terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo

Introdução

A Reforma do Contencioso Administrativo foi iniciada em 2000, aprovada em 2001 e promulgada em 2002. Esta destinava-se a entrar em vigor em 2003, o que na verdade só veio a acontecer em 2004. Veio introduzir transformações muito profundas no nosso direito processual administrativo e por esse motivo está contida em muitos dos preceitos do CPTA e do ETAF. Dando alguns exemplos dessas alterações, a densificação da princípio da tutela jurisdicional efectiva dos artigos 2º, n.º 2 e 37º, n.º 2, do CPTA; a densificação do princípio da livre cumulação de pedidos, nos artigos 4º, n.º 2, 46º, nº3 e 47º, nº2; ou ainda, a ampliação da legitimidade activa e da legitimidade passiva são, porventura, das mais importantes.


O novo administrativo português foi estruturado com o objectivo de proporcionar a mais efectiva tutela a quem quer que se lhe dirija, tendo o direito a obter atempadamente uma desisão judicial favorável, no que respeita à tutela declarativa, cautelar ou executiva, tal como resulta do artigo 2º, n.º 1, do CPTA.
O artigo 7º vem dizer ainda que o conteúdo do princípio da tutela efectiva implica o direito à justiça material, que se pronuncie sobre o mérito das pretenções formuladas não se limitando à apreciação formal do litígio. O n.º 2, do mesmo artigo, vem estabelecer a enumeração dos efeitos da sentença correspondente, independentemente dos meios processuais que estejam em causa. Para isso, é necessário saber para além de qual o meio processual adequado, qual é o pedido susceptível de ser apreciado.
Os poderes de pronúncia integrantes do princípio da tutela efectiva referidos no artigo 7º, n.º 2 são:
- alíneas a), b), c), correspondentes sentenças de simples apreciação (v.g. reconhecimento de direitos, de qualidades, de direitos de abstenção, de declaração de ilegalidade de normas);
- alíneas d), h), correspondentes (grosso modo) a sentenças constitutivas (de actos e de regulamentos administrativos);
- alíneas e), f), g), i), j), l), configuráveis como sentenças de condenação.

A acção administrativa comum tal como a acção administrativa especial, podem dar origem a sentenças de simples aprecição, de anulação ou de condenação, já que a qualificação dos efeitos da sentença fica dependente do pedido.


1- Âmbito da jurisdição administrativa

Responsabilidade civil extracontratual

De acordo com o artigo 4º, n.º 1 alíneas g) e h) do ETAF, os tribunais administrativos passam a ser competentes para dirimir todas as questões da responsabilidade civil extracontratual que envolvam pessoas colectivas de direito público, resultantes do exercício das funções administrativa, legislativa e judicial; e ainda as questões que envolvem a responsabilidade dos titulares de orgãos, funcionários, agentes e de mais servidores públicos, incluindo acções de regresso.
A jurisdição administrativa passa a apreciar todas as questões de responsabilidade civil extracontratual da Administração, independentemente de saber se a responsabilidade emerge de uma actuação de gestão privada ou de gestão pública.
A apreciação de questões de responsabilidade emergentes do exercício da função legislativa, é atribuida à jurisdição administrativa por envolver “a aplicação de um regime de direito público, respeitante a questões relacionadas com o exercício de poderes públicos”.
Compete ainda à jurisdição administrativa apreciar as questões de responsabilidade resultantes do mau funcionamento da administração da justiça. O artigo 4º, n.º 3, vem excluir na sua alínea a) a apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes as outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso.
O novo ETAF, na opinião dos Professores Diogo Freitas do Amaral e Mario Aroso de Almeida, pelo contrário, incumbe os tribunais administrativos de apreciarem casos de responsabilidade que decorram da ilegitima actuação dos magistrados, enquanto agentes da administração da justiça, com a única ressalva do juízo sobre a verificação de erro judiciário. Um exemplo será o da morosidade na prática de actos processuais.
O artigo 4º, n.º 1 alínea i) vem dizer que é da competência da jurisdição administrativa a apreciação de questões de responsabilidade de sujeitos privados, desde que aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. Isto significa, alargar o regime das responsabilidade civil pública aos casos da administração pública sob forma privada resultantes da “fuga para o direito privado” bem como às entidades privadas que colaboram com a administração no exercício da função administrativa.

Relações contratuais

O legislador do ETAF procurando corresponder à necessidade de obviar às práticas que tradicionalmente se colocavam a propósito da delimitação do âmbito do foro judicial e do foro administrativo, tentou identificar com maior grau de precisão o universo dos contratos cujo contencioso ficaria sujeito aos tribunais administrativos.
Sendo assim, a alínea e) do artigo 4º, n.º 1 vem desde logo configurar o critério do procedimento pré-contratual, conferindo à jurisdição dos tribunais administrativos a apreciação das questões relativas à interpretação, validade e execução dos contratos a respeito dos quais existe lei específica que os submeta ou que os possa submeter a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
Os contratos celebrados por pessoas colectivas de direito público e os contratos celebrados por entidades públicas sobre formas privadas, ficam submetidos a regras de direito público em matéria de procedimentos pré-contratuais, devendo a jurisdição apreciar a conformidade com essas regras, designadamente da adjudicação, que essas entidades nesse contexto pratiquem (artigos 100º, nº3 e 132º, nº 2, do CPTA), bem resolver quaisquer litígios resultantes das respectivas relações contratuais.
A alínea f) do artigo 4º, n.º 1 configura o critério do regime substantivo, conferindo à jurisdição administrativa apreciar questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público. O legislador densificou nesta norma o conceito de contrato administrativo. A jurisdição administrativa aplica-se a todos os contratos correspondentes ao exercício da função administrativa.
A alínea b) do mesmo artigo faz também referência aos contratos, confirmando a consequente invalidade dos mesmos, quando o acto administrativo no qual se fundaram é inválido.


2- Distribuição das competências dos tribunais administrativos

Com a actual reforma do contencioso administrativo transferiram-se para os tribunais administrativos de círculo a generalidade das competências de julgamento em primeira instância que pertenciam ao Supremo e ao Tribunal Central, com excepção dos processos cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores, bem como da apreciação dos pedidos que naqueles processos sejam cumulados, artigo 44º do ETAF. Há assim um alargamento do âmbito das competências dos tribunais administrativos de círculo, que associado à referida ampliação do próprio âmbito da jurisdição administrativa, determina a necessidade de se proceder à instalação de novos tribunais e ao recrutamento de novos magistrados.
O Tribunal Central Administrativo transforma-se em dois tribunais de apelação, em Lisboa e Porto, deixando de ser competente para proceder a julgamentos em primeira instância, para ser compente em instância normal de recurso das decisões que venham a ser proferidas pelos tribunais administrativos de círculo, artigo 37º do ETAF.
O âmbito das competências do Supremo Tribunal Administrrativo em contrapartida diminui, mas apenas em quantidade, uma vez que lhe é atribuído o poder de dirimir conflitos entre os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal, julgar recursos de revista e de uniformização de jurisprudência.


3- Legitimidade processual

Em matéria de legitimidade activa o regime geral consta do artigo 9º, n.º 1 e corresponde ao que se estabelece no artigo 26º, n.º 3, do CPC, ao assumi-la como um pressuposto processual cuja titularidade se afere por referência às alegações produzidas pelo autor, e ainda ao considerar o autor como parte legitima quando alegue ser parte na relação material controvertida.
No entanto resulta do mesmo artigo 9º nº 1 a ressalva expressa da existência de regimes especiais quanto à legitimidade activa no âmbito do novo contencioso administrativo. Sendo assim esta não se encontra apenas regulada neste artigo mas também no artigo 40º, respeitante à legitimidade em acções relativas a contratos, e nos artigos 55º, 68º, 73º e 77º, referentes às pretensões que se fazem valer pela via da administração especial.
O n.º 2 do artigo 9º vem desde logo apresentar disposições especiais ao regime geral, ao alargar a legitimidade a quem não alegue ser parte na relação material controvertida. Assim cabe ao Ministério Público, às associações e fundações defensoras dos interesses, às autarquias locais e a qualquer pessoa enquanto membro da comunidade o exercicio do direito de acção popular para defesa de valores e bens contitucionalmente protegidos que enuncia.
Nas acções relativas a contratos, resulta da ressalva contida na primeira parte do artigo 9º, n.º 1, que o artigo 40º afasta o regime regra nele consagrado, alargando a legitimidade activa a quem não alegue ser parte na relação material que se propõe submeter à apreciação do tribunal. Este artigo procurou dar resposta aos reparos dirigidos contra e solução tradicional de só poderem ser propostas acções sobre contratos administrativos pelas entidades contratantes.
Sendo assim, o CPTA, introduz no artigo 40º, n.º 1, alínea b) a acção pública sem restrições aparentes. O Ministério Público é admitido a impugnar todo e qualquer contrato, com o único propósito de “defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público” - artigo 51º, do ETAF.

No que diz respeito à legitimidade passiva, o regime regra resulta do artigo 10º, nº 1. À partida ela corresponde à contraparte na relação material controvertida, devendo o autor demandar quem estiver colocado no âmbito dela em posição contrária à sua.
Na legislação anterior os processos por impugnação eram ntentados contra o orgão que tivesse praticado o acto impugnado ou contra o qual fosse formulado o pedido; os restantes processos, em especial as acções sobre contratos e em matéria de responsabilidade civil, eram intentados contra a pessoa colectiva pública envolvida na relação controvertida.
O CPTA por sua vez pretende no artigo 10º, n.º 2 que os processos deixem de ser deduzidos contra orgãos para passarem a ser, no caso do Estado, contra os Ministérios a quem esses orgãos pertencem. “Parte demandada, é a pessoa colectiva de direito público (e não um orgão que dela faça parte) ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.


4- Formas de processo

Com a reforma do contencioso administrativo, os diferentes tipos de pretenções deixam de ser artificialmente associados a meios processuais sem forma própria que os diferencie. Assim, os processos devem seguir uma de duas tramitações principais:
a) A acção administrativa comum, respeita aos processos relativos à responsabilidade civil extracontratual da Administração, a litígios sobre contratos administrativos e ainda a todo e qualquer processo em que se pretenda a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável, nem devam ser objecto de um dos processos urgentes de intimação previstos nos seus artigos 104º e seguintes.
Esta acção respeita também às acções não especificadas a que se referia o artigo 73º da LPTA e que podem ser intentadas por entidades públicas contra outras entidades públicas ou privadas.
É definida como um modelo de tramitação a que correspondem todos os processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito de jurisdição administrativa e que, nem no CPTA nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial, artigo 37º nº1;

b) A acção administrativa especial, corresponde aos anteriores meios processuais mais importantes da justiça administrativa mas vai para além deles, permitindo novos pedidos e correspondentes efeitos das sentenças conseguindo uma maior tutela dos direitos dos particulares. Obedece a uma tramitação específica.
Esta acção destina-se a regular a tramitação de processos impugnatórios de actos administrativos e de normas, e ainda a regular a tramitação de processos dirijidos à prática de actos adminitrativos ou à admissão de normas devidas em que não está em causa a impugnação de actos administrativos ou de normas.
Funda-se no entendimento de que “as especificidades das relações juridico-administrativas requerem um quadro processual específico quando elas comportam o exercício de poderes da administração”, “por regra associadas a um procedimento administrativo e, por outro lado, relacionadas com interesses públicos cuja tutela no processo merece especial atenção”.

Processos urgentes

O direito à tutela judicial efectiva em matéria juridico-administrativa exige a instituição de mecanismos de resolução célere e flexível de conflitos - pelo menos de processos urgentes para os domínios mais sensiveis ao decurso do tempo, nos quais estejam em jogo valores de maior magnitude e que nem sempre envolvem questões juridicas de grande complexidade.
O CPTA prevê os quatro tipos mais relevantes de processos urgentes, sem prejuízo da existência de outros que possam ser consagrados em legislação especial. São eles os processos que têm por objecto as questões do contencioso eleitoral cuja apreciação é atribuída à jurisdição administrativa (artigos 97º a 99º), a impugnação de actos praticados no âmbito de procedimentos pré-contratuais (artigos 100º a 103º), os pedidos de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigo 104º a 108º) e para a protecção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109º a 111º).
A estrutura do título IV assenta numa bipartição entre “impugnações urgentes” e “intimações”, prevendo em cada um duas modalidades de processos.
Quanto às “impugnações urgentes” os dois tipos de processos urgentes previstos nos artigos 97º a 103º já existiam sensivelmente nos mesmos moldes no direito anterior, não tendo sofrido alterações significativas.
No regime do “contencioso eleitoral”, introduzem-se modificações pontuais e sem relevo ao regime dos artigos 59º a 62º da LPTA. Sendo assim, a impugnação dos actos juridicos respeitantes ao processo eleitoral que consubstanciam uma acção ou omissão ilegal está ao alcance de quem seja eleitor ou elegível na eleição em causa, bem como das pessoas cuja inscrição tenha sido omitida (artigo 98º, n.º 1). Esta deve ser feita no prazo de sete dias , de acordo com o artigo 98º, n.º 2.
Os actos anteriores ao acto eleitoral, só podem ser objecto de impugnação autónoma, quando relativos à exclusão ou omissão de eleitores ou elegíveis nos cadernos ou listas eleitorais, segundo o artigo 98º, n.º 3.
Quanto à tramitação, o modelo a seguir é o da acção administrativa especial (artigos 78º e seguintes), salvo o preceituado nos números previstos no artigo 99º: o n.º 2 que vem limitar a posibilidade da apresentação de alegações; o n.º 3 reduz os prazos a observar ao longo do processo; e os n.º 4 e 5 imprimem uma especial celeridade à apreciação dos autos pelos juízes-adjuntos e ao agendamento do processo para julgamento.
O regime do “contencioso pré-contratual” diz respeito aos artigos 100º e seguintes.
O artigo 46º, n.º 3 vem dizer que este regime especial só vale para a “impugnação de actos relativos à formação dos contratos aí especificamente previstos”, e não para a impugnação de todo e qualquer acto pré-contratual. Como diz o artigo 100º, n.º 1, trata-se de estabelecer um regime especial para a impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obra públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens. Este regime está subtraído subsidiariamente ao regime geral de impugnação de actos administrativos, previsto nos artigos 51º e seguintes, e artigos 78º e seguintes. A razão para isto reside na circunstância de os contratos do tipo referido se encontrarem abrangidos pelo âmbito de aplicação de duas directivas comunitárias, as Directivas do Concelho n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, e n.º 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro transpostas pelo Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio. O CPTA vem por sua vez introduzir diversas modificações ao regime deste.
Deu-se a extensão do âmbito de aplicação do regime ao contencioso relativo à formação de contratos de concessão de obras públicas (artigo 100º, n.º 1), e à impugnação do programa do concurso, do caderno de encargos e demais documentos conformadores do procedimento de formação do contrato (artigo 100º, n.º 2). O prazo de quinze dias para a impugnação, que resultava do artigo 3º, n.º 2, do Decreto-Lei 134/98 passou para um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto, de acordo com o artigo 101º. Sendo assim, independentemente do concreto título de legitimação em que a propositura da acção se baseia (artigo 55º) todos estão sujeitos a este prazo.
No entanto, não parece dever ser aplicado o prazo de um mês à impugnação de actos nulos, devendo a nulidade poder ser declarada a todo o tempo e por qualquer tribunal - artigo 134º, n.º 2, do CPA.
Quanto ao modelo de tramitação a seguir é o da acção administrativa especial (artigo 78º e seguintes), com as especialidades previstas no artigo 102º, que limita a possibilidade de apresentação de alegações no seu n.º 2, e reduz os prazos a observar ao longo do processo no seu n.º 3.
Merece especial referência a possibilidade de o objecto do processo poder ser ampliado à impignação do contrato, segundo o disposto no artigo 63º - artigo 102º, n.º 4.
As intimações constituem processos urgentes de imposição que tanto se podem dirigir à realização de operações materiais por parte da administração, como à prática de actos administrativos.
O primeiro dos processos de intimação regulado pelo CPTA, é o processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigos 104º a 108º). O CPTA transformou a intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões, dos artigos 82º e seguintes da LPTA, num processo principal de âmbito mais alargado, daí a nova designação. No entanto, para além de funcionar como meio principal adequado a proporcionar em condições de celeridade, a tutela devida aos direitos à informação e acesso aos documentos da administração, ela pode continuar a ser utilizada quando necessário, como meio acessório apto a obter elementos destinados a instruir pretenções pela via administrativa ou pela via contenciosa, suspendendo neste caso, os eventuais prazos de impugnação que estejam em curso - artigos 104º e 106º.
Quanto ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias este vem concretizar no domínio do contencioso administrativo a garantia consagrada no artigo 20º, n.º 5, da CRP.
Pode ser utilizado para obter da Administração a adopção ou abstenção de uma conduta, o suprimento da omissão, por parte dela das providências adequadas a prevenir ou reprimir condutas lesivas dos direitos, liberdades e garantias do interessado, ou para obter a emissão de um acto adminstrativo estritamente vinculado, designadamente de um acto administrativo já praticado - artigos 109º e seguintes.

Poder de decretar todo o tipo de providências cautelares

No novo contencioso administrativo, os particulares passam a poder obter providências cautelares de conteúdo diversificado, em função das necessidades concretas, ao formalizar expressamente o poder dos tribunais administrativos de adoptarem “providências cautelares não especificadas” e ao consagrar novas providências cautelares típicas, configuradas em função das características especificas das relações jurido-administrativas, como é o caso das providências relativas a procedimentos de formação de contratos (artigo 132º), e a regulação provisória do pagamento de quantias, do artigo 133º.
O CPTA estabelece no seu artigo 122º, que os tribunais passam a poder adoptar toda e qualquer providência cautelar, antecipatória ou conservatória que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo principal. Este artigo dá assim cumprimento ao artigo 268º, n.º 4, da CRP.
Os tribunais adminstrativos passam a dispôr do poder de adoptarem verdadeiras providências de execução das suas sentenças, pelo que, em domínios de maior complexidade, devem ser ponderadas as circunstâncias, em ordem a determinar quem deve proceder à execução e por que forma. Para isso, o CPTA, consagrou no artigo 167º, n.º 3, a possibilidade dos tribunais administrativos poderem requerer não só a colaboração das autoridades e agentes da entidade administrativa, como de outras entidades administrativas. Todas as entidades públicas, a começar pelo Estado estão obrigadas a prestar a sua colaboração, sob pena de incorrerem no crime de desobediência - artigo 167º, n.º 4.
Há a consagração do princípio da não taxatividade das providências cautelares em contencioso administrativo e de critérios de ponderação quanto à respectiva concessão.
Outra das alterações que a nova reforma do contencioso administrativo trouxe diz respeito à consagração do princípio da livre cumulação de todos os pedidos num mesmo processo, desde que se estabeleça uma relação de conexão que a justifique, por aplicação das regras que se estabelecem no artigo 4º, n.º 1. Há também a consagração do princípio da livre cumulabilidade de soluções que permitem a ampliação do objecto do processo durante a pendência do mesmo, por forma a permitir a impugnação de actos administrativos e contratos supervenientes. Isto veio pôr termo a um sistema em que o interessado que se dirigia à justiça administrativa se via muitas vezes, forçado a lançar mão de sucessivos meios processuais para obter a satisfação de pretensões emergentes de uma mesma relação jurídica material.


5- Poderes dos tribunais administrativos

O CPTA dando cumprimento ao imperativo decorrente do artigo 268º, n.º 4, da CRP, consagra a acção de condenação da Administração à prática de acto administrativo devido (artigos 66º e seguintes) bem como de emitir pronúncias aptas a produzir os efeitos de actos administrativos estritamente vinculados que ela tenha omitido ou recusado ilegalmente.
Há a substituição da anulação dos actos administrativos de indeferimento tácito ou expresso pela condenação à prática do acto ilegalmente devido. Tal condenação vale implicitamente como anulação do indeferimento.
Como resulta do artigo 66º, n.º 1 também está aqui em causa o estabelecimento de um prazo no qual o acto ilegalmente omitido ou recusado deva ser praticado. No caso de não ser cumprido, o titular ficará pessoalmente obrigado ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso que se venha a verificar no cumprimento da sentença - artigo 169º, n.º 1. Isto vale para todos os titulares e orgãos administrativos obrigados a cumprir determinações judiciais.
No domínio dos processos de execução para a prestação de factos fungíveis e para o pagamento de quantias, assiste-se à introdução do poder de determinar a adopção de providências verdadeiramente executivas.


6- Outras inovações

Por fim, quanto a outras inovações introduzidas pelo novo contencioso administrativo, poder-se-á falar:
- Na eliminação das restrições tradicionais quanto aos meios de prova admissiveis;
- O artigo 6º que diz respeito ao princípio da igualdade das partes vem consagrar a possibilidade de os tribunais administrativos poderem aplicar sanções a qualquer das partes por litigância de má fé. O Estado e as demais entidades públicas passam a estar sujeitas ao pagamento de custas, deixando de beneficiar do tradicional regime de isenção;
- Introduz-se a possibilidade de haver audiências orais em todos os tipos de processos;
- Há a introdução de mecanismos de resolução simplificada de processos em massa e de extenção de efeitos de sentenças a situações similares que não foram submetidas à apreciação dos tribunais;
- E ainda, a previsão da criação de centros de arbitragem institucionalizados para intervirem em domínios de maior litigância, como os do funcionalismo público e da segurança social.


Conclusão
A reforma foi necessária para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos perante a Administração Pública e assegurar a plena instituição no nosso país de um Estado de Direito.
Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, com a qual concordo, independentemente das críticas que possam ser feitas à reforma, esta veio trazer um balanço claramente positivo, representando um progresso relativamente à situação anterior.

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