todo o caso, não se veja nesta afirmação uma certidão de óbito de toda e qualquer impugnação administrativa necessária actualmente existente: tal óbito não resultará, cremos, do CPTA, mas poderá decorrer do juízo de constitucionalidade a que as normas estabelecendo tais impugnações deverão ser sujeitas.


Porque me incumbe tomar uma posição, ou no mínimo apresentar uma conclusão do exposto
acerca da afirmação do Professor Vieira de Andrade, sinteticamente, temos agora assente que o acto administrativo impugnável consubstância um âmbito mais vasto do que o acto administrativo, na medida em que o primeiro não depende da qualidade administrativa do seu autor : inclui, não só as decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos, como ainda os actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública (artigo 51.º nº2 CPTA), enquanto o acto administrativo já exige a qualidade do seu autor, mais respectivamente órgãos da administração (artigo 120.º do CPA que são actos administrativos as “decisões dos órgãos da Administração (…)”)...Como o Prof. Vasco Pereira da Silva, julgo que estamos perante um alargamento da noção tradicional de acto administrativo, podendo considerer-se uma equiparação aos actos administrativos das actuações que não provêm de autoridades administrativas, “seja porque emanam de entidades da Administração pública sob a forma privada, seja porque são emitidas por concessionários ou outros particulares que colaboram com a Administração no exercício da função administrativa”. Da exposição feita quanto à perspectiva oposta, citando a posição do Prof.Vasco Pereira da Silva,concluímos que o acto impugnável é mais restrito pois: “actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar, ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis”, já para o Prof.Vieira de Andrade será restrito na medida em que abrange apenas as decisões administrativas com eficácia externa, podendo englobar-se actos inseridos num procedimento administrativo cujo conteúdo seja susceptível de provocar uma lesão ou de afectar imediatamenteposições subjectivas de particulares” artigo 51.º, nº1 do CPTA como supra referido.
As diferenças apontadas na doutrina quanto à amplitude do conceito de acto administrativo impugnável quando comparado com o acto administrativo vêem a sua raíz nas diferentes noções de acto administrativo: uma estrita de Vieira de Andrade, outra ampla de Vasco Pereira da Silva, o que implica, na prática, que exista uma restrição mais alargada, pois abrange também aquilo que na noção ampla de acto administrativo se acrescenta. Esta concepção (ampla) defendida pelo regente, enaltecendo a violação de direito dos particulares é a que melhor se coaduna com o regime do CPTA e face à norma constitucional do art.º268.º, nº4. Para o regente “A impugnabilidade não é portanto, uma questão de “natureza”, nem uma característica substantiva dos actos administrativos, ou de uma específica e delimitada categoria deles”.
Temos que o “mais amplo” ou “mais restrito” a que o Prof Vieira de Andrade faz alusão na frase dada a análise, subjaz e difere consoante o conceito de acto administrativo que se adopte que pode, também por sua vez, ser “mais amplo” ou “mais restrito”.

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