quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A delimitação dos meios processuais no CPTA e o meu quarto - qualquer semelhança entre eles é pura coincidência

O artigo 37º nº 2 c) do CPTA estabelece um dos pedidos enquadrados na natureza condenatória da acção administrativa comum. Concretamente este preceito refere-se aos processos que tenham por objecto litígios relativos a “condenação à adopção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um acto administrativa, quando seja provável a emissão de um acto lesivo”.

O legislador inspirou-se no direito germânico, nomeadamente na “acção geral de condenação”, para construir a referida alínea do art. 37º nº 2 do CPTA. No entanto, tal acção que se destina à “condenação judicial a um determinado comportamento que não tenha de ser efectuado através de uma acção de condenação especial” tem por “objecto quaisquer decisões públicas que não sejam actos administrativos nem normas jurídicas”. Ora, de imediato daqui se retira que o legislador português na construção da 2ª parte da alínea c) do nº 2 do art. 37º do CPTA quis adoptar um rumo diferente daquele que se prevê na figura inspiradora originária do direito alemão. Independentemente da razão subjacente a esta opção normativa, a verdade é que tendo em conta, por um lado, a adopção lusitana de uma lógica dicotómica em vez da pluralidade de meios processuais do direito germânico, e por outro, a delimitação dicotómica das acções reservando para os processos relativos ao acto administrativo a acção administrativa especial, o legislador português revelou uma clara contradição na construção normativa, criando um preocupante antagonismo sistemático.

O que, de facto, se gerou com a previsão da 2ª parte da norma já referida foi um grave problema de concurso de meios processuais entre a acção comum e a acção especial, designadamente quando esteja em causa a modalidade de condenação à prática de acto devido. Ora, para resolver este imbróglio impõe-se, no seguimento do que desenvolve o Professor Vasco Pereira da Silva no seu “ (…) Divã da Psicanálise”, efectuar uma “interpretação sistemática – e mesmo correctiva (no que se refere à segunda parte da disposição) – do artigo 37º nº 2, alínea c)” do CPTA, “(…) no contexto das normas que delimitam o âmbito de aplicação da acção comum em relação à especial (artigos 37º, 46º e 5º do Código)”.

Na opinião do regente desta cadeira, com a qual eu concordo, os pedidos de condenação à adopção ou à abstenção de comportamentos destinam-se, em primeiro lugar, ao domínio dos contratos, das actuações técnicas e informais e das operações materiais da Administração, o que resulta da primeira parte da disposição em análise que estabelece efectivamente uma cláusula geral.

Como hipótese, os pedidos de condenação em acção comum também poderiam dizer respeito à prática futura de actos administrativos, porque o legislador assim expressamente o definiu na exemplificação constante da segunda parte da alínea c) do nº 2 do art. 37º do CPTA (e só por isso, já que tendo em conta o critério de delimitação dos meios processuais, a solução lógica seria que estes tivessem sempre lugar na acção especial), mas só quando não fossem “objecto de regulação especial” (cfr. nº 1 do art. 37º CPTA). Ora bem, a verdade é que, como bem observa o Professor Vasco Pereira da Silva, o pedido de condenação à adopção de um acto administrativo deve seguir sempre a forma de processo especial, seja porque, estando em causa o exercício de um poder administrativo vinculado, aplicam-se directamente os artigos 66º e seguintes do CPTA, relativos à modalidade de condenação à prática de acto devido, ou porque, correspondendo a prática do acto a um poder discricionário da administração, qualquer intromissão jurisdicional condenatória resultaria na violação do princípio da separação de poderes, esgotando-se, desta forma, qualquer possibilidade de aplicação normativa com este sentido.

Na verdade, a única forma de se conceder algum “sentido útil” à exemplificação constante da segunda parte da norma em análise é admitindo que os pedidos de condenação à abstenção da prática de um acto administrativo podem ter lugar em acção administrativa comum. Ora, estes pedidos de tutela preventiva, como bem refere o Professor Vieira da Silva nas suas Lições, revelam uma clara disfuncionalidade para com um sistema de administração executiva como o nosso, podendo, inclusive, interferir no exercício normal da função administrativa, já que não teria qualquer sentido a utilização desta acção no decurso de um procedimento administrativo, “na sequência do conhecimento, pelo interessado, de um parecer ou de um projecto desfavorável à sua pretensão, por exemplo, em audiência prévia, na fase final, para obstar à prática do acto”, principalmente porque, “ (…) tratando-se de um processo que não é urgente, perderia a sua utilidade com a provável prática do acto”. O que daqui se conclui é que mesmo admitindo esta interpretação da parte da norma em questão, a utilização do referido meio processual terá que ser extremamente restrita, sendo somente admissível em função da inadequação, impossibilidade ou deficiência da tutela própria dos particulares através da acção administrativa especial de impugnação perante o acto que venha a se praticado pela Administração.

Nota-se portanto, e em jeito de nota final, que se torna imperioso proceder a uma alteração da alínea c) do nº 2 do art. 37º do CPTA de modo a adaptar o objecto da acção administrativa comum àquele que é o critério legalmente adoptado para delimitação dos meios processuais. Entretanto resta-nos seguir uma interpretação legalmente conforme e sistematicamente correcta do preceito, no sentido do que aqui foi brevemente desenvolvido.

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