quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A natureza adjectiva do acto administrativo

Em Portugal a construção do conceito de acto administrativo nasce com o cunho de Marcello Caetano, nascendo à partida amplo e complexo. Coexistem os actos administrativos em sentido amplo, ”actuação voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para a prossecução de interesses impostos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto” com um conceito mais restrito de acto administrativo definitivo e executório, ”a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto, fixando os direitos da administração ou dos particulares, ou os respectivos deveres, nas suas relações jurídicas”.
O art.120 do CPA veio introduzir no conceito de acto administrativo um novo componente, os actos administrativos são, com efeito decisões. O preceito remete-nos para uma distinção que separa os actos que, por terem conteúdo decisório, devem ser qualificados como actos administrativos, daqueles outros que, como os pareceres (não vinculativos), as informações ou as propostas, mas também os actos confirmativos e opinativos.
Para Marcello Caetano todo o acto definitivo é executório, estando a obrigatoriedade e a possibilidade de execução administrativa, incluídas no conceito amplo de executoriedade. Como tem sido assinalado pela doutrina, a dimensão executória, em sentido próprio, da actuação administrativa não diz respeito a actos, mas às situações jurídicas (pretensões materiais). Mais, a possibilidade de execução coerciva só faria sentido perante actos impositivos de deveres ou encargos, o que apenas corresponde a um conjunto de situações restritas. Assim, sentira-se necessidade de vir a reconhecer que a executoriedade surgia numa acepção de eficácia, no exclusivo propósito de excluir do recurso contencioso os actos ainda ineficazes. Tal definição de acto administrativo nada tem que ver com a sua estrutura ou natureza substantiva, mas sim com a sua natureza puramente adjectiva. Também os conceitos de definitividade vertical – emissão de uma resolução fina, de que não coubesse recurso na ordem hierárquica, por ter sido praticado no exercício de competência exclusiva –, e horizontal – no qual se fazia corresponder o acto definitivo à resolução final de um processo administrativo – nada têm que ver com a estrutura e substancia do acto, no entanto centram-se num conceito adjectivo.
Actualmente, o conceito de acto administrativo consagrado no CPA, não é delimitador do objecto de impugnação contenciosa. Precisamente porque o art.51 cpa, consagra, não só a possibilidade de impugnar actos materialmente administrativos, independentemente de quem os tenha praticado ser uma entidade privada, como também, se torna mais restrito face ao acto administrativo, no sentido em que só abrange expressamente decisões administrativas com eficácia externa. A dúvida tem se colocado perante pareceres vinculativos, na medida em que estes não tendo eficácia externa directa, têm-na de forma “encapuzada”, pois o conteúdo do acto final do acto do segundo órgão não é mais do que a adopção daquilo que foi dito no parecer.
Neste sentido, Freitas do Amaral afirma que os pareceres vinculativos não fazem parte do elenco de actos instrumentais, na medida em que eles são o próprio acto administrativo.

2 comentários:

JS/Azambuja disse...

No âmbito da exposição feita pela colega acerca do acto administrativo em geral, parece-me oportuno fazer uma referência sobre o contéudo da acto administrativo, nomeadamente sobre o acto administrativo como um acto proveniente de um órgão administrativo, isto porque, no actual Estado de Direito, a Administração tem um papel fulcral na sociedade.
Assim, é claro que o acto administrativo deve ser praticado no exercicio do poder administrativo, do poder público, ou seja ao abrigo de normas de direito público que servem o desempenho de uma actividade administrativa de gestão pública.
Só os orgãos da Administração Pública ou órgãos habilitados por lei a praticar actos administrativos podem praticar actos administrativos o que permite distinguir que não é qualquer funcionário público que os pode praticar uma vez que se esse poder estivesse amplamente alargado a todos os funcionários públicos ou "agentes" administrativos, a Administração Pública estaria transformada num verdadeiro caos de burocracia (mais ainda...talvez!)
Assim, um acto admistrativo distingue-se de outros actos normativos por pretender a produção de efeitos juridicos a uma situação individual e concreta,o qual deve ser emitido por alguém provido de poderes para tal emissão.

Rita Domingos
Nr. 13983 subturma 11

Anabela Ribau Ramos disse...

Cabe, desde logo, invocar o art. 120º. do CPA, os arts. 46º. nºs 1 e 2 a), 50º. nº 1, 51º. nºs 1 e 2 e 54º. do CPTA e o art.268º. nº 4 da Constituição. Nos termos do CPA, actos administrativos são todas as decisões dos órgãos da
Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta - portanto, actos unilaterais, imperativos, dotados de uma vontade, organica e materialmente administrativos (pegando no exemplo comentado na aula, é um acto administrativo o que procedeu
à Nacionalização do BPN). A impugnação de actos administrativos, um tipo de meio processual inserido no âmbito da acção administrativa especial, aponta para 2 características fundamentais: a eficácia externa e a lesividade (note-se o advérbio "especialmente" empregado no art. 51º. nº1: "(...) especialmente
aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos") - "no âmbito do CPTA, acto administrativo impugnável é o acto dotado de eficácia externa, actual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos",nas palavras do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TAF do Porto) datado de 29/05/2008, processo 01006/059BEPRT.
O nº 2 deste mesmo artigo 51º. vem, assim, alargar o disposto no já referido artigo do CPA: podem também ser actos impugnáveis aquelas decisões materialmente
administrativas oriundas quer de entidades não integradas na Administração quer entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito público. No art.
120º. CPA faz-se referência apenas aos órgãos da Administração, no art. 51º. nº 2 CPTA, vai-se mais longe, incluindo-se já, autoridades não inseridas na própria Administração, bem como a possibilidade de se impugnar actos de entidades privadas - ETAF refere no seu art. 4º pessoas colectivas de direito público.
Antes, a forma por excelência de actuação da Administração pública era o acto administrativo; posteriormente a Administração passou a actuar também sob outras
formas: regulamentos, contratos administrativos (embora estes últimos se insiram num regime especial) - na expressão caricata
do Doutor Vasco Pereira da silva "passámos a ter um pronto a vestir da Administração".
Quando se trata de decisões judiciais em que estão em jogo os interesses legamente protegidos dos particulares, há que garantir ao máximo as suas garantias, nomeadamente através de uma tutela jurisdicional efectiva prevista
no art. 2º. CPTA. Daí o ter-se ampliado o conceito processual de acto administrativo impugnável, de modo a poderem ser incluídos mais casos concretos - (aceita-se, igualmente, a cumulação de pedidos, litisconsórcio, a forma do acto não releva para efeitos de impugnação do mesmo, acabou-se com a teoria da definitividade vertical e horizontal, pois hoje é possível a impugnação independentemente de se estar no início, a meio ou no fim de um procedimento). Além das características do acto impugnável, exigem-se outros 2 pressupostos processuais: a legitimidade (activa/passiva) e a oportunidade (prazos) - estes 3 pressupostos têm de estar preenchidos para que se possa dar início a um procedimento.

Citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte: "A nossa Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnar junto dos tribunais quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma – artigo 268º nº4 da CRP. Trata-se de uma garantia impositiva, mas não limitativa, isto é, a norma constitucional impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos actos lesivos, mas dela não decorre que apenas tais actos sejam impugnáveis junto dos tribunais. Com a consagração desta
garantia impositiva, baseada na lesividade, visou o legislador constitucional, sobretudo, repor no seu devido lugar a questão da impugnabilidade contenciosa
do acto administrativo: afinal, o que tinha estado em causa na origem do recurso contencioso, era assegurar a todo o lesado por um acto administrativo uma via contenciosa de defesa dos seus direitos e interesses legítimos. E, ao fazê-lo, veio também o legislador constitucional dissipar dúvidas [suscitadas na doutrina e na jurisprudência] decorrentes da concreta aplicação do critério da impugnabilidade contenciosa baseado na teoria da tripla definitividade [material, horizontal e vertical], que, elaborada pela doutrina [sobretudo
Freitas do Amaral], tinha obtido acolhimento no artigo 25º da LPTA que só permitia recurso dos actos definitivos e executórios".

Em suma e salvo o devido respeito pelo Doutor Vieira de Andrade, pessoalmente perfilho da mesma opinião quanto ao facto de o conceito processual de acto administrativo impugnável ser mais vasto do que o apresentado pelo CPA, mas já não quanto ao facto de, simultaneamente poder ser mais restrito - a lesividade é um forte argumento para o alargamento do âmbito de aplicação das acções de
impugnação mesmo contra a exigência da cumulatividade dos outros 2 pressupostos [estamos já perante decisões judiciais em que funcionam verdadeiros tribunais
(administrativos) onde é compreensível que se exijam estes mesmos 3 pressupostos].

Anabela Ramos, nº 15369, subturma 11