quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Comentário à 3ª Tarefa - Impugna(miss)ção quase Impossível

O artigo 54.º n.º 1 CPTA tem essencialmente um objectivo pedagógico. Ele deriva tão somente do facto de o novo Código ter tentado uma ruptura com a anterior regulamentação ainda viciada pelos traumas da confusão entre julgar e administrar.
Antes de 2004 o particular tinha como único meio de reagir contra a administração o antigo recurso por anulação. Isto tanto contra actos de conteúdo positivo, como contra actos de indeferimento expresso e até mesmo contra o silêncio. O novo contencioso aliviou o espartilho em que até então o particular estava apertado, concedendo-lhe novas formas de reagir contra os lapsos da sua Administração, sendo que entre eles se encontra a condenação ao acto legalmente devido.
Em relação aos casos de indeferimento expresso, que é o que agora nos interessa, o legislador quis tornar bem claro que, ao arrepio da prática jurisdicional até à data (pela falta de melhor solução), a melhor forma de lhes reagir seria a condenação da Administração à prática de acto administrativo devido. Fê-lo ao prever no artigo 67.º alíneas b) e c), respectivamente, a recusa da prática do acto devido e a recusa de apreciação de requerimento. Todavia, não contente com esta referência clara sobre qual a forma de processo a utilizar, o legislador, na lógica pedagógica que já lhe vale a alcunha do repete-repete, preferiu colocar também uma referência na secção da impugnação de actos administrativos, remetendo o intérprete aplicador para a condenação à prática do acto devido. O legislador quis assim afastar inequivocamente eventuais resquícios da prática anterior e lembrar que, na sua opinião, existe uma forma de melhor proteger o interessado.
Deixando por ora de vasculhar a mente do legislador, interessa referir que o actual contencioso administrativo descentrou o seu foco do acto administrativo (a impugnar) passando agora a dar especial relevância à posição do particular. No dizer do Prof. Vasco Pereira da Silva, no seu divã, o objecto de apreciação jurisdicional, em todas as situações em que a Administração se encontra vinculada a actos de modo favorável ao particular, não é o acto administrativo, mas sim o próprio direito do particular a essa conduta devida.
Penso ser esta a lógica subjacente à preferência pela acção de condenação à prática do acto devido, pois a posição jurídica do particular fica especialmente protegida. Senão vejamos:
a) Discute-se o dever de actuação da administração, ficando esta logo condenada à acção devida.
b) Conseguem-se, em consequência da condenação, os mesmos efeitos impugnatórios.
c) A sentença vale de título executivo o que permite ao particular, em caso de teimosia da Administração, seguir directamente para fase executiva.
Quanto à alínea b, discute-se, não havendo cumulação de pedidos com a impugnação, se poderia esta sentença ter logo efeitos anulatórios ou se, pelo contrário, ainda deve ser a administração a revogar o acto depois de proferida a sentença. Parece-me consistente a opinião do Prof. Mário Aroso de Almeida que considera que num pedido de condenação à prática de acto devido com fundamento em ilegalidade está implícito um pedido de impugnação. Parece nítido face à pretensão do interessado.
O artigo 51.º n.º 4 assume-se assim como um corolário do artigo 89.º n.º 2, mais uma manifestação do princípio pro actionem, devendo o tribunal convidar o autor a substituir a sua petição com a justificação de outro meio processual conferir ao particular uma protecção mais intensa.
Independentemente do acima exposto, resta ainda discutir se, apesar do código expressamente preferir a acção de condenação, será possível o particular insistir na acção de impugnação. Isto porque literalmente no artigo 51.º n.º 4 o código não o nega, considerando apenas a condenação como mais adequada. Levantam-se aqui vários argumentos: A favor poder-se-à arguir que, numa lógica de quem pode o mais pode o menos, quem pode condenar a agir também pode impugnar. Contra, estaria a ideia da economia processual, pois a simples impugnação poderia levar a que a administração pudesse voltar a agir de igual forma, bastando-lhe invocar um argumento diferente, o que levaria a processos futuros que poderiam ter sido evitados.
Penso que deve prevalecer aqui a questão do pressuposto processual do interesse em agir. Como vimos, não haverá interesse em agir perceptível na propositura de uma acção de impugnação quando a condenação confere mais protecção ao particular, até porque, mesmo contra actos discricionários, a sentença determina qual o âmbito e as vinculações legais a observar pela administração – 71.º n.º2 CPTA.
O Prof. Mário Aroso de Almeida levanta ainda a questão de o autor poder querer somente o reconhecimento judicial de que o acto de indeferimento foi ilegal e não pretender obter o acto recusado. Trata-se, no entanto, de uma questão de difícil concretização, visto que implicaria que o particular tivesse proposto o requerimento, que este lhe tivesse sido indeferido e que, na sequência disso, o particular tivesse perdido o interesse actual naquele pedido, mas que, não obstante, quisesse deixar em aberto a possibilidade de futuramente voltar a colocar a questão. É um caso estranho, que, ainda assim, como acaba por defender o Prof. Vasco Pereira da Silva, conseguiria ser de igual modo resolvido pela condenação à prática do acto devido, pois mais valia ao particular ficar com a condenação da Administração a conferir-lhe aquele direito do que a manutenção de um vazio decisório.
Concluo, a este respeito, que a via da impugnação para reacção a casos de recusa da prática do acto está praticamente fechada, restando apenas uma nesga de espaço para quem consiga provar um interesse em agir válido para tomar essa opção, sob pena de faltar este pressuposto processual.

Sem comentários: