sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

4ª Tarefa - A reforma que devia ser reformada

O art. 268.º da CRP é a chave para a protecção dos direitos e garantias dos administrados, com especial relevo para o nº 5 (que é o que por agora nos interessa), tal como o art. 2.º nº 2, h) do CPTA. Os cidadãos que vejam os seus direitos ou interesses legalmente protegidos serem afectados por uma norma administrativa num determinado momento, dispõem do direito de as impugnar. "A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, com respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos" - art. 266.º nº1 CRP - já que este órgão estabelece relacionamentos multipolares. A declaração de ilegalidade de normas vem prevista nos arts. 72.º e seguintes CPTA. Os regulamentos são normas gerais e abstractas; gerais porque se aplicam a uma pluralidade de sujeitos, abstractas porque se aplicam a uma pluralidade de situações, ao contrário dos actos administrativos que são individuais e concretos. O Doutor Vasco Pereira da Silva classifica ainda como regulamentos administrativos aqueles "casos intermédios" cujas disposições são individuais mas abstractas ou gerais e concretas - podem estes também ser impugnados numa acção de declaração de ilegalidade. Embora a declaração de ilegalidade de normas surja num contexto particular - quando um cidadão seja prejudicado numa situação específica - ela tem força obrigatória geral, ou seja, produz efeitos não só a nivel interno (dentro daquele processo que se iniciou em virtude de uma violação de direitos) mas também a nível externo (fora do processo). Daí, o Doutor Vieira de Andrade qualificá-la como "uma questão predominantemente de interesse público". No entanto, tal não é isento de críticas e isso verifica-se ao nível da legitimidade dos sujeitos processuais. Se não, vejamos: o art. 73.º nº 2 permite ao lesado ou a qualquer das entidades referidas no art. 9.º nº 2 obterem a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto. Já o Ministério Público pode pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, sem ser sequer necessário ter havido recusa de aplicação aos tais 3 casos concretos (nº 3). A intervenção do MP é ampliada, pois pode impugnar normas jurídicas de eficácia imediata e/ou aquelas que dependam de acto administrativo ou jurisdicional de execução, isto é, sejam ou não exequíveis por si mesmas. Ora, se se trata de uma modalidade de acção capaz de expandir os seus efeitos fora do processo e que podem afectar outros indivíduos, não se compreende porque é que as entidades defensoras de interesses difusos (para as quais existe mesmo uma Lei de Acção Popular) só possam pedir a declaração de ilegalidade daquela norma em causa, apenas com efeitos circunscritos ao caso concreto, assim como o particular - e ambos só podem interpor a declaração de ilegalidade quando os efeitos de uma norma se produzam imediatamente. Tal como o papel do MP que parece ser algo estranho: depreende-se que é ele o principal mentor, sem restrições, desta acção, apesar de ser ele o "guardião" da legalidade e do interesse público. É igualmente estranho o facto de o nº 3 do art. 73.º fazer menção somente ao actor popular "com a faculdade de este se constituir assistente", independentemente de ter interesse pessoal na demanda. Então e o particular, directamente afectado, cuja protecção lhe é assegurada até pela CRP? Afinal que poderes é que lhe são atribuídos? De facto, esta construção do CPTA dá que pensar. Segundo o Doutor Vasco Pereira da Silva, "o legislador trocou os papéis" e por isso, há que "fazer uma interpretação correctiva deste art. 73.º nº 3", assim como uma interpretação conforme à Constituição. Á partida, com a reforma do Contencioso era de se esperar soluções mais favoráveis, mas assistiu-se a um (propositado?) retrocesso nesta matéria. Antes da reforma o papel do particular não se deparava com tais condicionalismos materiais. Citando novamente o regente da cadeira (e com o qual concordo inteiramente), " a solução encontrada, do ponto de vista da protecção subjectiva, é violadora do direito fundamental de impugnação de normas jurídicas lesivas dos direitos dos particulares, consagrado constitucionalmente (...)".

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