segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Acto administrativo impugnável - visão ampla ou restrita?

No século XIX apenas se fazia uma precisão para definir o conceito de acto administrativo de toda a actuação concreta dos órgãos administrativos, pelo que só não seriam actos administrativos aqueles que fossem praticados ao abrigo do direito privado. Como é sabido, ao longo deste século XIX procurou-se afastar a actuação da administração de tudo o que contendesse com os valores da vida privada dos cidadãos, neste campo só o Parlamento podia regular inovatoriamente através de uma lei, reduzindo-se a actividade administrativa a uma actividade estritamente executiva.
Foi assim que o conceito de acto administrativo se desenvolveu como o acto de um órgão da administração praticado ao abrigo do direito público. Com a passagem para o século XX e com a crescente intervençãp da administração na sociedade e na economia, o conceito teve de se "apertar". Passou também a articular-se com a necessidade de criar garantias que assegurassem a sua conformidade com a ordem jurídica no seu todo e que tutelassem a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos com uma relação cada vez mais próxima da máquina administrativa. Foi assim que se passou a definir o acto administrativo como o "acto de autoridade praticado para a prossecução de interesses públicos" definição que, no entanto, não nos acrescenta muito relativamente à noção corrente no século XIX, salientando unicamente a faceta de autoridade de que este acto se reveste.
Como acabámos de ver, o consenso relativamente a uma definição de acto administrativo é apenas conseguido quanto às suas "traves mestras" quando se trata de dar uma definição mais precisa, que permita distingui-lo rigorosamente de todas as outras formas de actuação da administração. Daí que subsistam algumas dúvidas e divergências na doutrina e jurisprudência, dúvidas essas que o CPTA não dissipou integralmente.
A doutrina e jurisprudência tradicionais em Portugal recorrem a um conceito amplo de acto administrativo como o acto voluntário e unilateral, praticado por um órgão da administração, no exercício de poderes administrativos, produzindo efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto. Como facilmente se vê, esta definição cai ainda no defeito de ser demasiado ampla, abrangendo todos os actos jurídicos e concretos da administração pública que utilizam o direito administrativo.
Assim, existiam duas grandes noções de acto administrativo: a noção ampla, que abrangia actos que, por não serem definitivos e/ou executórios, estavam subtraídos à possibilidade de recurso contencioso de anulação, e a de acto administrativo definitivo e executório que, ao afectar a esfera jurídica dos cidadãos, ficava abrangido por essa garantia contenciosa. Talvez por esta razão a fórmula do "acto administrativo definitivo e executório" foi eliminada do nosso texto constitucional pela revisão constitucional de 1989: na nova redacção do nº 4 do artigo 268º, passou a garantir-se o recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos que lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados independentemente da sua forma e, como tal, sem o qualificativo de definitivos.
A crítica à concepção da doutrina tradicional pode ser feita quanto a ambos os conceitos a que recorre. Quanto ao conceito amplo, ele é demasiado amplo, refectindo incoerência e heterogeneidade, ao abranger actos com características muito distintas. Por essa razão, ele não pode servir de base para alicerçar uma construção dogmática da figura, não tendo igualmente qualquer interesse prático. Relativamente ao conceito restrito de acto administrativo além de ser um conceito meramente adjectivo e orientado pela preocupação finalística de realização do princípio da garantia constitucional à tutela jurisdicional efectiva dos particulares face aos órgãos administrativos, é fonte de grande confusão ao abranger realidades totalmente diversas. Não obstante, há que seguir uma posição e embora as opiniões se dividam, revela-se mais coerente afirmar que,e seguindo a posição do Professor Vasco Pereira da Silva, o nosso código adopta a noção ampla e aberta de acto addministrativo impugnável, uma vez que o critério adoptado passa a ser o da lesividade do acto ( artigo 51º nº 1 do CPTA).

Rafaela Marques,nº 14847 subturma 11

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