segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Condenação à prática de acto devido ( 3ª tarefa)

A frase é um bom impulso para discutirmos a mudança de paradigma que o Contencioso Administrativo viveu. Não mais hoje temos um Contencioso Administrativo de mera anulação, estando os tribunais administrativos impedidos de fazer mais do que simplesmente anular as condutas administrativas. A reforma do Contencioso Administrativo foi no sentido correcto, no sentido de um Contencioso de plena jurisdição, no qual passa a ser claramente admissível a condenação da Administração à adopção de condutas, ou seja, à prática de actos. Acrescente-se: à prática de actos legalmente devidos, aqueles que nascem da violação da Administração de um dever legal de agir.
De resto, outra coisa não poderia ser. O artigo 268º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa é claro e constitui sempre a base de análise. Afirma-se ali, expressamente, esta possibilidade. Mais uma vez é a tutela jurisdicional efectiva o que está em causa. O regime jurídico português não se coaduna sem uma efectiva defesa dos particulares face à Administração Pública. Mais ainda se diga. O que está na origem do artigo 268º, nº 4 da CRP é uma preocupação efectiva com as garantias dos particulares, com a efectividade e defesa dos seus direitos. Senão vejamos: o princípio da tutela jurisdicional efectiva permite que todo o tipo de pedidos possam ser formulados e deduzidos e, consequentemente, sejam obtidos diversos tipos de pronúncia jurisdicional. Como bem se salienta, há uma estrita relação entre o Direito Constitucional e o Direito Administrativo, na medida em que se um é “Direito Constitucional concretizado, também é verdade que o Contencioso Administrativo é o domínio privilegiado de realização dos direitos fundamentais. Por aqui percebe-se qual a inspiração da nova redacção constitucional. No fundo, hoje, não obstante o facto de sempre se puder formular e apontar críticas, a verdade é que a reforma do Contencioso Administrativo andou bem. Quem se dirige à Administração Pública não pode estar condicionado nos seus poderes. Tem um leque variado de meios e cada um com significado diverso e nenhum deles substituíveis entre si.
E é tendo por base estes esclarecimentos que se deve entender a afirmação. Com este novo meio processual, é claro que o modo de reacção adequado contra actos de administração de conteúdo negativo é um pedido de condenação à prática do acto legalmente devido e não, por exemplo, uma acção de impugnação de actos administrativos. Não fará sentido formular-se um pedido de impugnação, isto se analisarmos a génese do pedido e os outros meios ao dispor. O pedido de impugnação de acto administrativo nada é mais do que o antigo recurso de anulação, sendo que constitui um meio disponível ao particular para recorrer de actos administrativos que padecem de ilegalidade. O que se espera com esta acção? Regra geral, a anulação do acto, ou uma declaração de nulidade ou até de inexistência, não esquecendo, claro, os poderes do artigo 71º do CPTA. Este meio processual está virado para o ataque de actos positivos feridos de ilegalidade em que se pretende em 1ª instância a eliminação do acto ilegal. A questão é diversa se estivermos perante um acto de conteúdo negativo. Conteúdo negativo como sinónimo de actos administrativos desfavoráveis. Neste contexto, desfavoráveis serão os actos administrativos de indeferimento, nos termos dos quais a Administração se recusa a praticar certos actos “pedidos” em requerimento pelo particular.
O artigo 67º do CPTA ao enumerar as situações – pressuposto é uma ferramenta de análise do artigo 51º, nº4. Mas não só. As alíneas b) e c) são situações de recusa de pretensões que tinham sido formalmente apresentadas pelos interessados. A diferença das duas reside no facto da alínea c) dizer respeito a uma recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática do acto administrativo, ao passo que a alínea b) centra a questão na recusa do mérito da pretensão. Na alínea a), não há nem um deferimento, nem indeferimento, há, apenas, uma omissão pura e simples. Na alínea b), há um indeferimento expresso e na c) uma recusa de apreciação. Todas são pressuposto ou melhor, constituem fundamento bastante para intentar uma acção deste género.
Porque se deve ler, então, em conjunto o artigo 51º, nº 4 do CPTA com o disposto nos artigos 66º, nº 2 CPTA e 67º, nº 1, alíneas b) e c) também do CPTA? Já sabemos qual a razão de se dizer que o meio adequado para reagir contra um acto de conteúdo negativo ser o da acção de condenação à prática de acto administrativo. Interessa, agora, tecer umas últimas palavras quanto à pergunta formulada, de saber porque se deve ler em conjunto os mencionados preceitos. Deve ler-se em conjunto, pois é a partir da leitura conjugada que se consegue determinar o verdadeiro objecto do processo quando um particular se dirige a um tribunal e se encontra perante um indeferimento da pretensão ou um acto de recusa da apreciação do próprio requerimento (acção mencionada no 51º, nº4, explicitada no 66º, nº2 e 67º). Em qualquer destas situações, com a reforma, o que se quis foi estabelecer claramente que a pretensão que o particular quer fazer valer em juízo não é o acto de recusa, mas sim fazer valer a sua pretensão subjectiva. Como o Professor Mário Aroso deAlmeida salienta, o particular faz valer a posição subjectiva de conteúdo pretensivo de que é titular. Não foi ao acaso que um dos pontos da reforma foi alargar a tutela jurisdicional efectiva. Mais: foi permitir ao particular um leque variado. Não faz sentido para estes casos, fazendo agora a ponte com o 67º, uma acção de impugnação em que a sentença anularia, ou produzir uma sentença de nulidade ou de inexistência. Seria inútil face a este novo meio processual. Intentar esta acção em que o verdadeiro objecto é a pretensão do particular e não o ataque ou eliminação do acto de indeferimento ou de recusa terá como resultado uma imposição à Administração que passa pela adopção do acto legalmente devido. E é isto que o particular pretende. Acrescente-se, em abono da verdade, que isso só será possível se conseguir, também, a eliminação do acto de indeferimento do ordenamento jurídico. E consegue-o através desta acção: como bem salienta o professor Mário Aroso de Almeida, a condenação à prática do acto devido substitui a pronúncia anulatória, pois com a decisão de condenação à adopção do acto, o acto de indeferimento desaparece da ordem jurídica. De resto, o artigo 66º mostra claramente que a eliminação do acto de indeferimento resulta da pronúncia condenatória.

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