domingo, 30 de novembro de 2008

Ainda haverá recursos hierárquicos necessários?

Num país onde proliferam as burocracias e as formalidades desnecessárias e injustificadas, eis aqui mais um bom exemplo do desperdício de recursos e tarefas indesejadas pela simplificação administrativa de procedimentos e processos complexos a que sujeitavam os particulares para verem os seus direitos apreciados contenciosamente. Eram criados obstáculos intransponíveis e injustificados no acesso à justiça. O recurso hierárquico necessário previsto nos arts 167º. e ss. do CPA. consiste numa desmultiplicação de esforços por parte do particular e até mesmo da própria administração no sentido de reapreciar a sua própria decisão para que só posteriormente se possa sujeita-la a uma efectiva tutela jurisdicional feita pelos tribunais administrativos e não pelos órgãos da administração.
Em traços muito gerais, antes da reforma o recurso hierárquico era a condição de acesso à justiça administrativa, o que poderia em alguns casos dificultar e até mm precludir a tutela jurisdicional visto que os prazos eram demasiado curtos para a interposição do recurso hierárquico (30 dias segundo o art. 168º. CPA), este prazo constituía uma redução significativa dos prazos gerais para a impugnação dos actos administrativos (3 meses no caso de actos anuláveis – art.58º. nº2 b)CPTA). Esta exigência justificada apenas por razões de uma psicanálise incompleta em que persistiam resquícios dos “traumas da infância difícil” do contencioso autoritário e dos “privilégios de foro da administração” por incrível que pareça era defendida pela jurisprudência e pelo prof. Vieira de Andrade!
Actualmente após a reforma de 2004, o cenário mudou e não existem razões de todo para defender um recurso hierárquico necessário pois o CPTA no seu art. 51º. nº1 veio tornar caduco e desnecessário o recurso hierárquico necessário ao prever um conceito amplo de acto administrativo impugnável, nada restando para o recurso hierárquico necessário pois todos os actos passaram a ter ao seu dispor uma efectiva tutela jurisdicional directa sem necessidade de recurso ao meio gracioso anteriormente imposto.
Esta mudança de paradigma faz-nos questionar se ainda haverá recursos hierárquicos necessários visto que este princípio geral veio esvaziar de conteúdo útil o recurso a este meio administrativo! O prof. Vasco Pereira da Silva vinha desde há muito tempo a defender a desnecessidade do recurso hierárquico necessário contra boa parte da doutrina e até da jurisprudência no entanto os ventos de mudança da reforma do contencioso de 2004 parecem ter vindo reconhecer lhe razão ao contemplarem no art. 51º. nº1 do CPTA uma clausula irrestrita de acesso à justiça administrativa de TODOS os actos da administração lesivos dos interesses dos particulares a par da consagração no art 59º. nº4 do efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa quando o particular faça uso primeiro das garantias administrativas, ou seja pretende-se com isto dar alguma utilidade ao recurso hierárquico uma vez que quem o utilizar não fica prejudicado quanto a utilização dos meios contenciosos porque enquanto não obtiver resposta da administração o prazo suspende-se a seu favor. Pretende-se com isto favorecer a utilização pelos particulares das vias administrativas afim de resolver a partida situações que por via contenciosa trariam sempre mais incómodos e morosidades, daí o prof. Vasco Pereira da Silva dizer que o recurso hierárquico passa a ser sempre desnecessário mas torna-se agora também sempre útil! Outro dos argumentos legais que acompanham a posição do prof. é a solução apresentada pelo art. 59º. nº5 CPTA que afasta por completo a necessidade do recurso hierárquico já que prevê a possibilidade do particular aceder de imediato à via contenciosa, independentemente de ter ou não feito uso da via graciosa passando a não ser necessário esperar pela resposta da administração para impugnar contenciosamente o acto administrativo, ou seja permite-se a pendência paralela da mesma acção por via graciosa e contenciosa.
Exposto isto, e como tudo na vida não é tão claro quanto possa parecer há certa doutrina que persiste em ressuscitar este recurso hierárquico necessário do reino dos mortos e para tal usa argumentos facilmente desmontados pelo Prof. Vasco Pereira da Silva. O Prof. Mário Aroso de Almeida defende uma interpretação restritiva do regime jurídico acima enunciado, afirmando que apenas a regra geral do CPA foi revogada pelo novo regime de impugnação de actos do CPTA mas propõe a tese de que todos os recursos hierárquicos necessários contemplados em legislação avulsa com regras especiais e até futuros diplomas impondo tal permaneçam em vigor, tentando dar assim uma ultima esperança de aplicabilidade dum instituto já caduco. Para o prof. Mário Aroso de Almeida as decisões administrativas continuam a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei e não tenha sido revogado por expressa disposição. O prof. Vasco Pereira da Silva apesar do respeito e atenção que dispensa no seu livro a esta posição considera-a absurda uma vez que não é possível ao legislador exigir o que a lei não exige. Alem disso o argumento da especialidade das normas avulsas face a regra geral do CPA também parece ser falaciosa uma vez que essas regras especiais avulsas não faziam mais do que reiterar o que até antes da reforma era a regra geral, assim sendo uma vez revogada a norma que lhes servia de inspiração todas as outras deixam de fazer sentido até porque para efeitos contenciosos já nada valem, o que suscita até o problema já não da sua revogação mas sim da sua caducidade intrínseca por falta de objecto jurídico. Quanto a possibilidade de existência de futuras normas a preverem esta exigência torna-se um mero exercício académico pensar em tal visto que o legislador ordinário não consagrará certamente soluções inconstitucionais (violação do conteúdo essencial do direito à tutela plena e efectiva de direitos, assim como dos princípios da divisão de poderes e da descentralização) alem disso caso se admitisse certos regimes derrogatórios estaria-se a criar “privilégios de foro” para certas categorias de actos administrativos o que violaria claramente o princípio da igualdade de tratamento entre os particulares e a administração. Por ultimo o prof. enuncia o principio de acesso ao contencioso administrativo previsto no art. 268º. nº4 CRP complementado pela promoção do acesso a justiça do art.7º CPTA segundo o qual as decisões de mérito devem prevalecer sobre quaisquer outras formalidades que não incidam sobre a resolução do litigio em causa e por isso as partes devem abster-se de requerer a realização de diligencias inúteis (art.8º. nº2 CPTA).
De modo a evitar toda esta confusão interpretativa o prof. Vasco Pereira da Silva propõe que a solução que teria sido mais adequada seria a revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário a par duma suspensão automática de eficácia dos actos ate à decisão da garantia administrativa afim de proteger o particular de eventuais lesões que possam ocorrer na pendência do recurso (o art. 170º. nº1 CPA previa este efeito para o recurso necessário mas não para o facultativo nº3, o que suscita a duvida de como compatibilizar isto com este novo regime em que todos os actos se tornam facultativos). Todas estas soluções de “iure condendo” deviam ser tomadas em conta em futura revisão para que particulares, administração e bom funcionamento da justiça administrativa saíssem a ganhar.
No meu entender, à luz do actual CPTA toda esta argumentação do prof. Vasco Pereira da Silva ganha um novo sentido, tendo a lei vindo de encontro ao que já era vaticinado desde há muito tempo, sendo o prof. um subjectivista condenado e cadastrado tal como se assume não me surpreendem muitas das opções aqui demonstradas as quais perfilho na sua totalidade uma vez que toda a sua argumentação é dirigida à defesa dos direitos dos particulares ao serviço dos quais a administração deve sempre estar e não o contrario!

sábado, 29 de novembro de 2008

Acto administrativo e acto administrativo impugnável, duas realidades indissociáveis

Efectivamente o conceito de acto administrativo constante do artigo 120º do nosso código de procedimento administrativo, que considera “actos administrativos as decisões dos órgãos de administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”, Encontra-se estritamente relacionado com o conceito de acto administrativo impugnável, presente no artigo 51º do código de processo administrativo. Como temos conhecimento, a noção de acto administrativo tem sido alterada conforme o tipo de estado que fomos adoptando ao longo do tempo, apresentando-se como um conceito restrito nos primórdios do contencioso administrativo, e posteriormente uma visão mais lata. Esta construção decorre essencialmente do facto, de no início, o acto administrativo ser associado a uma administração agressiva e totalitária, descurando-se dos direitos subjectivos dos particulares, considerando igualmente que a justiça administrativa deveriam actuar o minimamente possível. Alias como proferia o Professor Marcelo Caetano, o acto administrativo incidia essencialmente na figura do acto administrativo e executório, manifestação clara da autoridade suprema da administração Publica.
Relativamente á administração prestadora, o acto administrativo passou a integrar conceitos mais diversificados, incluindo desta forma, os planos, regulamentos, contratos, e as actuações técnicas e informais da administração, assim o acto administrativo abandonou as tais designadas características autoritárias e adoptou um visão mais adequada com o modelo de estado em questão, que visava sobretudo, na óptica de um estado social, atribuir benefícios materiais para os particulares. Pelo contrario o estado pós – social, isto é, a tal administração infra – estrutural, possui um conceito de acto com alguma versatilidade, dado que, inclui os actos com eficácia múltipla, abrange assim, aquelas decisões que anteriormente eram vistas apenas duma perspectiva unilateral, típicas da relação bilateral entre estado e particular. Neste modelo de administração estes actos passam a ser considerados também como, elementos para regulação de um determinado sector de actividade, visto que naturalmente poderiam causar efeitos directos e colaterais, não só no particular que teria sido concretamente abrangido pela decisão, mas também, terceiros, como por exemplo, empresas concorrentes, vizinhos entre outros. Desta forma, a administração preocupa-se não só com os efeitos directos e automáticos mas também com efeitos colaterais ou acidentais.
De acordo com o que foi anteriormente referido, como poderemos conciliar o conceito de acto administrativo impugnável com o conceito de acto administrativo? É claro que á medida que o conceito de acto administrativo foi sendo alterado e por consequência ampliado, podemos afirmar que o mesmo se sucedeu com o conceito de acto administrativo impugnável, ou seja, estes dois conceitos apresenta-se como indissociáveis em que um tem necessariamente influencia no outro. O artigo numero 51º do código de processo administrativo, preconiza que o acto administrativo impugnável, isto é, o acto que é susceptível de ser reclamado contenciosamente pelos particulares, e consequentemente verificado por instancias superiores, é aquele acto administrativo que, é susceptível ou capaz de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, é certo, que está plasmado neste artigo indica uma margem ampla de manobra para o particular reclamar de um acto, contudo este acto terá de ser ilícito, ou seja, contrario á ordem jurídica, mas a expressão verdadeiramente primordial neste artigo, é a susceptibilidade de lesar direitos e interesses legalmente protegidos.
Como o próprio professor vieira de Andrade preconiza, apesar do acto administrativo impugnável e o acto administrativo, estarem estritamente relacionados, são conceitos divergentes. O acto administrativo impugnável é de uma determinada forma mais amplo e de outra forma mais restrito, devido ao facto, de na sua vertente orgânica, conceder a possibilidade de impugnar actos não só actos de autores tradicionais mas também de impugnar actos provenientes de entidades privadas que exerçam poderes públicos, como ainda actos de autoridades que não se integrem na administração publica. Contrariamente parece mais restrito na medida em que só admite decisões administrativas, com eficácia externa, e especificamente actos cujo conteúdo possa lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
É importante salientar, que este artigo do código de processo administrativo tem a sua influencia no artigo, 268º nº da constituição, que atribui a qualidade de direito fundamental, atribuindo a faculdade de impugnar quaisquer actos administrativos susceptíveis de lesar os direitos dos particulares, por conseguinte podemos concluir que de facto, a impugnabilidade não é um questão essência, nem uma mera característica dos actos administrativos. É facilmente atendível que, o contencioso administrativo vai conceder uma margem de apreciação, não apreciando meros actos da administração agressiva mas também de uma administração infra- estrutural e prestadora, integrando assim uma pluralidade de actos das mais diversas naturezas, não se reportando por vezes ao conceito tradicional de acto administrativo.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Comentário à frase do Professor Vieira de Andrade

Esta frase da autoria do professor Vieira de Andrade apesar de à primeira vista ser contraditória e de não fazer muito sentido para um leitor leigo, define perfeitamente a realidade que se encontra na leitura dos art. 120º CPA e 51º nº1 do CPTA.
O art. 120º CPA define actos administrativos como sendo “decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.” Tudo o que for decisão será um acto administrativo. Temos então aqui uma definição ampla e aberta (“sendo por um lado mais vasto”).
Ora o art. 51º nº1 CPTA diz-nos que só são impugnáveis os actos administrativos (logo os actos do art. 120º CPA) com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Analisando isto ao de leve, vemos que para além de só poderem ser actos administrativos os actos sujeitos a impugnação contenciosa, terão ainda de obedecer a mais dois requisitos, delimitando assim ainda mais o seu âmbito de aplicação (“e por outro mais restrito”).
Mas não nos deixemos enganar pelo que diz apenas o nº1. Haverá agora que ler atentamente todos os preceitos seguintes (todo o art. 51º, até ao art. 54º CPTA) para ver que o legislador alargou o âmbito de aplicação do acto impugnável. E a meu ver bem, porque não só o acto administrativo, de acordo com a definição do art. 120º CPA e também do nº1 do art. 51º CPTA, é susceptível de lesar o particular, ficando este assim com uma maior margem de fazer valer as suas pretensões (isto dentro dos limites da legalidade como é óbvio!), já que o art. 268º nº4 CRP garante um direito fundamental de tutela integral e efectiva dos direitos dos particulares em relação à Administração.
Fazendo agora uma análise mais profunda do acto administrativo impugnável, vemos que a realidade é bem diferente do que aquela que transparecia. O conceito de acto impugnável é bem mais vasto do que o de acto administrativo. Como diz o professor Vasco Pereira da Silva, “hoje em dia (…) uma realidade de contornos muito amplos, que compreende não apenas as decisões administrativas finais e “perfeitas”, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares, que tanto podem ser actos intermédios, como decisões preliminares, ou simples actos de execução”. Tal como diz o art. 52º nº1 CPTA a impugnabilidade do acto administrativo não depende de forma (regulamento ou norma que esteja contida num diploma legislativo), nem de onde ela emane, basta que seja susceptível de lesar um direito de um particular. È então de concluir que é o requisito da lesividade do acto que vale no Contencioso Administrativo.
Existem certas situações de natureza peculiar que devem aqui ser referidas como é o caso das decisões administrativas preliminares (pré-decisões, pareceres vinculativos). Serão estes actos impugnáveis? Os ilustres professores Vieira de Andrade e Mário Aroso de Almeida sustentam que apesar de não visarem directamente o efeito lesivo, aceita-se esta possibilidade de forma a permitir uma defesa antecipada dos interessados, pois com grande probabilidade eles irão afectar o particular.
Tal como estes, os actos de indeferimento expresso também podem ser impugnados, apesar de o legislador preferir o uso da acção de condenação à prática de acto devido pois confere uma tutela mais intensa ao particular.
E os actos cujo efeito se esgotam no âmbito das relações intra-administrativas e inter-orgânicas? Estes actos também são impugnáveis pelo art. 55º nº1 al. d) CPTA.

Em estilo de conclusão, podemos ver que apesar de o art. 120º CPA transparecer ser vasto, acaba por ser apenas um ponto de partida para a definição de acto administrativo impugnável, sendo na realidade este bastante mais vasto abrangendo mais situações.
Mas é preciso também ver que essa vastidão não é completa: veja-se os artigos 53º e 54º CPTA em que certos actos são impugnáveis, mas só o são quando estes cumpram determinados pressupostos. Constata-se que o legislador alargou o âmbito de aplicação, mas também o restringiu ao mesmo tempo. Se assim não fosse, mais cedo ou mais tarde, cairíamos no ridículo de impugnar cada acção (note-se acção e não acto) da Administração!

Anabela Teixeira Subturma 11

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Uma questão de interpretação... impugnabilidade alargada ou restrita ?

A questão coloca-se quando nos defrontamos com a noção de acto administrativo previsto no art. 120º do CPA que o define como “ as decisões dos órgãos da Administração que, ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” este um conceito substantivo de acto administrativo, já o conceito processual de acto administrativo de acordo com o art. 51º/1 do CPTA refere que “…são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”. A discussão doutrinária circunscreve-se a interpretações amplo / restrita ou simplesmente ampla na contraposição destes dois artigos.
Cabe-me fazer uma breve síntese das duas posições “antagónicas” para depois tomar posição:

Para o Professor Vieira de Andrade o acto administrativo impugnável tem um conceito mais vasto do ponto de vista Orgânico, na medida em que não releva a entidade autora do acto (art. 51/ 2 CPTA) e mais restrito porque só abrangem decisões administrativas com eficácia externa, em especial aquelas que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos. Para o autor a eficácia externa e a lesão na esfera jurídica dos particulares são requisitos cumulativos para que o acto possa ser impugnado.

O Professor Vasco Pereira da Silva entende o conceito de acto administrativo impugnável uma realidade de contornos amplos que compreendem não apenas “ as decisões administrativas finais e perfeitas criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações administrativas imediatamente lesivas dos direitos dos particulares, que tanto podem ser actos intermédios, decisões preliminares, ou simples actos de execução. Desta forma, o acto administrativo impugnável não pode deixar de estar intimamente ligado ao conceito substantivo de acto administrativo constante do art. 120º do CPA, donde resulta uma noção ampla e aberta de acto administrativo. Os critérios do art. 51º/1 do CPTA são vistos de forma autónoma pois a “ aparente subalternização “ do critério da susceptibilidade de lesão direitos não só é qualitativamente como quantitativamente insustentável à luz da CRP – art. 268.º/4 e dos processos julgados nos tribunais administrativos.

A meu ver, qualquer das posições é válida… tudo depende de uma questão de interpretação…
Até que ponto fará sentido a interpretação restrita da norma face ao art. 120.º do CPA? talvez a formulação do legislador não tenho sido a mais correta ao incluir o adverbio “especialmente”…
No entanto, com a reforma do contencioso e numa lógica de Administração mais complexa e multifacetada, a concepção ampla coaduna-se melhor à luz do art. 268º./ 4 da CRP ao permitir a tutela efectiva e intergral dos direitos dos particulares.

A amplitude do conceito de acto administrativo impugnável

Para que se possa proceder a uma comparação entre os conceitos de acto administrativo e de acto administrativo impugnável é útil efectuar previamente uma breve análise acerca da evolução da concepção de acto administrativo.
De facto a noção de acto administrativo não se manteve inalterada ao longo da evolução do direito administrativo, pelo contrário, é possível reconhecer as suas diversas modificações associando-as aos diversos modelos de Estado , às diferentes concepções de Administração Pública e ao papel que a esta cumpre desempenhar.

Assim, e sintetizando, ao modelo de Estado Liberal está ligada a ideia de uma administração agressiva, que actua através do acto de autoridade. É de referir a concepção de Otto Mayer que considerava o acto administrativo como sendo uma “ manifestação da Administração autoritária “, equiparando -o a uma sentença.
O Estado Social, por sua vez, é integrado por uma noção de Administração Prestadora, cujos actos administrativos atribuem benefícios ou direitos aos particulares, há uma perspectiva de um certo favorecimento inerente à noção de Administração Pública.
Por fim o Estado Pós-Social traz consigo a noção de uma Administração Infra- Estrutural, tal como é denominada pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, e que acarreta uma ideia de colaboração que se reflecte quer nas relações entre entidades públicas e privadas ,quer na própria eficácia do acto administrativo. Existe uma colaboração entre entidades publicas e privadas, e são equiparados a actos administrativos mesmo aqueles que não emanam de autoridades administrativas, nomeadamente por particulares que colaboram com a Administração.


Uma vez que o acto administrativo e o processo administrativo se encontram obviamente ligados a opção mais ampla ou mais restrita na abordagem do primeiro vai influenciar a concepção do segundo.
Assim existem divergências na doutrina quanto à qualificação do acto administrativo, nomeadamente o Prof. Vieira de Andrade que considera uma noção material de acto administrativo, constante do artigo 120º do C.P.A que refere as decisões da Administração que “ visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”, o que deixa de fora as actuações de conteúdo material e instrumental.
O Prof. Vieira de Andrade considera que o conceito de acto administrativo impugnável é mais restrito e simultaneamente mais vasto do que o conceito de acto administrativo. Mais restrito na medida em que só são impugnáveis as decisões administrativas que tenham eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, tal como consta no artigo 51º nº1 do C.P.T.A. E ao mesmo tempo o conceito de acto administrativo impugnável é mais vasto apenas na dimensão orgânica, dado que não depende da qualidade administrativa do seu autor, incluindo decisões tomadas por entidades privadas no exercício de poderes publicos, como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública, tal como está plasmado no art 51º/2 do C.P.T.A.

Por sua vez, o Prof. Vasco Pereira da Silva refere um duplo alargamento da noção de acto administrativo, e considera que o C.P.A adoptou uma noção ampla e aberta de acto administrativo no seu art. 120º cabendo assim todas as decisões que visem a produção de “ efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. Assim engloba desde as actuações agressivas da administração como as que atribuem benefícios aos particulares, as decisões finais, os actos de procedimento, etc.
Esta maior amplitude do conceito de acto administrativo reflectiu-se também a nível do contencioso tornando se o conceito de acto administrativo impugnável igualmente mais amplo, englobando decisões administrativas finais, actos intermédios, preliminares e, inclusive, actos de execução. Serão actos administrativos impugnáveis, nas palavras do professor, todos os que de entre aqueles sejam passíveis de causar uma lesão a outrem.

A maior abertura do conceito em questão vai ao encontro do exposto no artigo 268 º /4 da C.R.P, que consagra um direito fundamental de impugnação dos actos administrativos que prejudiquem os particulares, garantindo assim a tutela integral e efectiva dos direitos destes.
O Prof. sufraga assim um alargamento da impugnabilidade dos actos administrativos, considerando no entanto que o critério da eficácia externa contido no art. 51/1 C.P.T.A não é mais amplo que o da susceptibilidade de lesão de direitos plasmado no mesmo artigo, sendo dois critérios distintos de impugnabilidade que dependem do meio processual que está em questão.
Assim parece não proceder a opinião do Prof. Vieira de Andrade quando refere que o conceito de acto administrativo impugnável é mais restrito do que o de acto administrativo, já quanto ao ser mais vasto na dimensão orgânica é de referir que o art.120º C.P.A menciona apenas os órgãos da administração e o art.51º/2 C.P.T.A alarga as possibilidades de impugnação das decisões de autoridades não integradas na Administração Pública e de privados que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Acto Administrativo / Acto Administrativo Impugnável

É importante, desde já, para uma melhor compreensão, fazer a distinção entre acto administrativo e acto administrativo impugnável.
Podemos,primeiramente, conhecer a definição de acto administrativo do Prof. Freitas do Amaral, que considera o acto administrativo como um acto unilateral de autoridade pública ao serviço de um fim administrativo – com natureza própria e carácter específico (não reconduzível inteiramente nem ao negócio jurídico, nem à sentença).
Existem várias concepções doutrinais acerca do conceito de acto administrativo para além desta; há quem entenda que só são actos administrativos, os actos jurídicos, ou as operações materiais, ou até factos involuntários ou naturais. Existe também quem afirme que os actos administrativos são os organicamente administrativos, ou os materialmente administrativos (sobre matéria administrativa, por órgãos não administrativos do Estado ou por particulares).
Por fim, há quem defenda que é possível uma noção material de acto administrativo, como é o caso do Prof. Vieira de Andrade que afirma “ Este conceito começa por pressupor um conceito material de acto administrativo.”, que se encontra plasmado no art. 120º do CPA, pois este artigo refere-se “às decisões materialmente administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta, independentemente da forma sob que são emitidos, isto é, mesmo que apareçam em forma de regulamentos ou estejam contidos em diplomas legislativos”. O Prof. Vieira de Andrade exclui desde logo deste conceito os puros actos instrumentais e as operações materiais, pois, ao não constituir decisões, não são sequer actos administrativos.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, o CPA no art.120º adoptou uma noção ampla e aberta do conceito de acto administrativo, o que criou uma “ crise” na definição de acto administrativo, levando assim a um alargamento de actos administrativos susceptíveis de ser apreciados em juízo. Para o Professor, actos administrativos “são todos os que produzam efeitos jurídicos, mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar, ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis”. Impugnáveis são então:” Todos os actos administrativos que, em razão da sua situação, sejam susceptíveis de provocar uma lesão ou de afectar imediatamente posições subjectivas de particulares”. Esta é uma função que tem garantia constitucional através do art.268/4ºCRP.
O acto administrativo impugnável é um dos pressupostos específicos da Acção Administrativa Especial que se encontra presente nos art.51º a 54º do CPTA.
Segundo a posição do Prof. Vieira de Andrade, o conceito processual de acto administrativo impugnável é um conceito diferente do conceito de acto administrativo, classificando-o como mais amplo, por um lado, e mais restrito, por outro.
Como argumento para a maior amplitude conceito de acto administrativo impugnável, o Professor enuncia o art.51º/2CPTA, que nos indica uma maior dimensão orgânica, pois, não existe uma dependência da tradicional qualidade administrativa do seu Autor, isto é, estão incluídos, não só decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos, como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública.
Quanto a ser um conceito mais restrito, o Professor alude-nos ao facto de, como consta do art. 51/1ºCPTA, os actos impugnáveis só abrangerem expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, mesmo estando inseridas num procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. O Autor entende como actos administrativos de eficácia externa, os que produzam ou constituam efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta. Estão incluídos como actos administrativos com eficácia externa os actos destacáveis de procedimento, pois produzem-se efeitos jurídicos externos autonomamente, por outro lado, os actos internos produzem apenas efeitos intra-pessoais, atingindo apenas os aspectos orgânicos das relações especiais de poder ou as relações entre órgãos, não produzindo assim efeitos jurídicos externos.
É aberta a discussão pelo Prof. Vieira de Andrade, sobre se são ou não impugnáveis as decisões administrativas preliminares que determinem peremptoriamente a decisão final de um procedimento com efeitos externos, mas, que não tenham eles próprios capacidade para constituir tais efeitos externos, pois estes, só se produzem através da decisão final. O Prof. resolve esta questão afirmando que se pode sustentar a impugnabilidade dessas decisões como expressão de uma “defesa” antecipada dos interessados, pois, com grande probabilidade, irão ser causadas lesões em direitos dos particulares. Esta possibilidade não consta do art. 51ºCPTA, contudo, deveria decorrer expressamente da lei.
O Prof. Vasco Pereira da Silva tem uma concepção do conceito diferente do anterior Professor, na medida em que, no que diz respeito ao carácter restrito afirmado pelo Prof. de Coimbra, o Regente discorda dizendo que o acto administrativo abarca as decisões administrativas finais, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aquelas outras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares que tanto podem ser intermédias, como decisões preliminares, ou simples actos de execução. Quanto ao critério da eficácia externa do acto administrativo impugnável, é relevante, quando esteja em causa a tutela directa do interesse público e da legalidade, sendo este critério aplicável apenas à acção pública.
Em suma, para além destas questões enunciadas, que já vimos que são muito discutidas na doutrina e não existe uma opinião unânime, todas elas extremamente válidas no meu entender, é importante, frisar que a impugnação de actos administrativos é uma garantia constitucional, há uma faculdade de impugnar quaisquer actos administrativos susceptíveis de lesar posições subjectivas das particulares no próprio conteúdo do direito de acesso à justiça administrativa-art.268/4º CRP, logo, é de extrema importância que o particular consiga garantir os seus direitos através dos meus jurídicos que estão ao seu dispor.

Acto administrativo Impugnável

Acto administrativo Impugnável, constitui um dos pressupostos processuais específicos da acção administrativa especial, na modalidade de anulação, de acordo com o Código de Processo dos tribunais Administrativos( artigos 51.º a 54.º). Acto e processo administrativo encontram-se indissociavelmente ligados.

O conceito de acto administrativo impugnável, começa por pressupor um conceito material de acto administrativo, que se refere, nos termos do artigo 120.º do CPA, ás decisões materialmente administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta - independentemente da forma como são emitidas, isto é, mesmo que apareçam em forma de regulamento ou estejam contidas em diplomas legislativos.

A noção de acto administrativo, foi, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, sofrendo algumas alterações ao longo da História. No estado liberal, assistia-se a uma lógica de administração agressiva, tendo como forma de actuação característica o acto de autoridade ou de Policia, nas palavras de Otto Mayer, o acto administrativo assimilava-se à sentença, caracterizando-o como a “ manifestação da administração autoritária que determina o direito aplicável ao súbdito no caso concreto”. É nesta Linha que se pode enquadrar a construção de Marcello Caetano do “acto definitivo e executório”, enquanto actuação administrativa “ que obriga por si e cuja execução coerciva imediata a lei permite independentemente de sentença judicial. Já o Estado Social, caracterizado pela administração prestadora e pela generalização de actos administrativos “favoráveis” virados para a atribuição de benefícios aos particulares.

Assim, os acto administrativo perde a característica “autoritária” que tinha no estado de origem, não sendo mais “definitivos( actos do procedimento) nem executórios”.

Após breve dissertação sobre a evolução da definição de acto administrativo, importa analisar essa noção nos tempos de hoje. Segundo o Professor Vieira de Andrade, o conceito processual de acto administrativo impugnável é diferente do conceito de acto administrativo ( do artigo 120.º do CPA), sendo, por um lado, mais vasto e, por outro, mais restrito. É mais vasto apenas na dimensão orgânica, na medida em que não depende da tradicional qualidade administrativa do seu autor: inclui, não só decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes Públicos, como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública.(artigo 51/2.º do CPTA). Já, nas palavras do professor Vasco Pereira da Silva, verifica-se um duplo alargamento da noção tradicional de acto administrativo (do artigo 120º. Do CPA), já que, por um lado, abarca as actuações unilaterais dos órgãos de outros poderes do Estado(artigo4/1º.,alínea f, do Estatuto), por outro lado, também são de considerar como tal as actuações dos particulares colaborando com a administração no exercício da actividade administrativa (artigo 4/2º. , alínea d, do Estatuto), para além das actuações da administração pública sobre a forma privada.

Por outro lado, segundo o Professor Vieira de Andrade, esta noção de acto administrativo Impugnável, parece ser mais restrita, porque só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa( actos administrativos que produzam ou constituam efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente das respectiva eficácia concreta), ainda que inseridas no Procedimento Administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (Critério da Lesividade- artigo 51/1º. CPTA) . Contudo, esta concepção restrita da definição de acto administrativo Impugnável, não parece proceder( na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, na medida em que, o mesma compreende não apenas as decisões administrativas finais, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aquelas outras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos Particulares, que tanto podem ser intermédias, como decisões preliminares, ou simples actos de execução. O critério da eficácia externa do acto sé dera relevante, sempre que esteja em causa a tutela directa do interesse público e da legalidade, sendo esse critério, nas palavras do professor Vasco Pereira da Silva, aplicável apenas à acção pública.

Tão importante é esta abertura processual de acto administrativo, que o legislador constituinte lhe atribuiu mesmo natureza de direito fundamental ( artigo 268/º. da Constituição). Esta disposição, estabelece um direito fundamental de impugnação de actos administrativos lesivos de direitos dos Particulares, consagrando um modelo de justiça administrativa predominantemente subjectiva, que tem por função principal a protecção dos direitos dos Particulares. Assim adopta-se o critério do acto lesivo sempre que esteja em causa a acção para a defesa de posições substantivas dos particulares, e, por outro lado, estabelecesse outro critério de impugnabilidade de actos administrativos sempre que esteja em causa a tutela directa da legalidade e do interesse público (Eficácia Externa).

Este conceito de acto administrativo impugnável, abarca igualmente a impugnabilidade decorrente da possibilidade de apreciação de actos procedimentais (artigo51/1º.CPTA), a não impugnação do acto de procedimento não preclude a possibilidade de impugnar a decisão final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento (artigo 51/3º. CPTA), e por último, a possibilidade de controlo judicial imediato de actos do subalterno, desde que lesivos de direitos dos Particulares, não se exigindo mais o recurso Hierárquico necessário (defendendo o professor Vasco Pereira da Silva a inconstitucionalidade das disposições que prevêem este tipo de recurso).

Em suma, se a frase do professor Vieira de Andrade poderá ser, parcialmente, procedente na parte em que defende que o conceito de acto administrativo impugnável poderá ser mais vasto que o conceito de acto administrativo, já na parte em que defende que aquele, pode ser mais restrito que este, não parece proceder, conforme foi anteriormente demonstrado.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Tudo uma questão de amplitudes

Afigura-se pertinente, e veremos porquê adiante, fazer uma primeira abordagem ao conceito de acto administrativo, dissecado pela doutrina e comunmente apresentado como um acto jurídico unilateral praticado no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação indívidual e concreta. O CPA adoptou, e bem, segundo o Prof Vasco Pereira da Silva, uma noção ampla e “aberta” de acto administrativo, que compreende toda e qualquer decisão destinada à produção “de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” (art.120.º). Sendo consideradas pela lei como actos administrativos tanto as actuações agressivas como as prestadoras ou as infra-estruturais, tanto “as decisões de carácter regulador como as actuações de conteúdo mais marcadamente material, os actos de procedimento como as decisões finais, as actuações internas bem como externas”.
O conceito de acto administrativo impugnável começa por pressupor um conceito material de acto administrativo, que se refere, nos termos do CPA (art.120.º), às decisões materialmente administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta – mesmo que apareçam em forma de regulamento ou estejam contidas em diplomas legislativos.
Excluídos ficam os puros actos instrumentais ou as operações materiais – devido à ausência por parte destes de conteúdo decisório, característica assente do acto administrativo.
A lei ordinária actual, mais precisamente os n.ºs 1 e 2 do art.51.º, o n.º1 do art. 52.º, o art.53.º e o nº1 do art.54.º do CPTA, procede a delimitação do círculo dos actos adinistrativos susceptíveis de impugnação judicial, em termos que possibilitam o desenho de um quadro que desenvolve e completa a previsão constitucional. Afigura-se por um lado mais “vasto”, por outro, mais “restrito” do que o conceito de acto administrativo plasmado no art.120.º CPA. Importa ressalvar que independentemente do conceito de acto administrativo impugnável que o CPTA veio consagrar o referido conceito de acto administrativo apresentado no CPA não poderia sem mais ser usado para efeitos processuais.
Uma impugnação visa a destruição daquilo que se impugna, mais concretamente, obter uma decisão do tribunal que anule ou declare a nulidade ou inexistência jurídica do acto administrativo impugnado, por se apresentar desconforme com as regras e princípios jurídicos que deveria respeitar ou resultar de uma vontade administrativa viciada (art.50.º, nº1, do CPTA).
O objecto da impugnação não é um qualquer acto administrativo: somente aquele que possua determinadas características e que se encontre em certas condições – vamos então agora tentar enunciar e “apaziguar a confusão” (actos administrativos e actos administrativos impugnáveis), que a meu ver, como em posts anteriores já assim foi classificado, não passa de uma consumpção ou uma questão de amplitude que se proclame no conceito de acto administrativo, a ver vamos...
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, não há que distinguir substantivamente os actos administrativos das “decisões executórias” ou dos “actos definitivos e executórios”. Actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos, mas de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar ou de causar uma lesão a outrém, são contenciosamente” impugnáveis. Impugnáveis “são todos os actos administrativos que, em razão da sua “situação”, sejam susceptíveis de provocar uma lesão ou de afectar imediatamente posições subjectivas de particulares”, consagrado na CRP, no art.268.º,n.º4.
Tendencialmente, alargou-se a noção de impugnabilidade dos actos administrativos, compreendedo agora, não apenas as decisões administrativas finais e “perfeitas”, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares, que tanto podem ser actos intermédios, como decisões preliminares, ou simples actos de execução”.
Para, não me alongar demasiado, passarei a enunciar por tópicos (ou tentativa de tópicos) as características dos actos administrativos impugnáveis, porém atente-se que a doutrina nao é consensual (e nem todos defendem todos):

- apenas são impugnáveis os actos administrativos dotados de eficácia externa – devendo entender-se que actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta

- de entre esses actos são especialmente impugnáveis os actos lesivos

- a impugnabilidade do acto não depende de forma que este revista (268.º, n.º4 CRP e art. 52.º, n.º1, do CPTA)

- a impugnabilidade do acto é também independente da respectiva eficácia, sendo suficiente para a admissibilidade da impugnação que a execução do acto se tenha iniciado ou que seja certo, ou muito provável, que a sua eficácia se virá a produzir (art.54.º do CPTA)
- a circunstância de um acto administrativo não consubstanciar a decisão final de um procediento administrativo (ou seja, o facto de se tratar de um acto interloctório ou preparatório) não constitui obstáculo à sua impugnação – desde que, evidentemente, ele seja lesivo ou, pelo menos, tenha eficácia externa.

- também não obsta à impugnação de acto praticado no exercício de uma actividade administrativa pública, ou seja, de uma actividade regulada por normas de direito administrativo, a circunstância de o seu autor não ser um órgão de uma pessoa colectiva pública. A prevalência crescente de uma noção material de administração pública, em detrimento de uma noção orgânica, conduz a que a protecção jurisdicional administrativa não dependa danatureza pública das entidades sujeitas à justiça administrativa, mas da natureza pública da actividade desenvolvida, como claramente decorre do n.º2 do art.51.º do CPTA.

- o art.53.º do CPTA determina que a natureza meramente confirmativa do acto administrativo (ou seja, o facto deste se limitar a reiterar um acto administrativo anterior) somente obsta à sua impugnação quando o acto confirmado haja sido impugnado pelo mesmo interessado, ou lhe tenha sido notificado ou, ainda, quando haja sido objecto de publicação (neste último caso, apenas se a notificação ao interessado não fosse obrigatória).

- a lei não estabelece qualquer exigência relativamente a uma hipotética impugnação administrativa prévia do acto que se pretende atacar judicialmente. Nem o art. 51.º, nem o n.º4 do art. 59.º do CPTA, contém tal exigência (que a existir, seria seguramente feita numa destas disposições). Em consequência, todos os actos administrativos com eficácia externa são susceptíveis de impugnação contenciosa. Em todo o caso, não se veja nesta afirmação uma certidão de óbito de toda e qualquer impugnação administrativa necessária actualmente existente: tal óbito não resultará, cremos, do CPTA, mas poderá decorrer do juízo de constitucionalidade a que as normas estabelecendo tais impugnações deverão ser sujeitas.


Porque me incumbe tomar uma posição, ou no mínimo apresentar uma conclusão do exposto
acerca da afirmação do Professor Vieira de Andrade, sinteticamente, temos agora assente que o acto administrativo impugnável consubstância um âmbito mais vasto do que o acto administrativo, na medida em que o primeiro não depende da qualidade administrativa do seu autor : inclui, não só as decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos, como ainda os actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública (artigo 51.º nº2 CPTA), enquanto o acto administrativo já exige a qualidade do seu autor, mais respectivamente órgãos da administração (artigo 120.º do CPA que são actos administrativos as “decisões dos órgãos da Administração (…)”)...Como o Prof. Vasco Pereira da Silva, julgo que estamos perante um alargamento da noção tradicional de acto administrativo, podendo considerer-se uma equiparação aos actos administrativos das actuações que não provêm de autoridades administrativas, “seja porque emanam de entidades da Administração pública sob a forma privada, seja porque são emitidas por concessionários ou outros particulares que colaboram com a Administração no exercício da função administrativa”. Da exposição feita quanto à perspectiva oposta, citando a posição do Prof.Vasco Pereira da Silva,concluímos que o acto impugnável é mais restrito pois: “actos administrativos são todos os que produzam efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de afectar, ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis”, já para o Prof.Vieira de Andrade será restrito na medida em que abrange apenas as decisões administrativas com eficácia externa, podendo englobar-se actos inseridos num procedimento administrativo cujo conteúdo seja susceptível de provocar uma lesão ou de afectar imediatamenteposições subjectivas de particulares” artigo 51.º, nº1 do CPTA como supra referido.
As diferenças apontadas na doutrina quanto à amplitude do conceito de acto administrativo impugnável quando comparado com o acto administrativo vêem a sua raíz nas diferentes noções de acto administrativo: uma estrita de Vieira de Andrade, outra ampla de Vasco Pereira da Silva, o que implica, na prática, que exista uma restrição mais alargada, pois abrange também aquilo que na noção ampla de acto administrativo se acrescenta. Esta concepção (ampla) defendida pelo regente, enaltecendo a violação de direito dos particulares é a que melhor se coaduna com o regime do CPTA e face à norma constitucional do art.º268.º, nº4. Para o regente “A impugnabilidade não é portanto, uma questão de “natureza”, nem uma característica substantiva dos actos administrativos, ou de uma específica e delimitada categoria deles”.
Temos que o “mais amplo” ou “mais restrito” a que o Prof Vieira de Andrade faz alusão na frase dada a análise, subjaz e difere consoante o conceito de acto administrativo que se adopte que pode, também por sua vez, ser “mais amplo” ou “mais restrito”.

Comentário à Primeira Tarefa

A frase proposta para análise faz menção ao sistema do administrador-juiz, que se caracteriza pela decisão final dos litígios administrativos competir ao órgãos superiores da administração activa, por isso, se afirma “julgar a Administração é ainda administrar” (Chapus).

O contencioso administrativo é fruto histórico da Revolução Francesa. Os tribunais comuns dirimiam muitos litígios resultantes da actividade administrativa, o que colocava problemas dado que eram órgãos de defesa de privilégios caducos e de oposição à criação de um aparelho administrativo estadual. Além do mais, estes tribunais dispunham simultaneamente de competência jurisdicional e administrativa. Este período foi marcado por três fases distintas. Na primeira fase, intitulada “pecado original”, existia uma “confusão” entre o poder administrativo e o judicial – a administração era o juiz e o juiz era o administrador. O princípio da separação de poderes servia para ocultar a indistinção entre a Administração e a justiça. Alguns dos motivos que estiveram na base desta situação foram: a concepção do Estado e da separação de poderes concebido por Montesquieu; a reacção contra a actuação dos tribunais no antigo regime;

O sistema do administrador-juiz pode ser decomposto em três períodos. No primeiro período (1789 a 1799) o julgamento dos litígios cabia ao próprio órgão da administração activa, gerando-se a dita “confusão” entre quem julga e quem administra.

No período seguinte (1799 a 1872) “sistema de justiça reservada” criou-se o Conselho de Estado, que tinha por função julgar a Administração.

Por último, o “sistema de justiça delegada” (1872 em diante) por oposição ao sistema anterior onde os pareceres do Conselho de Estado necessitavam de homologação do Chefe de Estado. As decisões do Conselho de Estado, agora, tornam-se definitivas. Contudo este sistema caracterizava-se por ser “meio administrativo” “meio jurisdicionalizado” e tentava conciliar as exigências administrativas de supremacia da Administração com as exigências jurisdicionais de garantia dos direitos individuais.

No, entanto, a passagem do segundo período para o terceiro permitiu que o órgão fiscalizador obtivesse maior autonomia, mas tal não resultou na modificação do modelo administrador-juiz para o dos tribunais administrativos. Explica-se este fenómeno por a delegação de poderes decisórios de julgamento no Conselho de Estado não denotar a sua alteração em tribunal, continuando a ser um órgão com competência consultiva e de julgamento. As decisões deste órgão vão continuar a ser consideradas como “recursos de apelação” das decisões dos ministros, conforme o método do sistema administrador-juiz. Considerar o ministro como “juiz de primeira instância” e o órgão da administração consultivo como tribunal de recurso é muito revelador da já referida confusão.

O Baptismo equivale à segunda fase e apresenta duas novidades: a criação do direito administrativo e a modificação de uma instituição que visava proteger a Administração do controlo dos tribunais num autêntico tribunal, que tinha como objectivo a garantia dos direitos dos particulares.

Na última fase, da Confirmação, obtém-se a expressa consagração da identidade da natureza dos tribunais comuns e tribunais administrativos.

A jurisdição plena do contencioso administrativo não tem origem no «arrêt Cadot». Tal fenómeno resulta de um processo contínuo e não de um acto único.

Concluindo, a Revolução Francesa trouxe transformações inovadoras. Exigia a sujeição ao governo de uma Administração una e centralizada, desobrigada de ingerências alheias.

Hodiernamente, o Contencioso Administrativo Francês continua se a basear no princípio da proibição aos tribunais judiciais de decidir sobre a legalidade das decisões administrativas. E o perfil orgânico da ordem jurisdicional administrativa continua a harmonizar-se à máxima «julgar a Administração é ainda administrar». O Conseil d’Etat, as cours administratives d’appel e os tribunaux administratives mantêm-se organicamente ligados ao executivo e não ao poder judiciário.

Acto Administrativo Impugnável

Segundo as lições do Prof. Vieira de Andrade não há coincidência entre o conceito de acto administrativo e o conceito de acto administrativo impugnável.
Este último seria, por um lado mais abrangente, na medida em que abarca todos os actos materialmente administrativos independentemente do seu autor; sendo assim impugnáveis não só os actos de autoridades integradas na administração, como também de autoridades não integradas, e mesmo actos praticados por entidades privadas (51/2 CPTA). Temos então um conceito material de acto administrativo para efeitos de impugnação, não coincidente com o conceito de acto administrativo plasmado no art.120 CPA, já que aqui é expressamente dito que são actos administrativos as decisões dos órgãos da administração.
Mas por outro lado o conceito de acto administrativo impugnável seria menos abrangente ao exigir no art.51 CPTA a eficácia externa do acto, excluindo assim os actos internos, aqueles que produzem efeitos somente dentro da administração, não afectando os particulares. Sendo aqui também não coincidente com o conceito de acto administrativo do art.120 CPA que não tem esta especificação da eficácia externa.

Discordo de ambas as afirmações do Prof. Vieira de Andrade.
Em primeiro lugar não me parece que possa o conceito de acto administrativo impugnável ser mais abrangente do que o de acto administrativo, porque não pode ser acto administrativo impugnável aquilo que não for previamente acto administrativo.
É certo que no art.120 CPA se fala em órgãos da administração, e o mesmo não acontece no art.51/2 CPTA. Temos então aparentemente um problema, é possível impugnar actos administrativos de, por exemplo, entidades privadas (51/2 CPTA), mas no entanto aqueles não são actos administrativos por não caberem no âmbito do art.120 CPA. Isto não faz sentido, deve ler-se o art.120CPA de modo a caberem nele os actos que podem ser impugnados nos termos do art.51/2 CPTA, apesar de depois não se lhes aplicar todo o regime do acto administrativo do CPA se não fizer sentido no caso concreto. Deve fazer-se esta leitura apenas para não cairmos no absurdo de ter actos administrativos impugnáveis que no entanto não são actos administrativos.
Em segundo lugar, não me parece também que o conceito de acto administrativo impugnável possa ser mais restrito que o de acto administrativo, pois não vejo que se possa á partida subtrair uma categoria de actos administrativos á possibilidade de controlo jurisdicional. O principal critério presente no art.51 CPTA não é o da eficácia externa do acto, mas sim o da sua lesividade. Como prova disto temos o art.54, que trata da impugnação de actos administrativos ineficazes, interessando assim apenas o seu potencial lesivo. Então, parece-me, ao contrário do que ensina o Prof. Vieira de Andrade, que não é por o acto administrativo ter eficácia meramente interna (“atingindo apenas os aspectos orgânicos das relações especiais de poder ou as relações entre órgãos administrativos”), que deve ser excluída a possibilidade da sua impugnação. Este será impugnável se for susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Sei que pode ser muito difícil configurar um acto interno que tenha aquele potencial lesivo, mas se ele existir não pode ser excluída a possibilidade da sua impugnação por não ter a eficácia externa de que fala o art.51. Se for lesivo é impugnável.

Entendo que por imposição constitucional (art.268/4 Constituição), em nome da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses dos particulares e de um contencioso administrativo de pendor predominantemente subjectivista, todos os actos administrativos serão susceptiveis de ser contenciosamente impugnados, desde que tenham aquele potencial lesivo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Discordo

“No entanto, o conceito processual de acto administrativo impugnável é diferente do conceito de acto administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro mais restrito.”


A frase que nos é dada ao comentário consta das lições de justiça administrativa publicadas pelo seu autor. Naturalmente, no exercício que nos é proposto, há que ir mais além, levantar outras questões para que, em jeito de conclusão, se possa atracar num porto de maior segurança dogmática.
Em primeiro lugar, cumpre fazer uma abordagem de direito positivo. O conceito, tanto de acto administrativo, como de acto administrativo impugnável constam de diplomas que, por sinal, revelam boa técnica legislativa e contribuem para a compreensão “acertada” das noções em análise, pelo menos até certo ponto.
Comece-se pelo conceito de acto administrativo. De acordo com o artº 120 do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA), são actos administrativos “as decisões dos orgãos da administração que, ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Como se verá de seguida, adoptou-se uma concepção ampla de acto administrativo, mas não tão ampla como é materialmente, nos dias que correm.
Já a noção de acto administrativo impugnável chega-nos prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), no seu artº 51/1 e refere que são impugnáveis “os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”.
No seguimento do que diz o autor da frase, a “vastidão” de que se fala é na dimensão orgânica, na medida em que já não é tão relevante a qualidade administrativa da entidade autora do acto. Quanto à “restrição”, refere o ilustre professor, a impugnabilidade depende da eficácia externa e, especialmente, da lesão que o acto possa causar aos particulares. Isto explica a frase, todavia, não a comenta.
Uma precisão se quer impor, desde já: que acto administrativo e acto administrativo impugnável sejam conceitos diferentes é algo que merece alguma discordância. Como atrás se referiu, acto administrativo, sobretudo a sua definição legal, é um conceito amplo que comporta uma serie de realidades. Pode lembrar-se, a este propósito, os ensinamentos do Prof.Marcelo Rebelo de Sousa. Há aspectos avulsos do conceito, como sejam a decisão, ou seja, uma conduta voluntária, um acto positivo, imaterial, unilateral, visa a produção de efeitos próprios, entre outros que já se explorarão. Já acto administrativo impugnável apenas faz constar da sua noção elementos como decisão da administração, eficácia externa e lesão dos interesses dos particulares, legalmente protegidos. Ou seja, o que parece mais corresponder mais à relação entre estas duas formulas, não é uma diferença mas sim uma consumpção, em que o acto administrativo impugnável é uma realidade dentro do conceito de acto administrativo. Sustenta-se o que se diz tendo por base o artº 51/2 CPTA. Na verdade, esta norma vai alargar, ainda mais, o conceito de acto administrativo que o “velho” CPA refere. Se no artº 120 não deixa de se falar em “decisões dos orgãos da administração”, hoje deve entender-se que não só se encaixam os acto ditos tradicionais, como também os actos materialmente administrativos, ou seja, actos praticados ao abrigo de normas de direito público que visam produzir efeitos em situações individuais e concretas, praticados no exercício da função administrativa, mas por orgãos integrados nos poderes político, jurisdicional e legislativo.
É certo que o que se acaba de dizer merecerá toda a contestação. O Prof.Marcelo Rebelo de Sousa afasta os actos materialmente administrativos dos restantes. Não os mistura, autonomiza-os. Mas, na verdade, e nisto a doutrina tem concordado, há uma necessidade de reformar o CPA. Se se permite aos particulares uma tutela efectiva dos seus direitos, até mesmo contra actos materialmente administrativos, porque é que a noção de acto administrativo legalmente consagrada separa realidades comuns na vida dos administrados? Claramente, o conceito foi construído, mudado, criticado ao longo da história. Todavia, nesta altura, a pergunta terá que se manter: como é que se justifica a exigência “orgãos integrados na administração pública”?. O próprio ETAF não veda a apreciação da validade destes actos materialmente administrativos. Note-se, não estamos a falar de actos políticos, como seja uma nacionalização, que se econtram excluídos. Não se quer criar uma confusão, apenas se quer simplificar.
A justificar esta relação de consumpção estão, ainda, os restantes elementos do acto administrativo, como sejam a produção de efeitos jurídicos, condição conectada com a eficácia externa do acto impugnável. O aspecto “individualidade” também mostra quão mais amplo pode ser o conceito de acto administrativo peranto o impugnável. Todavia, o último aspecto é central e decisivo: enquanto que o acto administrativo não tem que ter carácter externo, podendo ou não tê-lo, o acto impugnável tem sempre, necessariamente.
Há que tirar algumas conclusões. Não há uma diferença, há, antes, uma consumpção. Num caso uma realidade, e, noutro, uma realidade abrangida. Mais acertado seria, portanto dizer que todo o acto administrativo impugnável é acto administrativo mas nem todo o acto administrativo é impugnável.

A sanção pecuniária compulsória e a declaração de ilegalidade por omissão

Tudo começou na aula teórica de Contencioso Administrativo do dia 18 de Novembro de 2008, quando o Professor se debruçava sobre a declaração de ilegalidade por omissão consagrado no artigo 77.º do CPTA.
Falou-se da originalidade deste regime português, do facto de ter na sua génese o regime da fiscalização da constitucionalidade por omissão (e de eventualmente sofrer ou não da mesma inutilidade) e finalmente da natureza e efeitos das suas sentenças, sendo que aqui a questão começou a tornar-se mais interessante. Senão vejamos:
Ao contrário da sua congénere constitucional a declaração de ilegalidade por omissão parece não redundar apenas numa sentença declarativa, pois o número dois do artigo 77.º vem fixar um prazo para que a omissão seja suprida. Assim, o tribunal não se contenta somente com o reconhecimento de uma mera omissão, mas, todavia, não há uma verdadeira condenação da administração na produção da norma regulamentar devida, facto que o Professor justifica com o medo do legislador violar o sacrossanto princípio da separação de poderes, embora ele logo considere que tal não aconteceria tendo em conta que a discricionariedade da administração poderia ser na mesma salvaguardada. Temos assim uma condenaçãozinha que se pode tornar numa coisa mais séria se for conjugada com uma sanção pecuniária compulsória, pois esta poderia talvez levar o órgão em falta a regulamentar.
Esta questão parecia pacífica na minha mente até verificar a legitimidade activa prevista no mesmo artigo 77.º. Começando pelo fim (e pelo não problemático), o particular que alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão, seguindo-se o Ministério Público (Acção Pública) e os defensores de interesses difusos (Acção Popular). Devem estar neste momento a interrogar-se sobre qual será o meu problema com a legitimidade do 77.º quando no fundo ele concede-a aos habitués já previstos no artigo 9.º!
Acontece que o meu problema deriva da conjugação desta legitimidade com a sanção pecuniária compulsória – Penso que todos concordamos que faz sentido que as três entidades em causa possam verificar contenciosamente a omissão, mas será que faz sentido aplicar sanções pecuniárias compulsórias em acções intentadas pelo Ministério Público? Ou por associações em defesa de interesses difusos? Parece que sim, porque a omissão deve em todos os casos ser suprida. Mas deverão os particulares não lesados ou o MP receber eles próprios o montante da sanção, tal como recebem os que têm interesse directo na demanda? Não faz grande sentido, não é essa a lógica que subjaz à sua legitimidade que se baseia na defesa da legalidade.
Formulei então um pensamento que procurava, de forma simples, resolver esta questão. Pensei que a sanção pecuniária compulsória podia de facto ser aplicada nos casos de acção pública/popular, porque o carácter coercitivo da sanção pode ser suficiente para o órgão praticar o acto. No entanto, o montante dessa sanção seria depositado (ainda que gradualmente) para depois poder ser levantado pelo próprio órgão uma vez suprida a omissão – uma eventual consignação em depósito, que não extingue a obrigação de agir e em nome do próprio devedor. Teríamos assim dois reforços para a Administração eliminar a omissão: O reforço negativo, o pagamento da sanção, e um reforço positivo, o facto de se reaver o montante pago assim que a obrigação legal fosse cumprida.
É este pensamento que dá o mote a análise seguinte.

Em primeiro lugar, convirá explicar qual a base normativa para a aplicação da sanção pecuniária compulsória, uma vez que o artigo 77.º é omisso (não deixa de ser irónico) quanto à sua admissibilidade. Desde logo, o artigo 3.º/2 é uma norma geral que habilita o tribunal a aplicá-la quando tal se justifique, mas mesmo que assim não fosse, o artigo 49.º manda aplicar a todas as sentenças no âmbito de Acção Administrativa Especial o artigo 44.º, que por sua vez regula a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias na Acção Administrativa Comum.
Em segundo lugar, convém afastar uma ideia errada que teima em ressuscitar de quando em quando: A sanção pecuniária compulsória não tem qualquer motivação indemnizatória, trata-se apenas de uma medida coercitiva e sancionatória (porque incita ao cumprimento e afecta o património do devedor com uma sanção) com o objectivo de evitar o prolongamento da lesão exercendo pressão sobre o devedor. Não repara danos e inclusivamente pode-se cumular com juros de mora.
Cabe, agora sim, averiguar o regime previsto no CPTA para a sanção pecuniária compulsória. O artigo em causa é o 169.º que apesar de estar integrado nos preceitos relativos à execução de sentenças deve igualmente ser aplicado na fase declarativa por remissão expressa do artigo 44.º, revestindo esta medida neste caso de carácter preventivo como forma de evitar o incumprimento e a posterior fase executiva. O n.º 1 deste artigo merece especial destaque por consagrar uma diferença substancial do regime geral da sanção pecuniária compulsória em relação ao previsto no CPTA, uma vez que a sanção não vai recair sobre o devedor da norma, mas sim sobre os titulares dos órgãos incumbidos da execução. Foi assim aceite a proposta do Prof. Freitas do Amaral defendendo que o erário público não devia responder pela sanção mas sim o património pessoal dos indivíduos por detrás da máscara administrativa. Repare-se inclusivamente que no 169.º n.º3, no caso de órgãos colegiais, só serão responsabilizados os verdadeiros culpados pela situação desconforme, pelo que, mutatis mutandis ao nosso caso, aqueles que eventualmente se tenham mostrado desfavoráveis à omissão não seriam abrangidos.
Analisando quanto ao destino das importâncias resultantes da sanção, a tónica recai no artigo 169.º n.º6 no qual o legislador, a meu ver de forma imprudente, veio misturar a indemnização com a sanção pecuniária compulsória, embora para dizer que elas são cumuláveis, o que já resultaria da natureza das figuras. No entanto, dele retiramos que o montante é recebido pelo exequente, leia-se interessado, leia-se quem tem interesse directo na demanda. Daqui concluímos que o nosso problema permanece sem resposta e que o CPTA é omisso quanto à regulamentação da sanção pecuniária compulsória em casos de acção pública ou popular. Contudo, o código deixa-nos uma pista: Procurando regulamentar um montante máximo objectivo a que o interessado pode ter acesso via sanção pecuniária, o 169.º n.º6 (ainda ligando sanção a indemnização!) veio estabelecer que o interessado não pode receber mais a título de sanção pecuniária compulsória do que receberia a título de indemnização e que o montante restante que ainda devesse ser pago deveria ser enviado para uma dotação prevista no Orçamento de Estado inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (órgão regulado nos artigos 74.º e ss do ETAF).
Tendo em conta o exposto parece-me que não estando regulado no CPTA o destino do montante auferido pelas sanções pecuniárias compulsórias decretadas em processos declarativos no âmbito da acção pública e popular, esta lacuna deve ser integrada com recurso a uma analogia ao artigo 169.º n.º6 e como tal, todo o montante deve ser orientado para esta dotação à ordem do dito Conselho Superior.
Resta concluir que a solução proposta e que serviu de mote a esta análise não acolhe qualquer tipo de correspondência legal devendo ser rejeitada em prol da solução referida no parágrafo anterior. Para mais, a sua adopção levaria inevitavelmente a uma deturpação da figura da sanção pecuniária compulsória, cuja dimensão é punir o órgão pela inércia e como tal de conteúdo meramente negativo. A existir esta figura seria totalmente atípica, devido a conjugar características da sanção pecuniária compulsória e da consignação em depósito, embora não tenha correspondência integral a nenhuma delas. Não obstante, trata-se, de iure condendo, de uma figura cuja pertinência seria total caso fossem dinheiros públicos a estar em jogo, mas, mesmo recaindo a opção legislativa pelo património privado dos titulares dos órgãos administrativos (e com ela concordo), não deixa de ser interessante pela sua vertente dupla de incentivo à prática do acto derivada da conjugação de reforço negativo (sanção) com o positivo (reaver o dinheiro uma vez reposta a legalidade).

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Conceito de acto administrativo impugnável

O nosso Contencioso Aministrativo de hoje incide sobre os direitos dos particulares e a integralidade da relação juridica.
A acção administrativa especial é um meio procesual principal adoptado por ele, o qual faz jus às relações juridicas administrativas e aos correspondenetes direitos subjectivos.
Sendo considerada um meio procesual de banda larga, permite a formulação de uma grande variedade de pedidos e dá origem a uma correspondente diversidade de efeitos das sentenças.
De acordo com o artigo 46.º nº2 do CPTA esta acção integra quatro modalidades:
-anulação de um acto administrativo ou declaração da sua inexistência (artigos 50.º e ss CPTA);
-condenação à prática de acto administrativo legalmente devido (artigos 66.º e ss CPTA);
-declaração de ilegalidade de normas regulamentares ilegais (artigos 72.º e ss CPTA);
-e declaração de ilegalidade pela não emissão de regulamentos (artigo 77.º CPTA).
Um dos seus pressupostos processuais especificos, na modalidade de anulação, é o acto administrativo impugnável (artigos 51º a 54º CPTA), para além da legitimidade (artigo 55º a 57º CPTA) e a oportunidade (artigo 58º CPTA).
O conceito de acto administrativo está desde logo referido no artigo 120º do CPA, como sendo uma decisão dos orgãos da Admnistração que ao abrigo de normas de direito publico, visa a produção de efeitos juridicos numa situação individual e concreta independentemente da forma sob que sejam emitido. Mas este conceito material é diferente do conceito de acto adiministrativo impugnavel, sendo, como diz o Prof Vieira de Andrade, por um lado mais vasto e por outro mais restrito.
Por um lado entende que é mais vasto porque não depende da qualidade administrativa do seu Autor, incluindo assim decisões proferidas por autoridades não integradas na Admnistração Pública e decisões de entidades privadas que exerçam poderes publicos-artigo 51.º, nº2.
Por outro, diz que o acto administrativo impugnavel só abrange expressamente decisões adiministrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento adiministrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos- 51.º nº1.
O professor inclui ainda neste conceito, os actos destacáveis do procedimento pois produzem efeitos juridicos externos autonomamente, sem ser através do acto principal do procedimento e exclui os actos internos por vizarem produzir apenas efeitos intra-pessoais, atingindo os aspectos orgânicos das relações especiais entre orgãos e não entre eles, com as devidas excepções.
O problema coloca-se quanto em saber se as decisões administrativas preliminares podem ser impugnaveis, por só produzirem efeitos externos através da decisão final. Quanto a este defende, uma defesa antecipatória dos interessados na medida em que muito provavelmente irão causar lesões nos seus direitos. Na sua opinião esta impugnabilidade deveria decorrer expressamente de uma lei, visto nao estar determinada no artigo 51.º do CPTA.
O Professor Mario Aroso de Almeida aponta como elemento decisivo da noção de acto administrativo impugnável a eficácia externa ou seja, para que um acto administrativo possa ser considerado impugnável é necessário que os efeitos que ele se destina a introduzir na ordem juridica sejam susceptiveis de se projectar na esfera juridica de qualquer entidade privada ou publica.
O Professor Vasco Pereira da Silva por sua vez reafirma a opção pela natureza subjectiva do acto ou seja, pelo acto lesivo dos direitos dos particulares. O acto impugnável é o acto que lese direitos dos particulares ou seja susceptivel de o fazer.a comprovar isto está o artigo 54.º que ao possibbilitar que actos que não têm eficacia possam ser impugnados vem dizer que o critério ponderante não é o da eficácia mas sim o da lesão.
Na sua opinião, o legislador procurou afastar todas as características restritivas e adopta por sua vez uma noção ampla e “aberta” de acto administrativo, que compreende toda e qualquer decisão destinada à produção «de efeitos juridicos numa situação individual e concreta»- artigo 120.º CPA. Assim devem ser afastadas as noções restritivas de acto administrativo seja ao nivel substantivo seja ao nivel processual: a concepção da escola classica de Lisboa, na esteira de Marcello caetano, que destinguia um conceito amplo e um conceito restritivo do acto, pelas caracteristicas substantivas da definitividade e da executoriedade deste e ainda a concepção da escola de Coimbra em que era adoptado um conceito restritivo de acto administrativo tanto para efeitos substantivos como processuais.

Fazendo uma análise dos artigos correspondentes a este pressuposto processual pode concluir-se o seguinte:
O artigo 51.º nº1 vem dizer que são impugnaveis, os actos adiministrativos, ainda que inseridos num procedimento adinistrativo (são susceptíveis de impugnação autónoma) com eficácia externa e especialmente aqueles cujo conteudo seja susceptivel de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Considerando estes dois critérios como sendo autónomos, poder-se-à dizer que a eficácia externa é a produção de actos administrativos na esfera juridica das pessoas singulares ou colectivas mesmo que ainda não tenha havido uma decisão final. Quanto à lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos não se impõe uma lesão efectiva, admitindo a impugnação judicial da possivel aptidão para lesar esses direitos ou interesses. Como se diz no Acórdão de Tribunal Central Administrativo Norte nº 00042/06.2BEBRG, de 24 Julho 2008: “ Na verdade, poderá assistir um interesse directo e pessoal na impugnação de acto administrativo sem eficácia externa actual [nomeadamente lesiva], desde que seja seguro ou muito provável que a virá a ter”. É introduzida a efectiva tutela dos direitos dos particulares.
O nº 2 deste artigo, abrange as decisões materialmente administrativas proferidas por autoridades não integradas na Admnistração Publica e por entidades privadas que actuem ao abrigo das normas de direito administrativo.
O nº3 vem permitir ao particular que não impugnou qualquer acto procedimental a possibilidade de impugnar o acto administrativo final, com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento. O particular opta assim, pelo momento em que ataca o procedimento e não fica prejudicado por isso, pois não existe a obrigação de impugnar num determinado momento. A escolha pertence ao particular. Afasta-se a definitividade horizontal.
O nº4 vem permitir por sua vez um alargamento da garantia jurisdicional dos administrados ao permitir aos que interpuseram um pedido de simples anulação contra um acto de indeferimento, a possibilidade de substituirem a petição dele pelo adequado pedido de condenação à prática do acto devido.
De acordo com o artigo 52.º existe a possibilidade de impugnar um acto adiministrativo independentemente da sua forma ou seja, ainda que surja inserido num acto legislativo ou regulamentar; no artigo 53.º, permite-se a impugnação de acto meramente confirmativo que à partida não pode ser impugnado; no artigo 54.º há a possibilidade de impugnação de acto administrativo ineficaz;.
Tudo isto para dizer que se cumpre assim o estabelecido no artigo 268.º nº 4 da Constituição que garante a impugnação de quaisquer actos adminitrativos que lesem os adiminitrados, garantindo a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
O recurso hierárquico necessário deixa de ser exigido para se vir a impugnar judicialmente um acto administrativo que lese ou venha a lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares. Fim da definitividade vertical.
Por fim, sendo considerados como actos administrativos impugnáveis todos aqueles, cujos efeitos sejam susceptiveis de lesar ou afectar imediatamente posições subjectivas dos particulares (Professor Vasco Pereira da Silva) fará sentido que seja dada maior importância à tutela dos direitos dos particulares de forma a garantir a sua eficácia plena.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Temas para trabalhos (lista não exaustiva, apenas indicativa)

1. O contencioso administrativo francês e a sua influência no direito português
2. O contencioso administrativo alemão e a sua influência no direito português
3. A evolução do Contencioso Administrativo em Portugal
4. Contencioso Administrativo e Constituição
5. A Reforma do Contencioso Administrativo de 2002/2004
6. Princípios Estruturantes do Contencioso Administrativo
7. O princípio pro actione no centro da reforma do Contencioso Administrativo
8. A Igualdade entre as partes no novo Contencioso Administrativo
9. Âmbito da jurisdição administrativa: a responsabilidade civil
10. Âmbito da jurisdição administrativa: a actividade contratual da Administração
11. Âmbito da jurisdição administrativa: para lá e para cá da relação jurídica administrativa
12. A nova organização judiciária administrativa: o fim da pirâmide invertida
13. Reforma do Tribunal de conflitos
14. A legitimidade processual após a reforma do contencioso administrativo
15. A acção popular e o contencioso administrativo
16. Pluralidade de partes no contencioso administrativo
17. Que papel para o Ministério Público?
18. O interesse processual no Contencioso Administrativo
19. Margem de livre decisão administrativa e poderes do tribunal: traçar a fronteira
20. Cumulação de pedidos e tutela jurisdicional efectiva
21. Modificação da instância: novo princípio geral
22. A dicotomia acção especial e acção comum no novo contencioso
23. Noção de acto administrativo impugnável à luz da reforma de 2002/2004
24. Aceitação do acto administrativo: análise de um pressuposto processual negativo
25. Impugnações administrativas e contenciosas: regras de convivência
26. Ainda há recursos hierárquicos necessários?
27. Silêncio da Administração e contencioso administrativo
28. Pressupostos da Condenação à prática de actos administrativos devidos
29. Entre a impugnação e a condenação: que leitura para o artigo 51.º/4 do CPTA?
30. Impugnação de normas no novo contencioso administrativo
31. Declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares
32. A tramitação da acção administrativa especial
33. Condenação à não prática de um acto administrativo
34. A acção comum contra particulares do artigo 37.º/3 do CPTA
35. Responsabilidade civil extra-contratual e impugnação prévia de actos administrativos: que leitura para o artigo 38.º do CPTA?
36. Dualidade de meios processuais em sede contratual
37. Legitimidade e acções de contratos
38. Contencioso pré-contratual urgente
39. A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias
40. A suspensão de eficácia dos actos administrativos
41. Providências cautelares antecipatórias e conservatórias: critérios de distinção
42. Critérios de decisão das providências cautelares: novo peso para o fumus boni iuris?
43. O decretamento provisório das providências cautelares
44. Suspensão de eficácia de actos administrativos
45. Suspensão de eficácia de normas administrativas
46. O mecanismo de questões prejudiciais
47. Recursos jurisdicionais e a reformulação do papel dos tribunais superiores

Depende

Nada no seio da Judicatura é pacifico. A visão sobre um mesmo aspecto varia inevitavelmente dependendo do olhar do observador. A doutrina diverge e oscila, vogando ao sabor de doutas opiniões consoante a ideia que se tem por base de um sistema em geral ou de uma só questão em particular.
No que ao acto administrativo diz respeito não é diferente.
O artigo 120º CPA estará correcto ou incorrecto dependendo do conceito mais amplo ou mais restrito que se adopte, assim como do acto administrativo impugnável, patente no artigo 51º CPTA. Qual será a diferença entre os dois conceitos? Haverá uma posição correcta e outra menos certa?

Depende.

De um lado, o ponto de partida far-se-á pelo conceito de acto administrativo material, ele mesmo contido no 120º CPA, porque se vê a função de impugnação do acto administrativo como um controlo de invalidade ; são decisões materialmente administrativas de autoridade porque produzirão efeitos numa situação tida como individual e concreta, e assim serão considerados independentemente da forma que revistam. Significa que tudo o que não seja decisão não caberá neste âmbito uma vez que não existe a produção de efeitos na esfera dos particulares. Daqui, se faz o contraponto entre acto administrativo e acto administrativo impugnável, em que este último seria mais vasto e simultaneamente mais restrito, mesmo que tal possa parecer aparentemente paradoxal ; seria, então, mais vasto, na sua dimensão orgânica, em que não há dependência da qualidade administrativa do autor do acto para a sua impugnação, significando que abrange actos emitidos por autoridades que não se integram na Administração Pública. Seria, também, mais restrito porque se tem em conta a eficácia externa, especialmente a eficácia que se traduza na lesão de interesses e direitos legalmente protegidos, dos particulares. ( Prof. Vieira de Andrade )
Aqui, a eficácia externa e a lesão de direitos e interesses seriam como irmãos siameses, no sentido de inseparáveis, como requisitos cumulativos para a impugnação do acto.

De outro, uma visão que contém duas noções : uma visão mais abrangente, a que está vertida no corpo do artigo 120º CPA, como decisão que produza efeitos jurídicos em sede individual e concreta, e outra mais restrita, já relacionada com a actuação autoritária da Administração, correspondente, por si, a um meio processual, o recurso de anulação, que com a reforma é substituído pela noção, esta sim, ampla de acto, em que se abrange a actuação da Administração como prestadora e das entidades privadas dotadas de poderes públicos. Serão estas também susceptíveis de impugnação para a tutela dos direitos e interesses dos particulares. ( Prof. Vasco Pereira da Silva )
Aqui, a lesão de direitos e a eficácia externa separam-se conforme a pretensão, se de defesa de direitos ou defesa da legalidade.

Depende.

A ideia plasmada no artigo 51º CPTA será a conjunção de dois requisitos fundamentais, a eficácia externa do acto, e a ideia de lesão de direitos e interesses. A ideia subjacente às palavras do legislador, e numa lógica subjectivista, seria sempre o direito e interesse do particular, estaria sempre em primeiro lugar a defesa deste conceito.
Ora, se surge a eficácia externa, como produção ou constituição de efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, como requisito essencial, forma-se como que uma dupla protecção : protegem-se os interesses e direitos dos particulares e a possibilidade simultânea de esses interesses poderem vir a ser atacados pelos actos externos da Administração.

Depende, dirá o jurista avisado. Nada no seio da judicatura é pacifico.

domingo, 16 de novembro de 2008

CASO 5

Tendo em conta a escassez crescente de fundos para distribuir em sede de apoio às artes teatrais, o Ministério da Cultura decide proceder a uma alteração da sua política de subsídios. Para o efeito, o Director-Geral das Artes procede à revogação, a 1 de Janeiro de 2007, de um subsídio por si atribuído a Armando, produtor independente de teatro, residente em Coimbra, invocando que o “projecto anteriormente aprovado deixara de se enquadrar na política cultural do Ministério”. Não tendo sido auscultado previamente pelos serviços daquela direcção-geral, Armando apenas toma conhecimento da decisão a 1 de Junho, através de um amigo funcionário do ministério, ficando a saber que haveria sido dada ordem para não se proceder ao próximo pagamento semestral do subsídio, que devia ser pago no final desse mês.

Entretanto, a 1 de Abril de 2007, Armando, havia solicitado um outro subsídio a fundo perdido para recuperar o teatro localizado em Sintra onde produz as suas peças, ao Instituto de Gestão do Património Arquitectónico, também no âmbito do Ministério da Cultura. Este organismo tem a sua sede em Almada.

A 25 de Junho, perante o silêncio da administração, Armando propõe uma acção administrativa especial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, dirigida contra o Secretário de Estado da Cultura, uma vez que este seria responsável pela política restritiva de cortes orçamentais. Na petição inicial, Armando procede à impugnação do acto de revogação do seu subsídio, bem como do acto de indeferimento tácito que lhe recusara a concessão do subsídio para recuperação do teatro.


1. Aprecie a acção proposta por Armando identificando o preenchimento dos respectivos pressupostos processuais.

2. Baltazar, proprietário de um centro de meditação nas imediações do teatro que Armando quer recuperar, teme que caso o edifício entre em obras possa vir a perder a sua clientela. Para além disso, Baltazar pensa que as obras de recuperação vão desfigurar o edifício, património arquitectónico classificado. Qual a sua posição perante o litígio e como pode ele reagir?

CASO 4

A 1 de Janeiro de 2003, Amílcar, residente em Braga, requer ao Director-Geral de Viação uma autorização especial para instalação no seu táxi de um sistema de vídeo-vigilância inovador, para sua defesa pessoal contra assaltos. Contudo, o pedido não merece qualquer resposta por parte daquela entidade.

A 1 de Janeiro do ano seguinte, Amílcar formula novo pedido, requerendo mais uma vez a instalação de câmaras de vídeo no interior do seu táxi e ainda a colocação de um sistema de identificação biométrica na sua viatura, para recolha de dados sobre o perfil dos seus clientes. A 1 de Fevereiro de 2004, o Director-Geral de Viação comunica a Amílcar que já se pronunciara tacitamente sobre o pedido formulado em Janeiro do ano anterior, pelo que não teria qualquer dever de responder ao novo requerimento.

Inconformado com a decisão do Director-Geral de Viação, Amílcar decide recorrer para o Ministro da Administração Interna a 1 de Março de 2004. A 1 de Julho de 2004, cansado de aguardar por uma decisão ministerial, Amílcar formula junto do Supremo Tribunal Administrativo um pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido.

Entretanto, a 1 de Junho de 2004, o Ministro da Administração Interna praticara um acto com o seguinte teor: “É autorizada a instalação do sistema de identificação biométrica, devendo os dados recolhidos ser comunicados à Polícia de Segurança Pública no final de cada mês.” O acto apenas é notificado a Amílcar em 1 de Agosto de 2004.

A 1 de Outubro de 2004, e uma vez que o que verdadeiramente queria era a instalação da câmara de vídeo que adquirira há mais de uma ano, Amílcar decide cumular com o pedido que já formulara o pedido de impugnação do acto do Ministro da Administração Interna.


1- Aprecie o pedido inicial de Amílcar.
2- Amílcar pode formular pedido relativo ao acto do Ministro?
3- O Ministério Público pretende impugnar contenciosamente o acto do Ministro da Administração Interna, com fundamento na sua invalidade por violação do direito fundamental à reserva sobre dados pessoais. Pode fazê-lo hoje, a 13 de Dezembro de 2005?

Acto Administrativo do CPA e Acto Administrativo Impugnável do CPTA

Cabe, desde logo, invocar o art. 120º. do CPA, os arts. 46º. nºs 1 e 2 a), 50º. nº 1, 51º. nºs 1 e 2 e 54º. do CPTA e o art.268º. nº 4 da Constituição. Nos termos do CPA, actos administrativos são todas as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta - portanto, actos unilaterais, imperativos, dotados de uma vontade, organica e materialmente administrativos (pegando no exemplo comentado na aula, é um acto administrativo o que procedeu à Nacionalização do BPN). A impugnação de actos administrativos, um tipo de meio processual inserido no âmbito da Acção Administrativa Especial, aponta para 2 características fundamentais: a eficácia externa e a lesividade (note-se o advérbio "especialmente" empregado no art. 51º. nº1: "(...) especialmente
aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos") - "no âmbito do CPTA, acto administrativo impugnável é o acto dotado de eficácia externa, actual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos",nas palavras do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TAF do Porto) datado de 29/05/2008, processo 01006/059BEPRT.
O nº 2 deste mesmo artigo 51º. vem, assim, alargar o disposto no já referido artigo do CPA: podem também ser actos impugnáveis aquelas decisões materialmente administrativas oriundas quer de entidades não integradas na Administração quer entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito público. No art. 120º. CPA faz-se referência apenas aos órgãos da Administração, no art. 51º. nº 2 CPTA, vai-se mais longe, incluindo-se já, autoridades não inseridas na própria Administração, bem como a possibilidade de se impugnar actos de entidades privadas - o ETAF refere no seu art. 4º pessoas colectivas de direito público.
Antes, a forma por excelência de actuação da Administração pública era o acto administrativo; posteriormente a Administração passou a actuar também sob outras formas: regulamentos, contratos administrativos (embora estes últimos se insiram num regime especial) - na expressão caricata do Doutor Vasco Pereira da Silva "passámos a ter um pronto-a-vestir da Administração".
Quando se trata de decisões judiciais em que estão em jogo os interesses legamente protegidos dos particulares, há que garantir ao máximo as suas garantias, nomeadamente através de uma tutela jurisdicional efectiva, prevista no art. 2º. CPTA. Daí o ter-se ampliado o conceito processual de acto administrativo impugnável, de modo a poderem ser incluídos mais casos concretos - (aceita-se, igualmente, a cumulação de pedidos, litisconsórcio, a forma do acto não releva para efeitos de impugnação do mesmo, acabou-se com a teoria da definitividade vertical e horizontal, pois hoje é possível a impugnação independentemente de se estar no início, a meio ou no fim de um procedimento). Além das características do acto impugnável, exigem-se outros 2 pressupostos processuais: a legitimidade (activa/passiva) e a oportunidade (prazos) - estes 3 pressupostos têm de estar preenchidos para que se possa dar início a um procedimento.

Citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte: "A nossa Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnar junto dos tribunais quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma – artigo 268º nº4 da CRP. Trata-se de uma garantia impositiva, mas não limitativa, isto é, a norma constitucional impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos actos lesivos, mas dela não decorre que apenas tais actos sejam impugnáveis junto dos tribunais. Com a consagração desta garantia impositiva, baseada na lesividade, visou o legislador constitucional, sobretudo, repor no seu devido lugar a questão da impugnabilidade contenciosa do acto administrativo: afinal, o que tinha estado em causa na origem do recurso contencioso, era assegurar a todo o lesado por um acto administrativo uma via contenciosa de defesa dos seus direitos e interesses legítimos. E, ao fazê-lo, veio também o legislador constitucional dissipar dúvidas [suscitadas na doutrina e na jurisprudência] decorrentes da concreta aplicação do critério da impugnabilidade contenciosa baseado na teoria da tripla definitividade [material, horizontal e vertical], que, elaborada pela doutrina [sobretudo Freitas do Amaral], tinha obtido acolhimento no artigo 25º da LPTA que só permitia recurso dos actos definitivos e executórios".

Em suma e salvo o devido respeito pelo Doutor Vieira de Andrade, pessoalmente perfilho da mesma opinião quanto ao facto de o conceito processual de acto administrativo impugnável ser mais vasto do que o apresentado pelo CPA, mas já não quanto ao facto de, simultaneamente poder ser mais restrito - a lesividade é um forte argumento para o alargamento do âmbito de aplicação das acções de impugnação mesmo contra a exigência da cumulatividade dos outros 2 pressupostos [estamos já perante decisões judiciais em que funcionam verdadeiros tribunais
(administrativos) onde é compreensível que se exijam estes mesmos 3 pressupostos].

sábado, 15 de novembro de 2008

Analgésico vs Antibiótico: Um problema bem português

"Os blogs servem como uma história oral", disse Bill Schreiner, vice-presidente da AOL Community. Por isso não se compadecem com uma escrita meramente analítica e desprovida de sentimento. Ninguém ficaria até ao fim para a ouvir.

Proponho-me a fazer um comentário em jeito de blog, manifestando uma opinião, de fácil leitura e passível de comentário.

A palavra “restrito” faz parte do léxico de Vieira de Andrade. Também a sua visão do contencioso administrativo é restrita. Vê-o através do óculo redutor que apenas o identifica com a entidade administrativa agressiva, dotada de ius imperii e preocupa-se apenas com a sua repercussão externa. Entendo que uma noção ampla do contencioso, como a defendida pela regência, numa administração também hoje de carácter prestador e infra-estrutural, é a mais apropriada. Todo e qualquer acto material, ainda que meramente interno, desde que passível de produção de efeitos numa situação individual e concreta, como dispõe a CRP deve ser sindicável.

O conceito processual de acto administrativo impugnável será mais vasto do que o conceito de acto administrativo, se o tomarmos como a possibilidade de impugnação de qualquer manifestação de vontade da administração, independentemente da forma externa que esta assuma. Que seja mais restrito discordamos, pois mesmo tendo em conta a compartimentação classificatória defendida Marcelo Rebelo de Sousa, à qual aderimos, onde encontra três dimensões da administração, a agressiva, a prestadora e a infra-estrutural, deverá ser sempre impugnável um qualquer acto administrativo material, desde que directa ou indirectamente lese um particular.

A justiça administrativa. Nas palavras de Mário Nigro, “Al limite, cosi ampliato il suo campo, la giustizia amministrativa diventa addirittura un modo di essere del diritto amministrativo (sostanziale).

Com esta frase, o Professor manifesta o brocardo “a cada direito corresponde uma acção”. É neste nível evoluído, que se encontra hoje, o nosso analgésico, como o impõe o artigo 268.º, n.º4 da CRP. Também manifestando o que ora é dito encontramos o artigo 2.º do CPTA. E este último, é dispensando a eventual crítica, “meramente exemplificativo”, como bem recorda Mário Aroso de Almeida, confirmando-o o artigo 3.º do mesmo diploma, ao estatuir um princípio de plena jurisdição.

Assim o enunciam os princípios e meios que salientamos do novo CPTA, que intimamente se relacionam com esta tutela jurisdicional efectiva (conveniência e oportunidade da decisão excluídas à apreciação judicial, honrando Montesquieu):

- Princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos (incluindo normativos que permitem a sua execução efectiva, nomeadamente a possibilidade de aplicação de sanção pecuniária compulsória à administração).

- Poderes de pronúncia em processo principal (com e sem força obrigatória geral).

- Poder de decretar todo o tipo de providências cautelares e o princípio da livre cumulação de pedidos (estes segundo Vieira de Andrade, pedra de toque para um “acesso efectivo à justiça administrativa”).

- Princípio da igualdade de partes (que a bem da verdade entendo não poder por definição ser levado às últimas consequências dado que, ao contrario do modelo anglo-saxónico, onde a administração é parte em tribunais civis, temos tribunais criados especificamente para resolver litígios que advêm de relações jurídico-administrativas).

- Princípio da promoção da decisão no processo (in dubio pro actione no artigo 7.º CPTA)

- Princípio da simplificação da estrutura dos meios processuais.

- Princípio da flexibilidade do objecto do processo.

- Princípio da agilização processual (permitindo-se tramitações urgentes)

- Princípio da recorribilidade da decisão.

Ana Marcos de Carvalho identifica directamente, na sua tese de mestrado, a possibilidade de tutela jurisdicional efectiva com a não morosidade na justiça. Entendo que esta asserção é de especial interesse para a identificação do problema e promoção da actuação onde ela deve começar, na sua fonte.

É também para Vieira de Andrade uma das bases definidoras de uma verdadeira tutela jurisdicional efectiva a existência de uma decisão em prazo razoável.

Voltando à sua frase, apenas consigo encontrar um sentido mais restrito, nos termos do seu dizer, tomando o acto administrativo no sentido de toda a acção de uma autoridade administrativa e de todas as condições em que essa acção é tomada, designadamente a formação do agente que a pratica, os meios de que dispõe ao praticá-la e a organização do meio estrutural, as mais das vezes pesada, que por vezes leva a que este nem tenha tempo para a praticar.

Como refere o Professor Aldo Travi, quando escreve sobre a impugnação de actos administrativos “questi instituti sono stati elaborati per la tutela del cittadino..sono perciò tipicamente strumenti di tutela successiva”.

Esta constatação é importante. Mas quantos processos não se poupariam se se fizesse uma correcta reforma da administração pública? Entendo que se deve ir mais longe e preocuparmo-nos com a tutela preventiva do acto administrativo. Aí sim, muito há para “impugnar”.

A necessidade de uma reforma, através do “esvaziamento da competência de 1ª instância do STA”, com repercussões organizativas, e de especialização dentro dos tribunais administrativos como defende e bem o Prof. Vasco Pereira da Silva, quando salienta as virtudes da realidade alemã levariam a melhores e mais rápidas decisões e, quiçá, poderiam ser o mote para mais densas e sábias intervenções legislativas, no domínio preventivo ao acto administrativo. Neste âmbito lembramos também as suas palavras quando alerta para a necessidade de revisão do CPPT, feita que está, e bem, a reforma do processo administrativo.

Em última análise, a completa tutela não será possível sem uma dimensão preventiva, essa sim em falta no sistema português, as mais das vezes por falta de vontade do particular em colaborar com o administrativo não contribuindo para resolver as falhas que sempre diz encontrar, colaboração que podia fazer a diferença entre uma boa e uma má decisão. Consciência e activismo cívico. Quiçá os motores de uma verdadeira tutela administrativa efectiva, que aliviaria sobremaneira os tribunais administrativos, estes, no dizer de Vasco Pereira da Silva, “numa preocupante situação de sobrecarga de processos”.

Não despicienda será também a referência à necessidade de dar dignidade e meios ao defensor oficioso (imposto pelo artigo 20.º da CRP). Só com um capaz apoio judiciário se poderá efectivar esta tutela jurisdicional efectiva como impõe a constituição no seu artigo 2.º, “na garantia de efectivação dos direitos”, permitindo verdadeiramente, e em condições de maior igualdade, o acesso de todos ao Direito.

Relembrando sempre a cadeira de Introdução ao Estudo do Direito, quando nos alertou para a importância nuclear das ciências auxiliares, nunca se deverá negligenciar a sociologia do direito, procurando o porquê desta falta de vontade do particular em colaborar preventivamente com a administração, e em intervir socialmente procurando soluções que possibilitem uma melhor e mais certeira actuação administrativa, para que apenas numa óptica secundária, se recorresse aos meios sucessivos. Só com o seu auxílio poderemos criar o verdadeiro antibiótico.

Nas palavras de Gomes Canotilho, só assim se fará a verdadeira “coroação do Estado de Direito”.