sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Discordo

“No entanto, o conceito processual de acto administrativo impugnável é diferente do conceito de acto administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro mais restrito.”


A frase que nos é dada ao comentário consta das lições de justiça administrativa publicadas pelo seu autor. Naturalmente, no exercício que nos é proposto, há que ir mais além, levantar outras questões para que, em jeito de conclusão, se possa atracar num porto de maior segurança dogmática.
Em primeiro lugar, cumpre fazer uma abordagem de direito positivo. O conceito, tanto de acto administrativo, como de acto administrativo impugnável constam de diplomas que, por sinal, revelam boa técnica legislativa e contribuem para a compreensão “acertada” das noções em análise, pelo menos até certo ponto.
Comece-se pelo conceito de acto administrativo. De acordo com o artº 120 do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA), são actos administrativos “as decisões dos orgãos da administração que, ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Como se verá de seguida, adoptou-se uma concepção ampla de acto administrativo, mas não tão ampla como é materialmente, nos dias que correm.
Já a noção de acto administrativo impugnável chega-nos prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), no seu artº 51/1 e refere que são impugnáveis “os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”.
No seguimento do que diz o autor da frase, a “vastidão” de que se fala é na dimensão orgânica, na medida em que já não é tão relevante a qualidade administrativa da entidade autora do acto. Quanto à “restrição”, refere o ilustre professor, a impugnabilidade depende da eficácia externa e, especialmente, da lesão que o acto possa causar aos particulares. Isto explica a frase, todavia, não a comenta.
Uma precisão se quer impor, desde já: que acto administrativo e acto administrativo impugnável sejam conceitos diferentes é algo que merece alguma discordância. Como atrás se referiu, acto administrativo, sobretudo a sua definição legal, é um conceito amplo que comporta uma serie de realidades. Pode lembrar-se, a este propósito, os ensinamentos do Prof.Marcelo Rebelo de Sousa. Há aspectos avulsos do conceito, como sejam a decisão, ou seja, uma conduta voluntária, um acto positivo, imaterial, unilateral, visa a produção de efeitos próprios, entre outros que já se explorarão. Já acto administrativo impugnável apenas faz constar da sua noção elementos como decisão da administração, eficácia externa e lesão dos interesses dos particulares, legalmente protegidos. Ou seja, o que parece mais corresponder mais à relação entre estas duas formulas, não é uma diferença mas sim uma consumpção, em que o acto administrativo impugnável é uma realidade dentro do conceito de acto administrativo. Sustenta-se o que se diz tendo por base o artº 51/2 CPTA. Na verdade, esta norma vai alargar, ainda mais, o conceito de acto administrativo que o “velho” CPA refere. Se no artº 120 não deixa de se falar em “decisões dos orgãos da administração”, hoje deve entender-se que não só se encaixam os acto ditos tradicionais, como também os actos materialmente administrativos, ou seja, actos praticados ao abrigo de normas de direito público que visam produzir efeitos em situações individuais e concretas, praticados no exercício da função administrativa, mas por orgãos integrados nos poderes político, jurisdicional e legislativo.
É certo que o que se acaba de dizer merecerá toda a contestação. O Prof.Marcelo Rebelo de Sousa afasta os actos materialmente administrativos dos restantes. Não os mistura, autonomiza-os. Mas, na verdade, e nisto a doutrina tem concordado, há uma necessidade de reformar o CPA. Se se permite aos particulares uma tutela efectiva dos seus direitos, até mesmo contra actos materialmente administrativos, porque é que a noção de acto administrativo legalmente consagrada separa realidades comuns na vida dos administrados? Claramente, o conceito foi construído, mudado, criticado ao longo da história. Todavia, nesta altura, a pergunta terá que se manter: como é que se justifica a exigência “orgãos integrados na administração pública”?. O próprio ETAF não veda a apreciação da validade destes actos materialmente administrativos. Note-se, não estamos a falar de actos políticos, como seja uma nacionalização, que se econtram excluídos. Não se quer criar uma confusão, apenas se quer simplificar.
A justificar esta relação de consumpção estão, ainda, os restantes elementos do acto administrativo, como sejam a produção de efeitos jurídicos, condição conectada com a eficácia externa do acto impugnável. O aspecto “individualidade” também mostra quão mais amplo pode ser o conceito de acto administrativo peranto o impugnável. Todavia, o último aspecto é central e decisivo: enquanto que o acto administrativo não tem que ter carácter externo, podendo ou não tê-lo, o acto impugnável tem sempre, necessariamente.
Há que tirar algumas conclusões. Não há uma diferença, há, antes, uma consumpção. Num caso uma realidade, e, noutro, uma realidade abrangida. Mais acertado seria, portanto dizer que todo o acto administrativo impugnável é acto administrativo mas nem todo o acto administrativo é impugnável.

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