sábado, 13 de dezembro de 2008

Em Busca de uma Justiça Prometida…

Tal qual crianças sedentas de “um sempre mais” – de um sempre mais ter, de um sempre mais conhecer, de um sempre mais saber – não nos prometam nada, a nós administrados, que correremos em busca dessa promessa. Ou será este um espírito ingénuo e a verdade é que optamos pela observância, e pela esperança, que o “próximo-administrado” corra, talvez mesmo por ele e por nós? Enfim, há sempre quem corra, ou não estariam as maratonas tão na moda! Mais que não seja, na esperança de queimar algumas calorias…

E para que não corram uns a pé e outros a cavalo, em tom de promessa de uma justiça já prometida, surge-nos então, também no âmbito do Contencioso Administrativo, o princípio da igualdade entre as partes no processo (art. 6.º CPTA) – e isto no tanto que se refere ao exercício de faculdades como ao uso de meios de defesa.

É esta uma novidade do novo Contencioso Administrativo, não se referindo a lei anterior à existência de um tal princípio nem sendo o mesmo prática dos tribunais administrativos. Foi um doce oferecido, ainda que um pouco fora de prazo.

E fora de prazo porque poderia ter-nos chegado mais cedo, não fosse o atraso no arranque para um sistema jurídico harmónico e coerente, não fosse o atraso em concretizar o Direito Constitucional neste outro ramo do Direito, o Direito Administrativo. Pois que tal princípio da igualdade das partes no processo integra em si mesmo o direito ao processo equitativo nos termos dos arts. 20.º, n.º 4, da Constituição, 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 10.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 14.º, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, implicando assim, entre outras exigências, que uma das partes não seja colocada numa posição de substancial desvantagem em relação com a sua oponente.

Sendo, então, o tribunal o destinatário daquela norma, ao mesmo incumbe a promoção da igualdade substancial e efectiva entre as partes no processo. Para tal deve o tribunal exercer esse papel equilibradamente para ambas as partes, gozando estas de armas processuais iguais e apreciando aquele de todos os aspectos jurídicos que dão consistência e peso aos interesses em conflito.

Mas mais, façamos que entendemos à séria o tamanho do nosso doce, a amplitude daquela promessa. Abramos os olhos e reconduzamos aquele princípio da igualdade das partes, consagrado no nosso art. 6.º, do CPTA, a outros dois: o princípio do contraditório e o princípio da igualdade de armas no processo administrativo (ainda que já tenhamos aflorado aspectos da sua concretização). Apresenta-se como igualdade efectiva, ainda que se imponham deveres especiais à Administração por uma questão de cooperação e não de desigualdade, e é este o papel de embrulho.

Então, já de olhos postos no primeiro (princípio do contraditório), esperamos que se cumpra o objectivo de assegurar esse tratamento igualitário das partes do processo, designadamente ao nível da admissão da prova e da apreciação do seu valor. Como decorrência do direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos (art. 20.º, n.º 1, da CRP), do direito a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, também da CRP), e do próprio princípio da igualdade (art. 13.º, da CRP), o tribunal visado a proferir uma decisão imparcial e justa está, então, obrigado a ouvir ambas as partes – e são, finalmente, partes, quer o particular quer a Administração – e para tal, ambas as partes têm de dispor dos mesmos meios de qualidade.

Mas puxemos mais uma ponta do laço, e eis que atentando já ao princípio da igualdade de armas entre particular e Administração, também este faz transparecer claramente duas (novas) ideias:
a) De acordo com o disposto no art. 189.º, n.º 1, do CPTA, “o Estado e as demais entidades públicas estão sujeitos ao pagamento de custas”, deixando de beneficiar do tradicional regime de isenção. Assim, se antes a Administração estava isenta de custas na generalidade dos processos, com a Reforma, ela passa a pagar custas no caso de decair, tal como qualquer parte. No âmbito da jurisdição administrativa, este regime das custas encontra regulação própria no Código das Custas Judiciais (n.º2 do mesmo preceito);
b) Mas mais, agora a Administração passa ainda a poder ser condenada por litigância de má fé (art. 6.º, do CPTA). Pondo cobro ao entendimento tradicional que excluía, privilegiando, a Administração, podem, agora, os tribunais administrativos aplicar sanções a qualquer das partes com tal fundamento.

Parece-nos que, mais do que a bondade do legislador fixa a provocar sorrisos infantis, o fundamento de tal presente ter-se-á prendido com a esperança, talvez optimista, de alguma diminuição de litigiosidade e, sobretudo, em fase de recursos, contrariando a tradicional tendência da Administração para recorrer por tudo e por nada, numa birra por tudo e por nada, só para tentar a melhor parte, mesmo nos casos de pouca, ou nenhuma, razão – pois que, não pagando custas, nem podendo ser condenada por litigância de má fé, mesmo nos casos em que o litigasse contra lei expressa, nada teria a perder, tudo teria a ganhar.

Então, resta-nos que essa esperança legislativa se concretize, que esta garantia do princípio da igualdade em que a Administração é equiparada a parte comum (como sucede no processo civil, também em jeito de grande equiparação do processo contencioso administrativo ao processo comum civil) se efective, que o particular corra sempre em busca de uma Justiça prometida, que a apreciação do tribunal seja imparcial e equitativa, e que, finalmente, se prove do doce oferecido

Sem comentários: