É bem verdade que o conceito de acto administrativo impugnável não é um conceito unívoco, no sentido de não ser totalmente claro o que o legislador pretendeu definir como sendo um acto administrativo susceptível de impugnação contenciosa. Acresce que se trata de uma questão de maior interesse prático, desde logo, porque este é um dos pressupostos da acção administrativa especial.
É uma frase que nos permite abordar um sem número de questões. Uma palavra prévia ao facto de continuar a existir uma lógica clara entre o conceito de acto administrativo com os modelos de Estado e a concepção da Administração Publica própria de cada modelo. Não surpreende que na base do artigo 120º do CPA esteja uma concepção aberta de acto administrativo como que uma resposta àquilo que se vive nos nosso dias: uma Administração Pública complexa, mais interveniente, multifacetada. De resto, outra coisa não poderia ser. Paralelamente ao alargamento dos fins públicos projecta-se (e/ou tem como consequência) um alargamento das tarefas administrativas e da própria administração em sentido orgânico. Partindo do disposto no artigo 120º do CPA, o conceito de acto administrativo é um conceito amplo, aberto, que compreende toda e qualquer decisão destinada à produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Há muito que se tem por ultrapassada noções restritivas de acto administrativos. Actos administrativos, para efeitos substantivos se quisermos, são todos os actos que produzem efeitos jurídicos, cujo aspecto fundamental é exactamente o de ser um acto da função administrativa. Temos, desde logo, o elemento literal: a referência no artigo 120º do CPA a “órgãos da Administração”.
Tratar-se-á apenas, e na minha opinião, de uma questão de interpretação.
E se partir da frase do Professor Viera de Andrade e observando o contexto e a explicação depois formulada, não consigo concordar integralmente. Segundo o seu entendimento, o conceito processual é mais restrito do que o conceito de acto administrativo se atentarmos por esta via: da leitura, parece apenas abranger as decisões com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, sendo que a referência à susceptibilidade de lesar direitos seria uma especificação dentro do conceito mais amplo de eficácia externa. Se quisermos, existe somente um critério: será necessário sempre revestir eficácia externa. Repito, desde já, que não julgo ser este o entendimento correcto. Senão vejamos. Desde logo temos o artigo 268/4 da CRP que consagra expressamente um direito fundamental de impugnação de actos administrativos susceptível de causar lesão aos particulares. Não parece que este comando constitucional se coadune com uma noção restrita de acto impugnável, de forma a que a eficácia externa fosse um critério base e a susceptibilidade de provocar lesão uma especificação daquele outro. Mais, não se coaduna, pois, na minha opinião, estaríamos a constituir uma interpretação algo limitativa do direito constitucional de impugnação. Mais até, o artigo 268/4 da CRP permite a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. É o acesso à justiça, por um lado, e a tutela jurisdicional efectiva, por outro, o que estará em causa.
Não julgo ser o entendimento correcto. E não julgo, pois, como acima concluí, indo de encontro com a grande maioria da doutrina, se o que temos a nível de conceito substantivo de acto administrativo é um conceito amplo, fará algum sentido conceber um acto administrativo impugnável mais restrito, de forma a que se exija sempre a eficácia externa como característica de impugnabilidade? Julgo, alias, como bem salienta o Professor Vasco Pereira da Silva nas suas lições, tratarem-se, tão-somente, de dois critérios autónomos especificados para duas acções administrativos diversas. De resto, outra coisa não seria possível, uma vez que outros tantos argumentos apontam para esta formulação, salvo o devido respeito. O artigo 54º do CPTA prevê clara e expressamente a possibilidade de impugnação de actos desprovidos de eficácia externa, desde que lesivos. São muitos indícios, de facto, para conseguirmos montar uma teoria com base na ideia da necessidade de eficácia externa como critério base para a impugnação de acto administrativo. Parece-me, claro, aliás, que a reforma do CPTA rejeitou a ideia da tríplice definitividade e executoriedade como pressuposto de impugnabilidade de actos. Não mais se exige parta efeitos de impugnação que o acto colocasse um ponto final a um procedimento administrativo (definitividade horizontal) e que ao mesmo tempo constituísse a última palavra da Administração (definitividade vertical). O legislador abandonou a expressão actos destacáveis, mas não se deixa de possibilitar a impugnação de actos procedimentais: seja porque produzem efeitos externos, seja porque, inseridos num procedimento, e não colocando termo a nenhuma fase decisória, sejam em si lesivos. O artigo 51º/3 do CPTA permite a impugnação de actos horizontalmente não definitivos; o artigo 59/4 do CPTA permite a impugnação de actos verticalmente não definitivos; o artigo 53º do CPTA permite a impugnação de actos materialmente não definitivos e o já referido artigo 54º do CPTA permite a impugnação de actos não executórios. Em suma, são vários os pontos onde nos podemos apoiar para concluir que acto lesivo não coincide com o conceito de acto definitivo e executório. Pelo que, esta parte da frase não me parece de todo correcta. Todavia, é certo que a redacção do artigo 54º do CPTA não é tão precisa e muito por isto se levantam tantas vozes com posições tão diversas.
Uma última e breve palavra, passando, desta feita, à outra discussão: “… sendo, por um lado, mais vasto...” Refere-se o Professor Viera de Andrade ao facto de existir agora com o CPTA um alargamento da dimensão orgânica, na medida e cito: “ não depende da tradicional qualidade administrativa do seu Autor”. Embora questionável, aqui consigo conceder uma certa razão à conclusão do Professor. Isto pois, tornam-se impugnáveis, claramente agora, actos emitidos por autoridades não integradas na Administração Pública. Como de resto já algum colega disse atrás, é o artigo 120º do CPA que me parece um pouco desactualizado, como que esquecendo a realidade dos actos materialmente administrativos. Não deixarão de ser actos praticados ao abrigo da função administrativa. Neste ponto, concebo que possamos encarar que a noção processual é mais vasta (não mais que não seja porque o afirma cabalmente), mas muito por culpa da desactualização do artigo 120º do CPA.
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