terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Comentário à primeira frase: O reflexo do princípio da separação de poderes nos três períodos do contencioso administrativo

Em primeiro lugar, é importante referir que o contencioso administrativo nasceu aquando da Revolução Francesa, respectivamente em 1789, data caracterizada pela proclamação do princípio da separação de poderes na obra De L´Esprit des Lois (1748) de Montesquieu. Por conseguinte, Montesquieu considera a existência de três poderes: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial que deveriam ser repartidos por órgãos distintos,de forma a que esses poderes se possam controlar mutuamente e, assim, garantir e salvaguardar os direitos dos cidadãos. No entanto, este princípio essencial do pensamento político de Montesquieu ao considerar o poder judicial e passo a citar:"aquele através do qual o Estado pune os crimes ou julga os diferendos dos particulares", está a excluir desde logo,dos tribunais a resolução de litígios administrativos.
Deste modo, no que toca à Administração há uma negação desse princípio de separação de poderes na medida em que, há uma "confusão entre administrar e julgar" (Debbash/Ricci) e isto porque, se atribuía aos órgãos da Administração a tarefa de se julgarem a si próprios.
Destarte, constata-se na História três grandes períodos na evolução do contencioso administrativo, aos quais o Professor Vasco Pereira da Silva enuncia como:
  • O período do pecado original que corresponde ao período do Estado Liberal (século XVIII/XIX), onde a frase sugerida para análise se enquadra plenamente dado que, neste mesmo período os revolucionários franceses convictos que estavam a prosseguir perfeitamente o princípio da separação de poderes proibíam os tribunais comuns de julgar a Administração e consequentemente, mantiveram do Antigo Regime a promiscuidade entre administração e jurisdicionalização.Repare-se, que a Administração ainda continua a produzir sentenças e além disso, o único meio de tutela dos particulares era a reclamação para o mesmo órgão que tinha proferido a decisão.
Esta fase é marcada por um sistema de administrador-juiz que se encontra dividido em três relevantes subfases: na primeira (1789-1799) a função de administrar e julgar não é independente; na segunda (1799-1872) conhecida pelo sistema de justiça reservada, O Conselho de Estado que, era visto por Napoleão Bonaparte como um "órgão meio-administrativo, meio-jurisdicionalizado" emite somente um parecer, que não possui eficácia vinculativa, para a resolução de litígios administrativos; parecer este sujeito à homologação do Chefe de Estado. Refira-se, também, que o Conselho de Estado tinha uma missão de aconselhamento. Já na terceira subfase, reconhece-se um sistema de justiça delegada em que se observa um aumento da independência do Conselho de Estado pois, este passa a ter a decisão final por "delegação de poderes" do executivo, deixando de emitir meros pareceres sem eficácia vinculativa.
Contudo, é importante notar que esta alteração do sistema para "justiça delegada" não implicou necessariamente a mudança do sistema do administrador-juiz para se começar a falar de tribunais administrativos.Efectivamente, será só em 1980 que o Conselho de Estado, que até então, pertencia à Administração por "milagre" se transforma num verdadeiro Tribunal e esta conclusão retira-se dos seguintes fundamentos: o Conselho de Estado continuava a ser um órgão administrativo; a justificação dos seus poderes decisórios é feita com base na delegação de poderes (instituto típico da função administrativa) e ainda vigora em França, o sistema de juiz-ministro, isto é, primeiro tem de se obter a decisão do ministro competente e depois recorre-se dessa decisão, em segunda instância, para o Conselho de Estado.
De facto, no período acima referido vivia-se num Estado não intervencionista onde a tarefa administrativa baseava-se na polícia e nas forças armadas, daí a falar-se numa Administração de Polícia em que se cria um sistema de promiscuidade entre a função de administrar e julgar sob a aparência de separação de poderes. Logo, está-se perante um direito actocêntrico numa lógica de proteger a Administração.
Apesar disso, com a transição do século entra-se no período da jurisdicionalização do contencioso administrativo referido pelo Professor Vasco Pereira da Silva como:
  • O período do baptismo do contencioso administrativo que em Portugal manifesta-se na Constituição de 1976 (artigos 202º e seguintes CRP). Em França, verifica-se uma lógica de continuidade com o sistema administrador-juiz sem cortar com a ligação originária da Administração.Finalmente, em 1980 há a primeira sentença que reconheçe que o Conselho de Estado pertence à jurisdicionalização; fala-se a este propósito num duplo milagre na medida em que, por um lado constata-se uma auto-limitação do Estado com a criação do Direito Administrativo e por outro lado, há uma transformação de um "quase-tribunal" num verdadeiro tribunal e daí a reconheçer-se a jurisdicionalização da justiça administrativa.
Assim, dá-se a passagem do Estado Liberal para o Estado Social que regula a iniciativa privada e que é caracterizado como um Estado de Administração pois, esta deixa de ser meramente agressiva para ser prestadora com vista à satisfação das necessidades públicas. Note-se, que o acto administrativo passou a ser uma das formas de actuação da Administração entre outras.
Por último, a regência enuncia o seguinte :
  • O período do crisma ou da confirmação que é marcado por uma reafirmação da natureza plenamente jurisdicionalizada do contencioso administrativo, dado que o juiz goza de independência e plenos poderes face à Administração, e por uma consagração subjectiva do contencioso através da protecção integral e efectiva do direito dos particulares. Atente-se que o Direito Administrativo a, esse propósito, deixou de ser exclusivamente da Administração para se tornar sujeito a uma relação jurídica.
Neste período, releva duas subfases: a primeira (anos 60/70 do século XX) em que, se verifica uma constituicionalização da justiça administrativa sendo como fontes o legislador constituinte (Portugal) ou a jurisprudência (França)enquanto que na segunda (anos 80 do século XX até aos dias de hoje) constata-se a europeização, que se trata, no fundo, de uma acção conjugada de órgãos comunitários e outras instituições europeias. Nesse sentido, a União Europeia trouxe uma nova realidade para o Direito Administrativo a partir de dois fenómenos: a integração vertical e a integração horizontal.
Finalmente, e à guisa de conclusão, cumpre salientar que a História do contencioso administrativo é caracterizada por três importantes períodos e se a frase exposta para análise se insere no período do pecado original, contudo com as fases subsequentes, mais propriamente com a fase do baptismo, traçou-se uma diferenciação nítida entre a função de administrar e a função de julgar bem visível, hoje, nos Estados Modernos caraterizados por uma democracia.

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